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Operação no Rio de Janeiro expõe poderio bélico e organização das facções criminosas

A operação policial de 28 de outubro nos Complexos do Alemão e da Penha contra o Comando Vermelho (CV) resultou em um conflito armado de proporções sem precedentes que gerou 121 mortes — quatro delas de policiais. Cerca de 15 anos antes, em 2010, quando o “quartel-general” do CV foi tomado pela polícia e pelas Forças Armadas em uma ocupação que duraria dois anos, os criminosos fugiram sem resistir.

O que fez com que dessa vez os criminosos buscassem o confronto armado? Analistas ouvidos pela reportagem apontam causas: maior disponibilidade de armamentos e a suspensão de operações da polícia nos morros por anos determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Segundo o delegado da Polícia Federal (PF) Marco Smith, especialista em investigação de facções, os criminosos acreditaram que tinham poder de fogo suficiente para repelir a polícia. Entre as armas estavam drones, granadas e uma grande quantidade de fuzis de assalto.

Smith lembrou que o contexto desta operação é distinto do que ocorreu em 2010, quando as forças de segurança ocuparam comunidades cariocas para a retomada de territórios e a instalação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Naquele momento, muitos traficantes preferiram fugir, já que a operação havia sido amplamente anunciada e contava com a presença de blindados e apoio das Forças Armadas.

Quinze anos depois, em 2025, sem a presença permanente e com as estruturas das UPPs desmobilizadas, as facções se reorganizaram e voltaram a controlar territórios. “Desta vez, eles optaram pelo confronto direto e contaram com o efeito surpresa da operação, não sabiam que ela ocorreria, então foram para o combate”, destacou o delegado.

O ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais (Bope) do Rio de Janeiro, Paulo Storani apontou que a diferença entre as operações de 2010 e 2025 também se reforça pelas restrições impostas pela Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, conhecida como “ADPF das Favelas”. A decisão do Supremo Tribunal Federal limitou ações policiais durante a pandemia de Covid-19 se mantendo por cinco anos e, segundo ele, acabou permitindo que as facções se reestruturassem.

“Essas restrições deram tempo para que o crime organizado se reorganizasse, ampliasse seu poder de fogo e testasse os limites da polícia”, avaliou. Nesse período, o CV se armou principalmente para expandir seu domínio territorial e se proteger de investidas da principal facção rival, o TCP.

Storani classificou a operação de 28 outubro como resultado de um acúmulo de decisões e omissões ao longo dos anos, destacando que as incursões policiais, embora necessárias, não resolvem as causas estruturais da criminalidade.

Ele reforçou que outro fator foi preponderante para o enfrentamento dos criminosos às forças de segurança. “Enquanto um grupo vai para a linha de combate, outro foge com armas, munições e drogas e dá suporte para que foragidos da justiça escondidos naquela região possam fugir”.

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Arsenal do crime tem fuzis de assalto AR-15 e Kalashikov

A operação no Rio de Janeiro também resultou em uma das maiores apreensões de armas dos últimos anos na cidade. A Polícia Militar exibiu um arsenal de guerra apreendido. Entre elas estão fuzis do tipo AR‑15, de calibre 5,56, de fabricação americana e Kalashikovs de calibre 7,62, fabricados pela Rússia . A maioria dessas armas pode atingir alvos com precisão a 600 ou 800 metros de distância, perfurar as paredes das casas, mesmo de alvenaria, e são tão potentes que podem podem causar a morte de pessoas mesmo que órgãos vitais não sejam atingidos.

“Parte das armas tem características visuais de modelos AK-47 e AKM, de fabricação russa, além de rifles semelhantes às plataformas AR-15 e M4, utilizadas em exércitos da Otan [aliança militar ocidental]”, explica Smith. Alguns fuzis encontrados são apelidados de frankenstein, por não terem fabricante específico se serem montados no Rio a partir de peças contrabandeadas separadamente.

Para o delegado, o tipo de armamento indica o alto grau de organização e o poder econômico das facções, já que cada fuzil pode custar de R$ 30 mil e R$ 80 mil no mercado ilegal.

