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Raptos em massa de crianças na guerra: por que Putin deve ser preso se vier ao Brics no Brasil

O governo brasileiro tem a obrigação legal de prender o presidente russo Vladimir Putin caso ele compareça à reunião da cúpula dos Brics (bloco diplomático formado inicialmente por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) que será realizado no Rio de Janeiro nos próximos dias 6 e 7 de julho. Putin teve um mandado de prisão emitido pelo Tribunal Penal Internacional pelo crime de guerra de sequestro de mais de 19 mil crianças ucranianas, que foram enviadas a orfanatos ou entregues para adoção por famílias estranhas na Rússia.

O TPI afirmou em nota enviada à Gazeta do Povo que Estados-membros como o Brasil têm a obrigação legal de prender autoridades ou pessoas que tenham mandados em aberto expedidos pela corte. A afirmação foi feita sem citar diretamente o nome do ditador.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse no último dia 7 que Putin foi convidado para participar da cúpula e que ele é um “membro nato” do grupo. Lula havia dito em 2023, na Índia, que Putin não correria o risco de ser preso caso viesse ao Brasil para o G20 – que ocorreu no ano passado sem a presença do ditador. Dessa vez, Lula disse que caberá ao russo decidir se virá ao Rio ou não. No ano passado o ditador visitou a Mongólia, que também é signatária do TPI. Mas um assessor do Kremlin afirmou que Putin não viajaria ao Brasil para não ser preso.

Analistas acreditam que o número de crianças raptadas pelos russos pode ser muito superior a 19 mil, pois ele se refere apenas ao ano de 2022. Mas as crianças não são apenas números. Leia abaixo relatos de vítimas dados após seu resgate pela iniciativa Bring Kids Back UA, criada em 2023 por decreto do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, com o objetivo de localizar, resgatar e repatriar crianças ucranianas ilegalmente deportadas pelo regime de Putin à Rússia durante a guerra.

Sashko foi separado da mãe em um campo de filtragem russo e não foi autorizado nem a se despedir

Oleksandr, de 12 anos, (conhecido como Sashko) busca pela mãe desde março de 2023, quando os dois foram separados à força em um campo de filtragem russo na vila de Bezimenne, próximo a Mariupol, uma das primeiras cidades ucranianas invadidas, palco de alguns dos maiores massacres da invasão russa.

“Os russos diziam que minha mãe não me queria, que iam me entregar para uma família adotiva na Rússia. Nem deixaram eu me despedir dela”, conta.

Sashko e Snizhana enfrentavam condições precárias logo após a invasão de larga escala da Rússia à Ucrânia em fevereiro de 2022. Sem água, luz ou gás, como a maior parte da população, tinham que sair de casa para cozinhar na rua em fogueiras. Foi nesse momento em que um bombardeio os atingiu.

“Houve uma explosão, fiquei atordoado e senti algo quente no olho, como se fosse um estilhaço. Gritei para a minha mãe: ‘Dói, meu olho tá queimando!'”, lembra. Eles conseguiram se esconder em uma garagem até o bombardeio parar e depois buscaram ajuda no complexo industrial Illich, onde militares estavam entrincheirados e trataram seu ferimento. Mãe e filho passaram a se refugiar no local, mas a fábrica foi cercada e a munição dos soldados acabou. O local então foi invadidos por tropas russas e os civis foram capturados e levados para um tipo de campo de prisioneiros civis, que os russos chamam de campo de filtragem. “Nos colocaram num caminhão, como se fôssemos animais, e nos levaram para um galpão”, conta. Foi lá que separaram Sashko da mãe.

“Me disseram que eu seria separado da minha mãe e não deram tempo nem de nos despedirmos. Me disseram que eu seria levado para um orfanato e adotado por uma família russa”, contou o menino.

Levado para um hospital em Novoazovsk e depois para Donetsk, o garoto passou um mês isolado até conseguir convencer um homem a usar seu telefone escondido para ligar para a avó. “Liguei rapidinho do banheiro e falei: Vó, me busca, eu estou aqui”. A avó, que também não tinha notícias da filha nem dos netos desde o início da guerra, não pensou duas vezes. “Me diziam: ‘Não vá, pode ser perigoso, você pode ficar presa lá’. E eu respondia: ‘Como não vou? Meu neto tá me esperando, é meu sangue!'”, relata Liudmyla, que estava em território livre da Ucrânia.

