O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta terça-feira (10) o julgamento sobre o suposto plano de golpe de Estado envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros 30 réus. Na sequência dos depoimentos, a Corte ouviu Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do Distrito Federal durante os ataques de 8 de Janeiro de 2023.
Torres, que permaneceu preso por quatro meses após os ataques às sedes dos Três Poderes, manteve a estratégia de se distanciar de qualquer narrativa golpista, negando ter participado de articulações para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
“Minuta do golpe” foi levada para casa “para ser destruída”
Um dos momentos mais aguardados do depoimento foi a explicação de Torres sobre a chamada “minuta do golpe”, documento encontrado em sua residência que esboçava decretos para anular as eleições de 2022.
“Foi deixada em minha mesa e foi parar em casa”, afirmou o ex-ministro, alegando que recebia um grande volume de documentos e minutas diariamente. Torres sustentou que o documento foi levado para sua residência para ser destruído, mas não se recordou de quem lhe enviou o texto.
A justificativa foi recebida com ceticismo pelos ministros, considerando a relevância do documento para a investigação e o fato de ter sido preservado em vez de destruído, como alegado pelo ex-ministro.
Blitz da PRF e mapeamento de redutos eleitorais de Lula
Torres também negou conhecer Clebson Ferreira de Paula Vieira, analista de inteligência do Ministério da Justiça que teria feito um levantamento dos locais com mais votos em Lula no primeiro turno das eleições de 2022.
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Segundo as investigações, esse mapeamento teria embasado ordens de Marília de Alencar, então diretora de inteligência do ministério, para que a Polícia Rodoviária Federal (PRF) obstruísse o trânsito em regiões com forte potencial de votos para o petista no segundo turno.
“Não conheço esse funcionário e nunca me reuni com ele”, afirmou Torres, tentando se distanciar da operação que, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), resultou em centenas de blitz concentradas principalmente no Nordeste, região onde Lula teve ampla vantagem no primeiro turno.
Viagem aos EUA dois dias antes dos ataques
Um dos pontos mais questionados pelos ministros foi a decisão de Torres de viajar aos Estados Unidos dois dias antes dos atos de 8 de janeiro, justamente quando era o responsável pela segurança do Distrito Federal.
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“Comprei as passagens aos EUA em novembro de 2022”, afirmou o ex-ministro, tentando afastar a suspeita de que teria deixado o país para se esquivar de responsabilidades. Torres alegou que suas férias já haviam sido adiadas e que a viagem era uma promessa às suas filhas.
Segundo o ex-secretário, sua equipe não relatou problemas em mensagens enviadas a ele na véspera das manifestações violentas. Torres havia acabado de ler, em detalhes, o plano de segurança que estaria em vigor na posse de Lula, em 1º de janeiro de 2023.
Pressionado, o ex-ministro lamentou que o planejamento não tenha sido cumprido e classificou os atos do 8 de janeiro como “inimagináveis”. Moraes rebateu imediatamente: “Nada do protocolo foi respeitado em 8 de janeiro”.
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“Foi uma brincadeira dela” sobre “meter o 22”
Torres também foi questionado sobre uma mensagem enviada pela delegada da Polícia Federal Marília de Alencar em 20 de outubro de 2022. Na comunicação, feita em um grupo fechado, a policial insinuava que o então ministro da Justiça estaria disposto a interferir nas eleições, dizendo que ele “meteu o 22” — número de urna de Bolsonaro.
“Foi uma brincadeira dela”, defendeu-se Torres, tentando minimizar o episódio. Marília de Alencar também é investigada na trama golpista e é apontada como uma das responsáveis pelos bloqueios da Polícia Rodoviária Federal no dia da eleição, que teriam prejudicado o deslocamento de eleitores em áreas com forte apoio a Lula.
Live sobre urnas eletrônicas
Em seu depoimento, o ex-ministro confirmou ter sido convocado por Bolsonaro para participar de uma transmissão ao vivo sobre as urnas eletrônicas em 2022, quando ainda comandava o Ministério da Justiça.
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Torres alegou, no entanto, que não possuía conhecimento técnico sobre o assunto e que se limitou a ler relatórios produzidos por sua equipe sobre o sistema eleitoral. “Não temos nada que aponte fraude nas urnas”, afirmou categoricamente.
O ex-ministro manteve a versão apresentada anteriormente em depoimento à Polícia Federal, sustentando que os relatórios recebidos por ele apenas sugeriam melhorias à segurança dos dispositivos eleitorais, sem questionar a integridade do processo.
“Todos vão se f*” se Bolsonaro perder
Um dos momentos mais tensos do interrogatório ocorreu quando Torres foi questionado sobre sua fala em uma reunião ministerial, na qual teria dito que “todos vão se f*” caso Bolsonaro perdesse as eleições.
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“Faltei com a polidez”, reconheceu o ex-ministro, tentando minimizar o impacto de suas palavras. “O que queria era pedir empenho a todos”, justificou, afirmando que estava apenas preocupado com a continuidade dos programas de governo instituídos na gestão bolsonarista.
Contradições apontadas por Moraes
O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, confrontou Torres sobre declarações feitas em reunião ministerial em julho de 2022, na qual o então ministro da Justiça manifestou preocupações com a segurança das urnas e citou a live de que havia participado com Bolsonaro.
Moraes destacou que a narrativa golpista sobre fraudes nas eleições envolve um inquérito da Polícia Federal citado pelo ex-presidente na transmissão, colocando em xeque a afirmação de Torres de que “nunca questionou a lisura do processo eleitoral”.
“Nunca questionei a lisura do processo eleitoral”, insistiu Torres, em aparente contradição com suas próprias declarações anteriores e com sua participação na estratégia de comunicação do governo Bolsonaro sobre o tema.
Próximos depoimentos
Após Torres, serão ouvidos, por ordem alfabética: Augusto Heleno, ex-ministro-chefe do GSI; Jair Bolsonaro, ex-presidente da República; Paulo Sergio Nogueira, ex-ministro da Defesa; e Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro em 2022.
O depoimento de Bolsonaro é aguardado como um dos momentos mais importantes do julgamento, especialmente após as revelações feitas pelo tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência, que confirmou o envolvimento direto do ex-presidente na elaboração de documentos para embasar um golpe de Estado.