Para o cientista político e especialista em Segurança Pública Marcelo Almeida, “o volume e a diversidade das armas indicam que as facções já não operam apenas como grupos criminosos locais, mas como forças paramilitares terroristas com estrutura de guerra”.

Para Paulo Storiani, só se vê uma quantidade de armas como essa em cenários declarados de guerra.

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Fuzis .50 são capazes de perfurar blindados

Os especialistas lembram ainda que há evidências de que a facção criminosa tenha em seu arsenal fuzis .50 tipo Barrett, uma arma de grande porte criada para atingir materiais, não apenas pessoas. Dispara um cartucho de altíssima energia, capaz de perfurar painéis blindados, motores, contêineres, antenas e equipamentos eletrônicos a longas distâncias. Não há indícios de que esse armamento tenha sido usado no conflito desta semana.

Essas armas exigem treinamento especializado para a operação, pesam de 10 a 15 kg, têm alcance efetivo de cerca de mil a 1,8 mil metros, e são comumente usadas por forças militares e unidades especiais para neutralizar veículos leves, sistemas sensíveis e pontos de observação. “O crime organizado se profissionalizou e esse produto está nas mãos das facções”, avalia o investigador aposentado das forças federais de segurança Sérgio Gomes.

Para os especialistas, o Barrett simboliza a evolução do crime em termos de treinamento, equipamentos e poderio financeiro, e se trata de um arsenal que eleva drasticamente o risco para as forças de segurança em confrontos. Blindados como o Caveirão são vulneráveis a esses disparos.

Um mesmo fuzil pode ser ajustado para confrontos de perto ou longe, dependendo da mira e do acessório utilizado nele. “Isso significa que confrontos podem ser rápidos e próximos ou atingir alvos a centenas de metros e se estender por horas, tornando a situação ainda mais crítica como a vista nesta semana”, destaca Gomes.

Fuzil Barrett .50 com elevado poder de destruição e capacidade de perfurar blindados (Foto: Reprodução/Lucas Silveira/Instituto Defesa )

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Facções teriam mais de 56 mil criminosos e colaboradores no Rio

O ex-capitão do Bope Paulo Storani fez um diagnóstico sobre o aumento de contingente e o poder de fogo das organizações criminosas no Rio de Janeiro e as consequências dos cinco anos de limitações impostas às operações policiais. Ele cruzou números oficiais e observações de campo para mostrar por que a atual escalada de violência é um efeito previsível — e evitável apenas com políticas mais amplas do que ações pontuais.

Ele citou dados do serviço de inteligência da Secretaria de Estado da Segurança Pública do Rio de Janeiro encaminhados pelo governo do estado ao STF no contexto da ADPF 635: o Rio tem 1.413 favelas, das quais cerca de 90% estariam sob domínio de alguma organização criminosa — na maioria facções e milícias. Segundo o levantamento, há uma média estimada de 40 envolvidos por comunidade e assim, o relatório estimou que existem cerca de 56.500 criminosos diretamente ligados ao narcotráfico e à milícia no estado. Nem todos eles pegam em armas contra a polícia, pois a maioria das funções no crime organizado são comerciais, logísticas e administrativas.

“Acredita-se então que são cerca de 28 mil homens efetivamente em serviço em turnos de 12 horas, sete dias por semana”, explicou. Desses, avaliou o ex-oficial, uma parte está armada com fuzis, ocupando posições de contenção ou patrulha nas ruas; pistolas e armas de cano curto seriam mais comuns em funções de menor exposição.

A partir dessa conta e pela experiência tática em operações no Rio de Janeiro, Storani fez outra estimativa alarmante: a possibilidade de haver algo em torno de 26 mil fuzis nas mãos dos criminosos somente no Rio de Janeiro. O cálculo, segundo ele, geraria uma conclusão óbvia e preocupante. “Com a média de apreensão do último ano, cerca de 650 a 700 fuzis, seriam necessárias quatro décadas para retirar do circuito as armas estimadas hoje, e isso sem considerar a reposição”, alerta.

