segunda-feira , 25 agosto 2025
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Quando a briga entre Bolsonaro e Moraes começou

A decisão do ministro Alexandre de Moraes, que impôs prisão domiciliar ao ex-presidente Jair Bolsonaro nesta segunda-feira (4), representa mais do que uma medida cautelar: consolida a escalada de um conflito institucional que se arrasta desde o início do governo Bolsonaro.

Moraes justificou a medida com base no suposto descumprimento de restrições anteriores por parte do ex-mandatário que, desde o dia 18 de julho, usa tornozeleira eletrônica e está proibido de utilizar suas redes sociais ou de terceiros. A prisão domiciliar foi decretada na investigação aberta recentemente por Moraes contra o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), depois estendida ao ex-presidente, em razão da pressão feita junto aos Estados Unidos para sancionar Moraes

Esse embate, no entanto, não começou agora. A tensão entre Bolsonaro e Moraes se consolidou ao longo dos últimos anos, em meio a decisões monocráticas, inquéritos de escopo controverso e uma crescente personalização do conflito.

Um dos principais marcos dessa ruptura institucional foi a suspensão da nomeação de Alexandre Ramagem para o comando da Polícia Federal, em abril de 2020. Ramagem era homem de confiança da família Bolsonaro, e sua indicação foi barrada por Moraes sob a justificativa de preservar a autonomia da corporação — argumento que abriu espaço para uma nova jurisprudência de interferência sobre prerrogativas do Executivo. A reportagem apurou que foi nesse embate político que a relação entre os dois se deteriorou irremediavelmente.

De lá para cá, o que se viu foi um movimento de judicialização política sem precedentes, com Moraes no centro de investigações e decisões que afetaram diretamente o presidente, seus filhos, aliados e até mesmo eleitores. A decretação da prisão domiciliar é o ápice até o momento da crise que está definindo os rumos do Brasil.

Atritos tiveram início com Inquérito das Fake News

Em março de 2019, a relação entre o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e o então presidente Jair Bolsonaro começava a se delinear em meio a um episódio que marcaria os anos seguintes. No dia 14 daquele mês, o então presidente do STF, Dias Toffoli, abriu de ofício um inquérito para investigar supostos ataques contra ministros, vazamentos de investigações tributárias envolvendo parentes de integrantes da Corte e a disseminação de notícias falsas.

Moraes foi escolhido por Toffoli para relatar o caso, em uma apuração considerada controversa pela forma como foi instaurada, sem provocação da Procuradoria-Geral da República. Começava o controverso inquérito das Fake News, que atrai críticas de adversários, que dizem que o processo nunca termina e abarca todo tipo de investigação conveniente a objetivos políticos do STF.

As críticas ao inquérito se intensificaram nos dias seguintes, mas Moraes reagiu com ironia. Em 19 de março de 2019, afirmou que os críticos “podem espernear à vontade”, caçoando que, no direito, esse movimento era conhecido como jus esperniandi.

No mês seguinte, em 16 de abril, a Polícia Federal realizou buscas contra críticos dos ministros do Supremo, seguindo ordens de Moraes. Dois dias depois, em 18 de abril, Bolsonaro fez um gesto público de aproximação ao parabenizar Moraes após o ministro decidir rever a censura imposta a uma revista, decisão que havia gerado críticas ao STF.

Apesar de tensões institucionais que já se acumulavam no ambiente político, Moraes e Bolsonaro mantiveram contatos em ocasiões oficiais ao longo daquele ano. No dia 7 de agosto, Moraes se reuniu com Bolsonaro e Rodrigo Maia, então presidente da Câmara, para discutir o pacote anticrime. Poucos dias depois, em 13 de agosto, a Folha de S.Paulo registrou uma conversa entre Bolsonaro, Moraes, Luís Roberto Barroso e Toffoli durante um evento público. Moraes aparece em uma foto sorridente ao dialogar com o então presidente.

Em outro ponto de tensão, Moraes notificou Bolsonaro em 5 de outubro de 2019 para que explicasse declarações em que atribuía a ONGs a responsabilidade por incêndios na Amazônia. O episódio se tornou mais um entre os vários momentos de embate e aproximação pontual entre o ministro e o presidente, que marcariam a relação de ambos nos anos seguintes.

Moraes freou ações de Bolsonaro na pandemia

O ano de 2020 representou um divisor de águas na consolidação do protagonismo de Alexandre de Moraes como contraponto institucional ao governo de Jair Bolsonaro. Em meio à emergência sanitária provocada pela Covid-19, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) passou a adotar decisões que, na prática, limitaram o alcance de políticas e nomeações do Executivo, inaugurando uma fase de maior interferência do Judiciário em atos da Presidência.

Logo no início da pandemia, em março, Moraes suspendeu trechos de uma medida provisória que restringia o acesso à informação pública durante o estado de calamidade. Pouco depois, em abril, atendeu a um pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e reconheceu a autonomia de governadores e prefeitos para adotar medidas de isolamento social — contrariando a orientação do governo federal, que defendia a flexibilização das restrições.