Um mês depois, ela conseguiu buscá-lo e cruzar a fronteira de volta para a Ucrânia. Isso é possível em alguns pontos específicos da linha de frente que são usados para trocas de corpos e prisioneiros. “Quando ela chegou, eu só pensava: ‘Será que vão me levar de novo, como fizeram com a mamãe?'”, lembra Sashko. O reencontro foi de lágrimas e alívio, mas a busca pela mãe, Snizhana, continua. “Se o mundo inteiro pudesse me ouvir, eu diria: precisamos acabar logo com essa guerra, para que todas as crianças reencontrem seus pais, e todas as famílias possam se abraçar de novo e viver em paz”, deseja o menino.

O reencontro de Sashko e a família foi marcado pela dor e emoção. Foto: Reprodução Bring Kids Back UA

O jovem Ilya tinha 11 anos quando foi resgatado há pouco mais de um ano, mas tudo aconteceu quando ele tinha apenas nove, ainda em 2022. Ele morava com a mãe e o irmão em Mariupol. “Antes da guerra, tudo era bom. Eu tinha uma boa mãe, uma boa escola, amigos e uma casa. Meu bairro era legal, minha cidade era muito boa”, lembra. Tudo mudou quando começaram as explosões.

Um dia um míssil atingiu a casa da família. Eles sobreviveram, mas sem ter mais onde viver, foram se abrigar na casa de vizinhos. Logo outro bombardeio atingiu o local. “Fui ferido em vários pontos do corpo”, relata. “Minha mãe foi atingida por um estilhaço na testa. Eu percebi que ela estava morta quando o vizinho veio, checou o pulso dela e disse que ela tinha morrido”.

O próprio vizinho teve que enterrar a mãe de Ilya no quintal da casa. “Eles não só mataram minha mãe. Eles não deram nenhuma chance de ela sobreviver. Nem para ela e nem para ninguém em Mariupol”, desabafa.

Ilya ficou por um tempo na casa dos vizinhos até que soldados russos chegaram anunciando uma evacuação. Ele foi levado para Donetsk (cidade ucraniana invadida pela Rússia em 2014), onde passou por várias cirurgias — a primeira, para remover estilhaços, foi feita sem anestesia. “Mesmo ferido, eles tentavam me transformar em uma peça de propaganda”.

“Me obrigaram a aprender russo e até me disseram que eu não devia mais dizer ‘glória à Ucrânia’, mas sim ‘glória à Ucrânia como parte da Rússia”, relata emocionado. Enquanto isso, a avó de Ilya, que estava na Ucrânia, descobriu que ele estava vivo depois que um dos filhos, que mora na Áustria, encontrou um vídeo de propaganda russo mostrando o menino ferido em um hospital.

A avó então começou uma jornada para resgatar o menino e viajou ao território ocupado. Ilya só voltou para a Ucrânia ano passado, extremamente debilitado, sem conseguir andar, com 15 estilhaços no corpo. “Ele perdeu tudo: a escola, a casa, a mãe. Ficou fechado em si, tinha medo de barulhos, das sirenes. Só lembrava dos horrores que viveu com a mãe em Mariupol”, conta a avó.

Hoje, Ilya sonha em se tornar médico de guerra. “Assim como os socorristas que estão na linha de frente. Eles são verdadeiros heróis”, diz.

O garoto Ilya comemora o fato de estar de volta em casa. Foto> Reprodução Bring Kids Back UA

O garoto Ilya comemora o fato de estar de volta em casa. Foto: Reprodução Bring Kids Back UA

Ainda no primeiro ano da guerra, em 2022, Vitaliy, Zhenia, Taya, Dayana e outras duas adolescentes que preferiram não revelar seus nomes foram convocados em suas escolas na província ocupada de Kherson para participar de uma viagem temporária de “reabilitação” à Crimeia, que era uma península balneário e local de turismo frequentado pelos ucranianos antes de ser invadida pela Rússia em 2014.

“Lá não tinha nenhuma condição de vida, zero. Primeiro ficamos no campo chamado ‘Mechta’ e depois nos transferiram para outros, como ‘Druzhba’ e ‘Luchistiy’. Em cada um deles havia quase mil crianças”, lembra. Desde o início, os responsáveis impunham que as crianças abandonassem qualquer vínculo com a própria cultura.

“Diziam pra gente esquecer o ucraniano, que essa língua não existiria mais”, relata. Segundo ele, havia agressões verbais constantes. “Eles falavam: ‘os seus pais não precisam de você, a Ucrânia mata crianças, são terroristas’. Um dos responsáveis chamava todos nós de ‘fascistas’ e até queimou a bandeira da Ucrânia na nossa frente”, conta.