“Quando esses criminosos tomam a decisão de resistir, com arma de guerra, os resultados são de guerra”, completou. Não se pode precisar quantos criminosos do Comando Vermelho foram para o enfrentamento direto com os 2.500 policiais que participaram da operação. Storani estima que o número seja entre 300 a 400 homens. Desses, 117 suspeitos foram mortos e cerca de 80 acabaram presos.

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Granadas são usadas em grande quantidade e apontam que criminosos têm arsenal mais poderoso

Segundo investigações de diferentes forças de segurança, há suspeitas de que as organizações criminosas brasileiras fabricam parte das granadas artesanais e adaptam lançadores, inclusive com drones rudimentares, como fez o Comando Vermelho na operação desta semana. Os drones são preparados para lançá-las contra as forças de segurança, provocando explosões, ferimentos, destruição e mortes.

Paulo Storani avaliou que a fabricação artesanal de granadas não é a regra e algo bastante trabalhoso.

“É muito difícil, mas não é impossível que as fabriquem, porém, não acredito que as usadas no confronto sejam artesanais”, reforça.

O uso de granadas de mão pelos traficantes é por sí só um indício de melhoria em seu arsenal. O investigador aposentado das forças federais de segurança, Sergio Gomes, explica que, tecnicamente, as granadas se dividem em ofensivas (concussivas — projetadas para dano por onda de choque em espaços confinados, com menor dispersão de fragmentos) e defensivas (fragmentação — projetadas para espalhar estilhaços e causar maior mortalidade em área aberta).

As ofensivas são usadas em assaltos e entradas forçadas, enquanto as defensivas são usadas em defesa de posição – o que foi registrado no Rio de Janeiro nesta semana.

No Brasil, forças de segurança (Exército, Polícia Militar e unidades especializadas) empregam granadas militares padronizadas em treinamentos e, em situações excepcionais, também em operações, mas sempre com controle e protocolos. Porém, costumeiramente são usadas granadas ofensivas. “Já criminosos têm recorrido a granadas defensivas, que possuem maior poder de destruição”, completa o investigador.

Drone usado pelo Coando Vermelho para arremessar granadas contra policiais. (Foto: Reprodução/Instagram)

O drone lançador de granadas é usado pelo Comando Vermelho

Na megaoperação que marcou o dia 28 de outubro, o uso de drones pelo Comando Vermelho para lançar granadas contra forças policiais chamou atenção para uma etapa do confronto entre facções e Estado. A adoção dessa tecnologia por grupos criminosos é, segundo especialistas, natural, como uma “evolução tática” que muda a dinâmica das ações policiais em áreas urbanas.

Os drones se destacam por sua facilidade de uso e elevado custo-benefício. Não há, no cenário apresentado, outro equipamento recente que ofereça o mesmo equilíbrio entre acessibilidade e eficiência operativa, o que explica sua rápida incorporação ao repertório das facções. Além do emprego ofensivo para lançar artefatos, os aparelhos funcionam como instrumento de vigilância e defesa: fiscalizam domínios controlados e servem, sobretudo, para impedir ou atrasar ações policiais. O equipamento é qualificado por especialistas como ideal para esse tipo de finalidade defensiva.

“O objetivo nem sempre é a precisão cirúrgica. O arremesso de bombas ou granadas por drones tem, como efeito prático, a perturbação da manobra policial: o lançamento dos artefatos atrapalha a estratégia de avanço das forças de segurança, obrigando a reações imediatas que comprometem a coordenação da operação”, lembra Sérgio Gomes. O impacto mais direto dessa tática é a dispersão das forças no terreno. Ao forçar policiais a se abrigar ou a fragmentar sua atuação, os lançamentos dificultam tanto o avanço quanto a defesa individual, reduzindo a eficácia da operação em áreas conflagradas.

Outro desafio é a ampla disponibilidade de modelos civis e a capacidade de adaptação desses equipamentos. “Drones não militares, de fácil aquisição, como parece ser o do Comando Vermelho, podem ser empregados com carga suficiente para transportar granadas, e há ainda possibilidades de customização a partir de componentes comerciais. Essa combinação de acessibilidade e modularidade torna mais difícil para as autoridades controlar o fluxo e o uso desses aparelhos em operações criminosas”, reforça o investigador.

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