Mas o gesto que transformou a tensão em ruptura institucional veio semanas depois, com a decisão que impediu a nomeação de Alexandre Ramagem para a direção-geral da Polícia Federal. Ramagem era um homem de confiança da família Bolsonaro, e sua indicação foi vista pelo STF como uma tentativa de fortalecer o controle político sobre a corporação. Ao barrar a nomeação, Moraes justificou sua intervenção com base no princípio da impessoalidade. Assim, ele estabeleceu, de fato, um novo padrão de interferência do STF sobre as prerrogativas do Executivo.

Paralelamente, o ministro expandiu o alcance de investigações que atingiam o entorno do presidente. Em abril de 2020, ele autorizou a abertura do inquérito dos chamados “atos antidemocráticos”, que apurava manifestações contra as instituições e ameaças a ministros da Corte. No mês seguinte, ordenou buscas contra apoiadores de Bolsonaro no âmbito do Inquérito das Fake News, incluindo referências ao “gabinete do ódio”, supostamente instalado no Palácio do Planalto. Em junho, novas diligências atingiram figuras ligadas ao ex-presidente.

As reações do Planalto vieram em tom elevado. Bolsonaro acionou a Advocacia-Geral da União (AGU) para tentar reverter decisões de Moraes e passou a acusá-lo publicamente de extrapolar sua competência. Em uma de suas falas mais duras, chegou a afirmar: “a hora dele vai chegar”, em referência direta ao ministro.

Em meio ao acirramento institucional, Moraes assumiu, em outubro, a relatoria do inquérito que investiga suposta interferência de Bolsonaro na Polícia Federal, após denúncia feita pelo então ministro da Justiça, Sergio Moro. Em dezembro daquele ano, submeteu ao plenário a decisão sobre a obrigatoriedade de depoimento presencial do presidente, elevando o conflito a um novo patamar — em que o chefe do Executivo passou a figurar como alvo direto de investigações conduzidas pela mais alta Corte do país.

Moraes amplia investigações e mira núcleo político de Bolsonaro

Se 2020 consolidou Alexandre de Moraes como protagonista de decisões que contrariavam o Executivo, 2021 marcou o ano em que o ministro transformou esse embate em ofensiva direta contra o entorno político de Jair Bolsonaro. O foco das investigações saiu do campo institucional e passou a atingir figuras próximas ao presidente, inaugurando uma nova fase do confronto: mais personalizada, mais intensa e ainda mais politizada.

A guinada veio com o arquivamento do inquérito dos “atos antidemocráticos”, em julho, e a abertura de uma nova apuração, com escopo ampliado, sobre o funcionamento das chamadas “milícias digitais”. O termo, usado pelo próprio Moraes, englobava comunicadores, ativistas e influenciadores ligados ao bolsonarismo, e permitiu ao ministro ampliar o alcance de medidas cautelares e mandados judiciais. Pouco depois, Bolsonaro foi formalmente incluído no Inquérito das Fake News, após criticar as urnas eletrônicas em uma live transmitida ao vivo. A acusação: desinformação com potencial de abalar a confiança no processo eleitoral.

Em agosto, Moraes abriu novo inquérito — desta vez sobre o vazamento de um documento sigiloso da Polícia Federal, divulgado por Bolsonaro. As ações culminaram na prisão de Roberto Jefferson, aliado histórico do presidente. A resposta veio no mesmo tom: Bolsonaro levou ao Senado um pedido de impeachment contra o ministro, acusando-o de abuso de autoridade e perseguição política. Enquanto isso, a Polícia Federal, sob ordens de Moraes, cumpria mandados contra o cantor Sérgio Reis e o deputado Otoni de Paula, ambos alvos por supostas ameaças ao Supremo.

A tensão institucional explodiu na véspera do 7 de Setembro. Moraes decretou a prisão do caminhoneiro Zé Trovão, um dos organizadores das manifestações pró-Bolsonaro. No dia das celebrações, o presidente discursou para milhares na Avenida Paulista e atacou o ministro diretamente. “Sai, Alexandre de Moraes. Deixa de ser canalha”, disse. A escalada retórica foi tamanha que exigiu uma intervenção: o ex-presidente Michel Temer atuou como articulador de um telefonema entre os dois, em tentativa de distensionar o clima.

Mas a trégua foi apenas aparente. Ainda em outubro, Moraes determinou a prisão e extradição do jornalista Allan dos Santos, acusado de integrar uma rede que o STF classificou como de desinformação bolsonarista. A medida não foi cumprida por negativa da Interpol.

Nos meses seguintes, novos episódios voltaram a acirrar o embate. Moraes abriu um inquérito contra Bolsonaro por associar vacinas à Aids, e cobrou explicações do presidente em ação que tratava de suposta pressão sobre a Anvisa. O embate, cada vez mais pessoal, já não se restringia a aliados. O próprio presidente tornava-se, progressivamente, o alvo central.

Em ano eleitoral, Moraes intensifica cerco judicial a Bolsonaro

O ano eleitoral de 2022 aprofundou o clima de confronto entre o ministro Alexandre de Moraes e Jair Bolsonaro, com o magistrado consolidando seu protagonismo como agente central no processo político. À frente de inquéritos sensíveis no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Moraes promoveu decisões que ampliaram o cerco judicial sobre o presidente, seus aliados e até mesmo sobre a campanha eleitoral.