Quem se manifestava ou demonstrava qualquer apoio à Ucrânia era levado ao porão como forma de punição. “Chamavam a gente de burros, diziam que a Ucrânia não precisava da gente. Tinha que ficar em fila todos os dias ouvindo o hino da Rússia. Quem não obedecesse ia pro isolamento. Eu fiquei quatro dias trancado lá no isolamento”, lembra.

O tratamento era humilhante: crianças apanhavam, eram trancadas em quartos enquanto as xingavam e as agrediam com pedaços de pau. Eram obrigadas a limpar os corredores e até a praia, para que os espaços ficassem prontos para as crianças russas, segundo as duas meninas que não quiseram ter os nomes revelados.

“Nos alimentavam como se fôssemos cães. As porções eram mínimas. A sopa era só água com um pedaço de batata e um farelo qualquer”, disse Vitaly.

Depois de comer a gente passava mal, vomitava”, relata uma das adolescentes. Segundo Dayana, as crianças que não se adaptavam. “Nós ficávamos esperando, mas isso nunca acontecia”. O grupo de jovens entrevistados foram mandados à Rússia, mas depois acabaram autorizados assim como outras crianças do centro de reabilitação a retornar para a Ucrânia após seis meses de “russificação”.

Vitaliy relata abusos, humilhação e tortura nas mãos dos russos. Foto: Reprodução Bring Kids Back UA

A iniciativa Bring Kids Back UA atua em quatro frentes: o resgate seguro dessas crianças, sua reintegração com apoio psicológico e social, a responsabilização internacional da Rússia por crimes contra menores e a prevenção de novas deportações por meio de articulação diplomática e fortalecimento de normas jurídicas globais.

A ação tem apoio direto do Vaticano e de governo europeus. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi convidado para participar do esforço pelo chefe de gabinete do governo ucraniano, Andrii Yermak, mas não respondeu ao convite e nem participou da iniciativa.

Até o momento, dos mais de 19.546 jovens oficialmente identificados e declarados sequestrados pela Rússia, 1.366 foram resgatados.

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TPI diz que há motivos para responsabilização direta de Putin nos crimes

As acusações contra o ditador Vladmir Putin se baseiam no Estatuto de Roma, tratado que define os crimes investigados pelo Tribunal. O documento considera crime de guerra a retirada forçada de civis de territórios invadidos e a transferência de população por invasores para esses territórios. A prática era comum na União Soviética comandada pelo ditador Joseph Stalin.

No caso de Putin, o Tribunal afirma haver motivos razoáveis para sua responsabilização direta e de comando pelos crimes, por ter participado das ações ou não ter impedido seus subordinados de cometê-las. Foi identificado que o avião usado por Putin foi usado para transportar parte das crianças.

A decisão foi tomada pela Câmara de Pré-Julgamento II do TPI, com base em investigação da Promotoria. Inicialmente os mandados foram mantidos em sigilo para proteger vítimas e testemunhas, mas a gravidade dos fatos e a continuidade das ações levaram à divulgação pública.

O TPI disse à Gazeta do Povo que depende dos Estados para garantir o cumprimento de suas decisões e essa obrigação não é apenas um dever legal previsto no Estatuto de Roma — tratado que rege o funcionamento da Corte —, “mas também uma responsabilidade com os demais países signatários”.

A Corte destacou que, caso algum Estado tenha dúvidas ou preocupações sobre a cooperação com o tribunal, pode e deve consultá-lo imediatamente. No entanto, o Tribunal Penal Internacional deixou claro que não cabe aos Estados decidirem, por conta própria, sobre a validade ou correção das decisões judiciais emitidas.

O Tribunal citou ainda o artigo 119 do Estatuto de Roma, que determina que qualquer controvérsia relativa às funções judiciais da Corte será resolvida por decisão da própria Corte.

A Gazeta do Povo procurou a Secretaria de Comunicação do Governo e o Ministério das Relações Exteriores, por meio do Itamaraty em busca de mais informações sobre a postura oficial do país em caso de confirmação da estada do ditador no encontro, mas até a publicação da reportagem não obteve retorno.

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Não cumprimento de prisão de Putin no Brasil pode trazer implicações internacionais, avalia especialista

O advogado e doutor em Direito Internacional Luiz Augusto Módolo afirma que, como signatário do Estatuto de Roma, o Brasil tem a obrigação legal de cumprir o mandado de prisão. A eventual omissão brasileira, caso o chefe de Estado russo venha ao país, poderia configurar descumprimento de tratado internacional e gerar consequências jurídicas.

