A instalação da CPI do Crime Organizado no Senado, que acontece nesta terça-feira (4), reacendeu a disputa entre o governo e a oposição pelo controle do debate sobre segurança pública — tema que voltou ao centro da agenda política após a operação policial no Rio de Janeiro que deixou 121 mortos. O Planalto tenta garantir influência na comissão ao articular o nome do senador Fabiano Contarato (PT-ES) para a presidencia. A oposição quer Flávio Bolsonaro (PL-RJ) para expor as fragilidades do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na segurança.
A criação da CPI foi anunciada ainda na semana passada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), um dia após a operação no Rio de Janeiro ganhar destaque nacional. Em publicação nas redes sociais, Alcolumbre afirmou que é preciso “unir as instituições do Estado para enfrentar as facções e milícias que ameaçam o país”.
O colegiado vai investigar a estrutura, expansão e funcionamento do crime organizado, com ênfase na atuação de milícias e facções criminosas. A iniciativa ocorre em um momento em que o Congresso Nacional tem intensificado o debate sobre segurança pública. Câmara e Senado vêm aprovando projetos que endurecem penas e ampliam tipos penais, enquanto o Supremo Tribunal Federal busca impor limites à letalidade policial, por meio da ADPF 635, conhecida como “ADPF das Favelas”.
“Chegou a hora de o Congresso se unir, porque este assunto está acima de partidos. O crime não pode ser fatiado em partidos políticos, e ninguém defende o crime. Não é admissível que um parlamentar, aqui ou fora, estadual ou municipal, venha defender o crime organizado ou a violência”, defendeu o senador Eduardo Girão (Novo-CE), que será suplente na CPI.
Integrante da oposição, o senador Marcos do Val (Podemos-ES) afirmou que a CPI marcará um divisor de águas no combate ao crime organizado e nas responsabilidades do Estado. “A CPI do Crime Organizado não será palco de discursos vazios: será o campo de batalha da verdade. O Brasil está prestes a testemunhar a queda das máscaras e o início de uma nova era de transparência e justiça real”, declarou o parlamentar.
Oposição tenta emplacar Flávio Bolsonaro como presidente da CPI do Crime Organizado
Nos bastidores, líderes do PL trabalharam ao longo do fim de semana para consolidar o nome do senador Flávio Bolsonaro como presidente da CPI do Crime Organizado. A articulação é coordenada pelo líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), que fez pessoalmente ligações a senadores do Centrão e de partidos independentes em busca de apoio.
A ofensiva do PL repete o movimento que levou, em agosto, à implosão do acordo para o comando da CPMI do INSS. Na ocasião, os senadores Omar Aziz (PSD-AM) e o deputado Ricardo Ayres (Republicanos-TO) haviam sido indicados, em consenso entre Hugo Motta (Republicanos-PB) e Davi Alcolumbre, mas a oposição articulou uma reviravolta de última hora e conseguiu emplacar Carlos Viana (Podemos-MG) e Alfredo Gaspar (União-AL) como presidente e relator.
Embora a eleição das comissões parlamentares de inquérito costume ser simbólica — já que os líderes indicam os nomes e a Mesa apenas oficializa —, o cenário atual indica disputa real pelo comando do colegiado. A eventual vitória de Flávio Bolsonaro consolidaria o domínio oposicionista sobre a CPI e ampliaria o desgaste do Planalto em um tema historicamente sensível para o governo.
“Estamos trabalhando e pleiteando para termos a presidência da CPI. Os senadores Flávio Bolsonaro, Hamilton Mourão, Magno Malta e Sergio Moro são nomes que têm conhecimento profundo do assunto”, disse o senador Carlos Portinho (RJ), líder do PL no Senado.
A CPI terá 11 integrantes e sete suplentes. Até o momento, 10 indicações já foram confirmadas. Resta ainda a indicação referente à vaga destinada ao bloco formado pelos partidos PP e Republicanos, o que pode ampliar a margem de votos da oposição e consolidar sua maioria no colegiado.
Planalto teme desgaste e aposta em relatoria de Alessandro Vieira para conter a oposição
A principal preocupação no governo é que a oposição consiga dominar o Congresso com a pauta da segurança pública — um tema historicamente favorável à direita — e ofusque as agendas positivas do Planalto, como a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, a jornada 6×1 e a tarifa zero no transporte público.
Sob reserva, senadores da base admitem que, se o governo for forçado a concentrar sua narrativa na segurança pública, tende a perder o debate, ao ter de equilibrar o discurso de direitos humanos com a cobrança por resultados concretos no combate ao crime. Nesse cenário, a CPI se desenha como um novo teste de força política entre o Planalto e seus adversários — com impacto direto nas articulações para as eleições de 2026.
Para tentar conter a oposição, o Planalto aposta na relatoria de Alessandro Vieira (MDB-SE). Apontado por seus pares como um nome independente, o senador é visto pelos integrantes do PT como uma oportunidade de reduzir o tom da disputa e dar à comissão um caráter técnico, com foco em propostas concretas de combate ao crime. Vieira, por sua vez, tem defendido que a CPI busque um “consenso nacional” sobre segurança pública e se afaste da polarização ideológica.
“A expectativa é de que a CPI consiga fazer um diagnóstico completo do funcionamento de facções e milícias no território nacional, que consiga apontar como elas atuam, as fontes de financiamento, rotas. Também aponte com clareza a técnica, quais são as ações que são adotadas no momento nos estados para combate ao crime, o que funciona, o que não funciona”, declarou Vieira.
Para se contrapor ao nome de Flávio Bolsonaro na presidência, o governo trabalha com as candidaturas dos senadores Jaques Wagner (PT-BA) ou Fabiano Contarato (PT-ES). Na semana passada, após a operação do Rio de Janeiro, Jaques Wagner, que é líder governista no Senado, criticou o que chamou de “exploração política de tragédias”.
“Quem quer faturar politicamente em cima do que aconteceu no Rio está no caminho errado. Nós temos que dar as mãos porque a questão da segurança é um problema mundial. Acho que temos que tratar desse assunto com a seriedade que ele merece”, disse o petista à Rádio Band.
Para o cientista político Márcio Coimbra, presidente do Instituto Monitor da Democracia, o crime organizado deixou de ser apenas um problema de segurança pública e se tornou uma questão de integridade do Estado.
“O conceito de crime organizado transcende em muito aquele já conhecido como ilícito comum. Estamos falando de um conglomerado infiltrado nas instituições públicas, com gestão corporativa, que sistematicamente corrompe e coopta o Estado para garantir a impunidade e expandir seus impérios. Esta não é uma teoria conspiratória. É a prática documentada de facções como o PCC e o Comando Vermelho, que hoje controlam cadeias inteiras do poder público”, afirmou Coimbra.
Segundo ele, a infiltração “é a nova arma, eficaz e silenciosa”, e o país enfrenta uma guerra assimétrica, na qual o Estado reage “à superfície do problema”, mas perde “a guerra silenciosa nos corredores do poder e no campo econômico”.
“Enquanto não houver uma estratégia nacional, unindo inteligência, investigação financeira, combate implacável à lavagem de dinheiro e, sobretudo, a desinfecção da máquina pública cooptada por essas milícias e facções, estaremos apenas enxugando gelo. O Brasil está caminhando a passos largos para se tornar o que o Rio já é: a tradução de um Estado falido”, concluiu.
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