Três meses após enfrentar uma onda de acusações de supostamente operar um esquema de “pirâmide financeira”, a XP Investimentos volta ao noticiário.
A polêmica foi reavivada após a tentativa da corretora de impedir a veiculação de um documentário do influenciador Daniel Penin, que questiona supostas práticas enganosas atribuídas à empresa – uma das maiores corretoras independentes do país, com mais de 4,5 milhões de clientes. A XP rechaça as acusações (leia mais abaixo).
O pedido de suspensão judicial do vídeo, que continuava disponível no YouTube até a publicação desta reportagem, gerou repercussão e renovou o interesse sobre denúncias que a empresa já vinha rechaçando.
O documentário é baseado num relatório publicado em março pela consultoria americana Grizzly Research, que sugere que a XP estaria operando em um modelo semelhante a um esquema Ponzi — no qual rendimentos pagos a investidores antigos vêm do dinheiro de novos aportes, e não de lucros reais.
Segundo o relatório, a corretora sustentaria esse modelo por meio da venda de Certificados de Operações Estruturadas (COEs) e da gestão de dois fundos próprios: o Gladius e o Coliseu. Na época, as ações da XP caíram quase 6% e a corretora divulgou comunicado oficial informando a adoção de “todas as medidas legais cabíveis” contra a Grizzly, por propagação de “fake news”.
O vídeo de Penin, intitulado “XP Investimentos – O $ do Impossível”, seria lançado no dia 4 de junho. Mas a exibição foi suspensa logo após a divulgação do trailer, trazendo o assunto novamente à tona.
Embora o relatório da Grizzly não tenha conseguido comprovar o esquema, Penin afirma que seu objetivo é expor “problemas grandes que estavam debaixo do tapete”. Mesmo com a decisão judicial, o influenciador publicou o vídeo em 14 de junho.
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“Como transformar R$ 50 mil em R$ 175 milhões?”
No documentário, Penin, que soma 4,7 milhões de seguidores nas redes sociais, adota tom performático e faz perguntas que levantam suspeitas sobre a atuação da corretora: “Como a XP consegue transformar R$ 50 mil em R$ 175 milhões em 9 anos?” ou ainda: “Por que o grupo XP seria excelente para administrar o próprio dinheiro, mas figura entre os piores quando se trata de gerir o dinheiro dos outros, segundo ações judiciais?”
A narrativa destaca principalmente a performance do fundo Gladius, cuja rentabilidade superaria em muito a de grandes bancos brasileiros, graças a operações com o sistema RLP (Retail Liquidity Provider), prática controversa que tem sido alvo de regulação em diversos países.
Criado para melhorar a liquidez e a execução de ordens no varejo, o RLP passou a ser regulamentado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e pela B3 (bolsa de valores) devido a possíveis conflitos de interesse: a corretora pode lucrar mais quando o cliente perde.
O RLP permite à corretora casar internamente as ordens de compra e venda de clientes de varejo antes de oferecê‑las no livro central da B3. O principal benefício é a execução mais rápida e a redução das oscilações de preço, já que as ordens são preenchidas internamente; porém, a corretora tem margem para interferir na operação.
Além disso, a prática só pode ser usada com autorização expressa do investidor — algo que, segundo Penin, não teria ocorrido em todos os casos. O influenciador afirma que, antes da regulação, o RLP teria rendido R$ 117 milhões à XP.
Para ilustrar, o vídeo compara o desempenho do fundo Gladius a fundos similares de bancos como Itaú, Santander e BTG, cujas rentabilidades variaram entre 48% e 115% em nove anos. No mesmo período, o Gladius teria entregado retorno de 34.606%.
“Um investimento de R$ 50 mil nesse fundo teria se transformado em mais de R$ 17 milhões”, afirma Penin. A Grizzly tinha afirmado que esse desempenho “impossível” levanta suspeitas: “Se a estratégia não for fraudulenta, por que outros gigantes não a replicaram?”.
COE: produto controverso
O documentário também aborda a comercialização dos COEs (Certificado de Operações Estruturadas), classificados por Penin como um “produto desenhado para enganar o cliente”.
Na prática, é um produto que combina investimentos e funciona como uma forma de a corretora captar recursos dos clientes, muitas vezes gerando altas comissões para a empresa. Embora ofereça potencial de rentabilidade e proteção parcial, o COE pode favorecer mais a corretora que o investidor.
Segundo o influenciador, nessas operações os vendedores recebem comissões de até 5%, enquanto a margem da XP seria de cerca de 4%, mais 1% de custos — ou seja, 10% do valor investido já estaria comprometido antes mesmo de qualquer rentabilidade. Além disso, a maioria dos COEs não é coberta pelo Fundo Garantidor de Créditos (FGC) e oferece, geralmente, rentabilidade inferior à de títulos públicos.
O documentário sugere que a XP teria classificado como lucro operacional a entrada de caixa gerada com a venda dos COEs, inflando artificialmente o desempenho do fundo Gladius. Entre 2020 e 2024, a corretora teria sacado R$ 27,66 bilhões desses fundos, enquanto seu lucro líquido no período somou R$ 17,52 bilhões.