“Em tese, o Brasil deveria cumprir [o mandado]. É signatário do Estatuto de Roma e teve, inclusive, uma juíza integrando a Corte, a senhora Sylvia Steiner”, lembra Módolo. Ele explica que a omissão do país poderia ser levada à Corte Internacional de Justiça (CIJ), órgão das Nações Unidas com sede em Haia que julga controvérsias entre Estados. “O Brasil poderia ser responsabilizado por outro Estado-membro por descumprimento dos deveres assumidos como parte do Estatuto de Roma”, afirma.

Segundo o especialista, as penalizações possíveis vão desde uma condenação de caráter moral até sanções financeiras, embora ainda não existam precedentes de casos como esse levado à Corte. “Mas houve precedentes em que a Corte julgou outras situações envolvendo o descumprimento de tratados penais e processuais, como no caso Avena, entre México e Estados Unidos”, explica.

Essa disputa foi julgada pela Corte Internacional de Justiça em 2004. O México acusou os EUA de não informarem 51 cidadãos mexicanos, presos e condenados à morte, sobre o direito de receber assistência consular, como manda a Convenção de Viena. A Corte decidiu que os EUA violaram esse direito e deveriam revisar os processos desses mexicanos.

Sobre a possibilidade de expulsão do Brasil do TPI, Módolo esclarece que o tratado sequer prevê isso. O que existe é a possibilidade de o Estado se retirar voluntariamente. “Mas qual o sentido de aderir a um tratado internacional para depois ameaçar não o cumprir? Isso representaria um retrocesso institucional”, afirma

Ele também ressalta que, mesmo após uma eventual saída do Estatuto de Roma, o país continuaria obrigado a cumprir decisões emitidas pelo TPI durante o período em que era membro. “O Estatuto não parte do princípio de que um Estado simplesmente deixará de cumprir suas obrigações. É uma questão de compromisso internacional e respeito à ordem jurídica global”.

Para o TPI, a imunidade pessoal de chefes de Estado, geralmente prevista no direito internacional, não é válida para decisões da Corte. Assim, independentemente do cargo ou nacionalidade, os Estados Partes têm o dever de prender e entregar indivíduos contra os quais o tribunal emitiu mandados.

Prisão de Putin no Brasil poderia ser determinada por juiz de primeira instância

Apesar do Brasil ser signatário do Tribunal Penal Internacional, não há uma lei interna para regulamentar o procedimento. Caso o russo venha ao país, sua prisão deveria ser autorizada por um juiz federal de primeira instância, conforme definido em 2020 pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O magistrado teria de decidir, inclusive sobre eventuais pedidos de soltura, com base em analogias e princípios do direito penal e internacional que considerasse aplicáveis ao caso.

Até hoje o Congresso não aprovou uma lei para detalhar como essa e outras medidas de cooperação seriam concretizadas. O TPI, também conhecido como Corte de Haia, define crimes de dimensão internacional, como os crimes de guerra e contra a humanidade, genocídio, apartheid, tortura e desaparecimento forçado.

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Rússia não reconhece o TPI e critica mandado de prisão para Putin

O TPI é um tribunal internacional que atua apenas quando os sistemas judiciais nacionais não querem ou não conseguem agir. A Rússia não reconhece o TPI nem é signatária do Estatuto de Roma — por isso, não tem obrigação legal de entregar seus cidadãos.

No entanto, o Brasil é membro e, em teoria, tem a obrigação de prender e entregar Putin se ele entrar no território nacional. O mesmo vale para outros 122 países que fazem parte do Tribunal.

Apesar de o TPI não ter força policial própria, os mandados têm impacto pela responsabilização individual em crimes de guerra. Para a Rússia, o mandado é uma decisão política e ilegítima. O governo russo rejeita a jurisdição do TPI e critica a medida.

Contra o ditador russo Vladmir Putin, o TPI abriu uma investigação formal em março de 2022 com base em solicitações de 39 países. Além do Tribunal, outras organizações internacionais também estão apurando possíveis crimes de guerra cometidos por Putin na Ucrânia.

Além do sequestro das crianças, a Rússia é acusada pela Ucrânia de mais de 180 mil crimes de guerra. Alguns dos massacres mais graves, com assassinatos aleatórios da população civil por soldados ocorreram nas invasões de Bucha e Irpin, nos arredores da capital Kyiv, nos primeiros momentos da invasão de larga escala de fevereiro de 2022.

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