Diante do fracasso nas tentativas de obstrução legislativa para barrar pautas do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a oposição concentrou sua atuação nos últimos dias em uma ofensiva internacional. O objetivo é denunciar o que classifica como abusos do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e manter na pauta do Legislativo o debate sobre a anistia ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e aos presos do 8 de janeiro.
O movimento ganhou visibilidade após declarações do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump. Em entrevista à imprensa nesta quinta-feira (14), Trump afirmou que Bolsonaro é “um homem honesto” e que o processo contra ele por suposta tentativa de golpe é uma “execução política”. O comentário foi explorado por Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que se reuniu com o republicano na véspera, na Casa Branca, ao lado do jornalista Paulo Figueiredo.
“Agora imagine se Jair Bolsonaro for condenado? Qual seria a reação do presidente Donald Trump?”, escreveu Eduardo em seu perfil na rede “X”. E completou: “O mundo todo está vendo um juiz ativista, Alexandre de Moraes, tentando fazer o que ele não consegue nas urnas: derrubar o maior líder político da América Latina.”
No mesmo dia da reunião com Trump, parlamentares de oposição encaminharam uma carta-denúncia a cerca de 80 embaixadas, denunciando supostos abusos de autoridade e o que classificam como avanço do ativismo judicial no país. A movimentação internacional foi reforçada por outra medida simbólica: o anúncio, pelo secretário de Estado americano Marco Rubio, da revogação de vistos de ex-integrantes do Ministério da Saúde do governo Dilma Rousseff (2011–2016), acusados de participação no envio de médicos cubanos a outros países. Entre os atingidos está Mozart Julio Tabosa Sales, que atualmente ocupa cargo no Ministério da Saúde na gestão Lula.
“A medida é também um recado inequívoco: nem ministros, nem burocratas dos escalões inferiores, nem seus familiares estão imunes. Mais cedo ou mais tarde, todos os que contribuírem para sustentar esses regimes responderão pelo que fizeram — e não haverá lugar para se esconder. Seguiremos com nossas agendas em Washington, DC, ao longo da quinta-feira”, afirmou Eduardo, ao comentar a decisão de Rubio.
Declaração de Trump reforça oposição após revés no Congresso
A sinalização de apoio de Trump veio no mesmo dia em que o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), impôs um revés à oposição. Em entrevista ao canal GloboNews, Motta afirmou que não há clima entre os parlamentares para aprovar uma anistia ampla, geral e irrestrita aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro.
A fala de Motta segue-se à ocupação do Congresso Nacional promovida pela oposição nos dias 5 e 6 deste mês. À época, os parlamentares cobravam a votação da anistia, o fim do foro privilegiado e o impeachment de Moraes. Para encerrar a mobilização, Motta teria se comprometido a levar as pautas ao colégio de líderes, uma reunião semanal onde são definidas as prioridades da semana seguinte. A desta semana foi cancelada.
Na avaliação do cientista político Adriano Cerqueira, professor do Ibmec Belo Horizonte, as declarações de Trump funcionam como um estímulo à atuação da oposição no Legislativo. “A oposição, acredito eu, está bem articulada. E à medida que avançam as sanções americanas, faltam espaços de reação para o governo. Nesse cenário envolvendo a obstrução, a fala de Trump serve como um alento e reforça a posição dos parlamentares de oposição dentro do Congresso.”
Ele também avalia que o republicano demonstra atenção constante à política brasileira. “Trump está mostrando que não esqueceu do Brasil. Ou seja, não será mais uma questão meramente tarifária. Quase toda semana sai alguma ação efetiva, como essa do programa Mais Médicos. Vemos que agora as atenções estão voltadas para o governo brasileiro, que antes estavam concentradas no STF.”
EUA devem sancionar mais autoridades brasileiras
Em Brasília, a expectativa é de que os Estados Unidos ampliem a lista de autoridades brasileiras sancionadas, seja por conta do programa Mais Médicos ou da situação jurídica de Bolsonaro. Em entrevista à BBC, Eduardo Bolsonaro sugeriu que os presidentes da Câmara e do Senado, Hugo Motta e Davi Alcolumbre (União-AP), podem estar no radar do Departamento de Estado.
“Assim como muitos enxergam o [ex-presidente do Senado] Rodrigo Pacheco (PSD-MG) como uma peça que protegeu esse regime, se no futuro nada for feito, talvez aí a gente tenha também o Alcolumbre e o Hugo Motta figurando nessa posição”, afirmou.
E acrescentou: “O que eu sei é o seguinte: eles já estão no radar e as autoridades americanas têm uma clara visão do que está acontecendo no Brasil e sabem que, por exemplo, o processo de anistia depende de ser iniciado pela mesa do presidente Hugo Motta.”
Além do ministro Alexandre de Moraes, que já havia sido alvo da Lei Magnitsky, o órgão comandado por Rubio também revogou os vistos dos ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Dias Toffoli, Cristiano Zanin, Flávio Dino, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes.
Cartas a embaixadas expõem estratégia de tensão institucional
O envio de cartas a cerca de 80 embaixadas por parlamentares da oposição é visto por analistas como parte de uma estratégia deliberada de tensionamento institucional. Para o cientista político Thales Castro, da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), o gesto tem peso político e visa internacionalizar o debate sobre supostos abusos de autoridade no Brasil. “Essas cartas são mais um capítulo dessa escalada de tensões”, afirma. Ele lembra que, em democracias maduras, embaixadas representam os Estados, não necessariamente os governos. “Elas não se manifestam diretamente, mas encaminham o conteúdo aos seus centros decisórios”, disse.
Castro avalia que a movimentação insere-se em uma espécie de “guerra declarada, multinível, transversal, em várias frentes”, e alerta para os riscos de agravamento do cenário político. “É agressividade em cima de agressividade. E é o momento de a gente entender que isso não vai acabar bem.” Segundo ele, o Brasil vive um processo acelerado de deterioração institucional. “Viramos uma patologia degenerada. É uma autofagia, uma autocombustão institucional em ritmo muito rápido.”
Já para o analista político Alexandre Bandeira, o envio das cartas pode contribuir para desgastar a imagem do Supremo Tribunal Federal e do governo Lula no exterior, mas tende a ter efeito prático limitado. “É uma panfletagem aleatória. Países como Alemanha e França, que já têm posição definida no jogo global, não devem acolher esse tipo de documento.”
Ele pondera, no entanto, que a iniciativa pode encontrar algum grau de receptividade entre países mais alinhados aos Estados Unidos. “Esse acolhimento seletivo já pode causar certo dano à imagem do Brasil no cenário internacional”, afirma Bandeira.