Logo nos primeiros meses do ano, Moraes passou a integrar processos investigativos distintos, buscando conexões entre episódios anteriores. Em fevereiro, determinou o compartilhamento de provas do inquérito sobre o vazamento de um documento sigiloso da Polícia Federal — divulgado por Bolsonaro em 2021 — com a investigação das chamadas “milícias digitais”. Em maio, decidiu também incorporar ao mesmo inquérito a live de julho de 2021, na qual o presidente questionava a segurança das urnas eletrônicas. O movimento foi interpretado como parte de uma estratégia do ministro para construir uma narrativa de atuação coordenada entre Bolsonaro e aliados contra o sistema eleitoral.

A resposta do Planalto foi política. Em abril, Bolsonaro concedeu indulto ao então deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado pelo STF em um caso relatado por Moraes. A medida foi vista como um desafio direto à Corte e, principalmente, à autoridade do ministro. Dias depois, o presidente ingressou com uma queixa-crime contra Moraes no próprio Supremo e na Procuradoria-Geral da República — uma iniciativa que não avançou, mas evidenciou o clima de embate institucional às vésperas da eleição.

Durante o processo eleitoral, os atritos se intensificaram. Moraes ordenou a retirada de peças publicitárias da campanha de Bolsonaro que associavam o ex-presidente Lula ao tráfico e à criminalidade — decisão que provocou críticas da base bolsonarista quanto aos limites da liberdade de expressão no debate político. O embate se agravou com a denúncia de que rádios teriam deixado de veicular inserções de Bolsonaro no segundo turno. A campanha alegou prejuízo eleitoral, mas Moraes rejeitou o pedido de apuração, classificando os dados como inconsistentes. Ele também determinou uma investigação contra a própria campanha por possível tentativa de tumultuar o processo eleitoral.

Após a derrota nas urnas, o Partido Liberal questionou judicialmente o resultado, apontando supostas falhas em urnas anteriores ao modelo de 2020. A legenda apresentou um relatório técnico de auditoria, mas Moraes não apenas rejeitou o pedido, como aplicou uma multa de R$ 22,9 milhões ao partido por litigância de má-fé. A decisão reforçou a postura punitiva do ministro diante de qualquer contestação ao sistema eleitoral — mesmo quando amparada por documentação técnica.

Moraes segue à frente dos principais inquéritos contra Bolsonaro no STF

Além do inquérito que investiga suposto atentado contra a soberania nacional por parte de Bolsonaro, bem como Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Moraes também concentra a relatoria dos casos mais sensíveis que envolvem o ex-presidente Jair Bolsonaro. Veja abaixo os principais processos sob sua condução — alguns já com desdobramentos recentes:

  • Inquérito das Fake News: investiga coordenadores e articuladores de supostas campanhas de desinformação contra ministros do STF, além de alegada atuação de estrutura conhecida como “gabinete do ódio”.
  • Interferência na Polícia Federal: apura se houve tentativas de controle político da investigação pela Presidência.
  • Milícias digitais: focaliza a estrutura de comunicação que teria sido usada para deslegitimar o Estado Democrático de Direito.
  • Vazamento de dados sigilosos da PF: Bolsonaro divulgou informações secretas sobre ataque hacker ao TSE, o que causou conexão imediata entre os processos.
  • Atos do 7 de Setembro de 2021: análise de mobilizações e discursos que incitaram ataques a ministros, com possível responsabilidade do presidente.
  • Fake news da Aids e vacina: apura a live em que Bolsonaro associou vacinas à Aids sem evidência.
  • Adulteração de cartões de vacina: investigação que resultou no indiciamento pela PF, mas que acaba de ser arquivada por Moraes, após parecer da Procuradoria-Geral da República de que não há provas além da delação do Tenente‑Coronel Mauro Cid.
  • Joias sauditas: inquérito instaurado após apreensão de presentes recebidos por Bolsonaro na Arábia Saudita no exercício do mandato, indiciando Bolsonaro por peculato e lavagem de dinheiro. O Tribunal de Contas da União concluiu que presentes presidenciais não são patrimônio público e a Procuradoria-Geral da República avalia pedido de arquivamento no STF.
  • Golpe de Estado e atentado à democracia: o caso conhecido como “Contragolpe”, que já tornou Bolsonaro réu no STF por crimes relacionados à tentativa de golpe após a derrota eleitoral.
  • Investigação sobre ações de Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos: tenta apurar se o deputado licenciado está pressionando o governo de Donald Trump a aplicar sanções ao Brasil e a ministros do STF. Bolsonaro está preso em casa em decorrência dessa apuração.

A defesa do ex-presidente já tentou retirar Moraes da relatoria, alegando parcialidade, mas o STF formou maioria para mantê-lo nos casos devido à conexão temática entre os inquéritos. O resultado é que o magistrado concentra o epicentro das investigações mais relevantes contra Bolsonaro, com impacto direto em sua condição política e legal.

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