O julgamento da trama golpista pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que começa nesta terça-feira, deverá ser tomado por debates que vão além de declarar se o ex-presidente Jair Bolsonaro e os outros sete réus são culpados ou inocentes.
Algumas das definições poderão alterar de forma relevante os desfechos para cada um dos envolvidos, como o regime de cumprimento de pena, se a sentença for desfavorável aos réus; a perda de direitos políticos; e o tamanho da eventual condenação.
Bolsonaro é acusado de “liderar” uma organização criminosa que se baseava em um “projeto autoritário de poder” e visava dar um golpe de Estado. Ele foi denunciado por cinco crimes: organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima; e deterioração de patrimônio tombado.
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Os advogados afirmam que o ex-presidente é inocente e não compactuou com qualquer tentativa de ruptura democrática. Durante seu interrogatório no STF, em junho, Bolsonaro admitiu que discutiu “alternativas” para a derrota eleitoral de 2022, mas negou a investida golpista. Segundo afirmou na ocasião, o plano não foi adiante e as propostas foram descartadas, pois não havia “clima”, “oportunidade” e “base minimamente sólida para qualquer coisa”.
Absolvição ou condenação?
Na ação, Bolsonaro é acusado de cinco crimes: liderar organização criminosa armada, tentativa de abolir violentamente o Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. Para cada um deles, haverá uma avaliação específica.
— Embora seja um único processo, cada crime é julgado de forma independente. Ou seja, os ministros podem condenar por alguns crimes e absolver por outros. E isso é feito de forma separada para cada acusado. Uma das teses da defesa é que haja essa “absorção” de um crime pelo outro — afirma Thiago Bottino, professor de Direito Processual Penal na Fundação Getúlio Vargas (FGV).
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Essa discussão prévia sobre a absolvição ou condenação por cada um dos crimes, bem como pela possível junção de duas ou mais acusações em uma mesma conduta, será um dos pontos centrais do julgamento. Isso porque afetará diretamente no tamanho da pena.
Uma das alegações feitas pelas defesas gira em torno de dois dos crimes, o de tentativa de abolir violentamente o Estado Democrático de Direito e o de golpe de estado. No Código Penal, eles são tratados como crimes distintos. Contudo, ministros do Supremo, incluindo Luiz Fux, que participará do julgamento, vem defendendo que eles sejam tratados como um só.
No linguajar jurídico, isso será tratado como “absorção” dos crimes, ou seja, como se um crime englobasse o outro. A defesa defende que, com isso, o crime com menor pena máxima entre os dois seja o escolhido — no caso, o de abolição do crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. As defesas alegam que as duas tipificações criminais são semelhantes e que a condenação por ambas poderia configurar uma dupla punição pelo mesmo fato: em outras palavras, seria impossível abolir violentamente o Estado Democrático de Direito sem também praticar o crime de golpe de Estado.
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— O precedente que há é o do julgamento dos manifestantes do 8 de janeiro e o posicionamento majoritário do tribunal é de cumulação das penas. O que ocorre em todos esses casos de manifestantes, quando falam que a pena é muito alta, isso ocorre porque os crimes foram somados. Ao juntar a pena média de cada um deles, eles acabam ficando altos — explica o professor de Direito da FGV, Rubens Glezer.
De acordo com Glezer, outro ponto que deverá fazer parte da definição sobre a condenação ou absolvição nesse caso é a definição do que constitui a “tentativa” de abolir o Estado Democrático de Direito. A acusação precisará provar que os atos praticados por Bolsonaro e outros réus consistem de fato em tentativa e não em mera cogitação.
Dosimetria
Outro ponto que vai impactar no desfecho do julgalmento é a dosimetria da pena, em caso de condenação. De acordo com a legislação penal, o regime de cumprimento da detenção depende necessariamente do tamanho da pena. A soma das penas máximas de todos os crimes a que o ex-presidente responde é de 43 anos de prisão.
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Entretanto, o cálculo não é tão simples. O cálculo da pena, também chamado de “dosimetria” é feito em três fases. Em primeiro lugar, os ministros calculam qual a pena-base, que levará em conta questões como a existência ou não de antecedentes, a culpabilidade dos réus e o motivo do crime. Na segunda fase, a Primeira Turma analisará possíveis agravantes ou atenuantes da conduta de cada um dos réus. Por fim, na terceira fase, são analisadas outras causas especiais que possam justificar aumento ou diminuição da pena.
O regime de cumprimento inicial depende da soma das penas: se a condenação for até quatro anos, o regime é aberto. De quatro a oito, o regime é semiaberto. E para penas maiores de oito anos, o regime é fechado.
Prisão ou não?
Uma eventual condenação por mais oito anos — ou seja, regime fechado — de Bolsonaro deve abrir uma nova discussão na Corte: onde o ex-presidente ficará preso.
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Bolsonaro está em prisão domiciliar desde o início do mês, e a defesa pode requerer que ele continue nesta condição tendo em vista a idade (70 anos) do ex-mandatário e seus problemas de saúde. Desde que foi vítima de uma facada, em 2018, Bolsonaro já se submeteu a sete intervenções cirúrgicas no abdômen. Nas últimas semanas, ele ainda tem enfrentado crises de soluço. Em julho, declarou que “vomitava dez vezes por dia”.
Inelegibilidade
Além da prisão, outra consequência de uma eventual condenação será a inelegibilidade. Desde junho de 2023, Bolsonaro está impedido de disputar eleições em razão de sua condenação pelo Tribunal Superior Eleitoral por crimes cometidos na disputa presidencial de 2022. Entretanto, de acordo com juristas, uma nova pena agravaria essa condição.
A Lei da Ficha Limpa prevê que um político condenado por órgão colegiado — como é o caso da Primeira Turma do STF — fique inelegível inelegível por oito anos, que passam a ser contados após o término do cumprimento da pena.
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Além disso, ele perderia outros direitos políticos: pela legislação brasileira, apenas presos provisórios podem votar — o mesmo ocorreu com o presidente Lula em 2018 que, preso em Curitiba, além de ter sua candidatura indeferida, também não pôde votar na eleição em que Bolsonaro foi vitorioso.