Influenciador cita supostos casos de churning
Penin ainda destaca supostos casos de churning — prática criminosa que consiste em operações excessivas nas contas dos clientes para gerar comissões. O vídeo apresenta relatos de investidores que alegam ter sofrido prejuízos milionários.
Um deles teria perdido R$ 5 milhões em operações, com corretagens que superaram seu patrimônio; um empresário teria visto evaporar metade dos R$ 10 milhões investidos, sendo R$ 2,1 milhões apenas em taxas; outro relata ter pago R$ 20 milhões em comissões sobre um capital equivalente; e um cliente, Márcio Barbeiro, teria perdido R$ 31 milhões.
Segundo o influenciador, a XP foi condenada judicialmente em pelo menos um desses casos, mas recorreu, argumentando que a decisão “abre precedente ruim para o mercado”.
Penin afirma que, nos processos judiciais, a corretora costuma alegar que os clientes apresentam uma “falsa narrativa”. E que, quando confrontada com evidências documentais, atribui a responsabilidade aos assessores, que atuam como agentes autônomos.
Ex-funcionários ouvidos pelo documentário afirmam que há uma cultura voltada ao lucro a qualquer custo dentro da XP. “Muitos assessores olham só para o próprio bolso e isso vai gerando essa má fama”, diz um. Outro afirma que “toda carteira de cliente tem que ter de 5% a 10% em COE”.
O que diz a XP: corretora rebate acusações e reafirma recurso à Justiça
Procurada pela Gazeta do Povo, a XP enviou nota em que reafirma que o modelo da corretora “é um dos mais sólidos e sustentáveis do país” e configura “uma proposta única aos investidores, com uma das menores alavancagens do mercado e o melhor índice de eficiência dentre as principais instituições financeiras que operam no Brasil”.
A XP afirma que as acusações feitas a ela são falsas: “A tentativa mais recente de fake news contra a XP, no dia 12 de março, veio camuflada de um relatório recheado de informações falsas e distorcidas, assinado por uma casa de análise pequena e desconhecida, com credibilidade duvidosa e envolvida em polêmicas anteriores”.
A Grizzly Research é uma casa de análises financeiras com sede em Nova York suspeita de atuar como “short seller” — estratégia que consiste em identificar problemas em empresas listadas em bolsa, apostar na queda de suas ações e lucrar com a desvalorização.
“Essas casas lucram derrubando os preços das ações e títulos das empresas que supostamente analisam. Em seguida, as informações falsas são impulsionadas através de perfis nas redes sociais que buscam engajamento e cliques a qualquer custo, e logo, entra em campo uma indústria de litígios”, afirma a XP.
A corretora diz que pretende “reagir com energia contra mais essa fake news, com todo um arsenal de medidas legais, como já fez no passado contra esse mesmo tipo de acusação inverídica”.
A XP afirma ainda que já houve “ataques similares, inclusive com tentativas de ações coletivas”, e que obteve êxito em todas as decisões na Justiça americana, sem fazer qualquer acordo.
Sobre os fundos Gladius e Coliseu
Em relação aos fundos citados no documentário, a XP esclarece que são veículos exclusivos da tesouraria da XP Inc., nos quais a própria companhia é a única cotista.
“Eles não captam recursos de clientes, tampouco dependem da entrada de novos participantes para manter suas operações ou compor seu patrimônio líquido e, portanto, sua estrutura de rentabilidade não pode ser comparada com fundos de investimento que são distribuídos abertamente no mercado”, prossegue a nota da XP.
O resultado das suas carteiras, afirma a corretora, se deve a sua participação significativa em diversos segmentos da indústria financeira, tanto de investidores do varejo quanto de clientes corporativos e institucionais.
A corretora também destaca que os fundos contam com administradores e custodiantes autônomos, como a BNY Mellon, e têm suas carteiras regularmente auditadas por auditores independentes especializados, como a PwC, que revisa e certifica as demonstrações financeiras dos fundos.
COE: diversificação dos produtos de investimento
Sobre as operações estruturadas (COEs), a XP diz que elas representam somente 3% dos investimentos sob sua custódia. “Além disso, por ter um preço comparável e em linha a outros ativos de investimento, sua relevância para os resultados da companhia é também similar à sua representatividade em custódia (aproximadamente 3%)”, diz a corretora.
Em 2024, as instituições financeiras brasileiras emitiram aproximadamente R$ 40 bilhões em COEs, e a XP participou com R$ 8,5 bilhões, 23% do total.
A XP afirma que, nos últimos 3 anos, aproximadamente 80% dos clientes que adquiriram COEs tiveram performance acima de 100% do CDI – a rentabilidade média foi de 111% do CDI, segundo a empresa.
De acordo com a corretora, os custos dos COEs são similares a outros produtos compatíveis no mercado e as taxas e condições dos produtos são apresentadas conforme as regulamentações do mercado e em linha com a resolução da CVM.
“A XP segue transformando e inovando o mercado financeiro brasileiro dia após dia, com a missão de oferecer serviços e produtos de qualidade para todos os clientes”, conclui a nota.