O ministro Alexandre de Moraes, que foi designado no Supremo Tribunal Federal (STF) para averiguar a atuação das polícias do Rio de Janeiro na operação da semana passada contra o Comando Vermelho, havia se posicionado de modo favorável às polícias no julgamento da ADPF das Favelas, na qual a Corte impôs regras para as operações.
O ministro assumiu a relatoria da ação no STF na semana passada. O relator original, Edson Fachin, deixou a função em setembro, ao assumir a presidência da Corte.
Após a Operação Contenção, entidades que atuam no processo requisitaram informações sobre a atuação da polícia. Na quarta-feira (29), Moraes exigiu informações detalhadas do governador Claudio Castro sobre a operação, marcou uma audiência com ele e autoridades da Segurança Pública do RJ para a manhã desta segunda (3) e com os chefes do Judiciário, Ministério Público e Defensoria, à tarde.
A prestação de informações sobre as operações foi determinada pelo próprio STF no julgamento da ADPF das Favelas, cujo objetivo era reduzir a letalidade da polícia nas incursões. A medida foi aprovada para que o Ministério Público, órgão fiscalizador, verifique a eventual ocorrência de abusos ou desvios.
Pesquisas recentes mostram um grande apoio da população do Rio de Janeiro a operações da polícia contra o crime organizado. A mais nova, divulgada pela Genial/Quaest no último sábado (1), mostra que 73% dos entrevistados são favoráveis à realização de mais operações e 64% apoiam ação da polícia que ocorreu no dia 28, nos complexos de favelas do Alemão e da Penha. O levantamento ouviu 1.500 pessoas entre os dias 30 e 31 de outubro, com margem de erro de 3 pontos percentuais e nível de confiança de 95%.
Como novo relator, caberá também a Moraes averiguar a atuação da polícia. Uma pista sobre como Moraes avaliará a operação pode ser inferida de seu posicionamento durante os mais de cinco anos de tramitação da ação: ele defendeu ações policiais no combate às facções e milícias que dominam extensos territórios em morros e favelas do Rio.
Ao longo das discussões no plenário, que começaram em 2020, Moraes fez diversos contrapontos ao relator original, Edson Fachin, cujos votos e posições tendiam a complicar o trabalho da polícia. Moraes convenceu os demais ministros a reduzir uma série de exigências, proibições e condições que Fachin queria impor às polícias do RJ, muitas delas propostas pelo PSB, autor da ação, e ONGs de direitos humanos.
Em 2020, quando Fachin suspendeu as operações no estado, Moraes votou contra, junto a Luiz Fux. “A ausência de atuação policial durante período indeterminado, em que pese existir previsão de exceções, gerará riscos à segurança pública de toda a sociedade do Rio de Janeiro”, escreveu. A maioria, porém, aprovou a suspensão.
Nesse julgamento, em meados de 2020, Fachin também obteve adesão da maioria para restringir o uso de helicópteros nas operações “aos casos de estrita necessidade”. Era uma concessão, em parte, a um apelo das ONGs, que queriam proibi-los, queixando-se da polícia por usá-los como “plataformas de tiro ou instrumentos de terror”. Nos anos seguintes, por influência de Moraes, a restrição acabou caindo, bastando que a polícia justificasse o uso da aeronave.
No processo, o governo do estado demonstrou o elevado poder de dissuasão do helicóptero e sua eficiência: os policiais localizam melhor os criminosos e disparam para baixo, mirando-os com mais precisão. O confronto se torna mais vertical e menos horizontal, o que protege a população ao redor.
Havia também uma discussão acerca da possibilidade de atuação da polícia perto de escolas e hospitais durante as operações. As ONGs queriam vetar a presença da polícia nesses locais, especialmente para montar bases nas incursões. Moraes votou contra e permitiu o uso. “A partir do momento em que se veda isso ou se restringe, as milícias e o tráfico utilizarão essas áreas para realizar o crime”, disse o ministro.
Outra controvérsia surgiu, ainda em 2020, acerca das condições para o uso de armas de fogo nas incursões pela polícia. Fachin votou para que as polícias só usassem armas em “casos extremos”, somente se armas não letais não fossem suficientes, desde que servissem para proteger a vida ou prevenir um dano sério e em decorrência de “ameaça concreta e iminente”.
Moraes se posicionou contra e, numa decisão colegiada de 2022, o STF aprovou sua proposta de deixar exclusivamente a cargo da polícia, sem a imposição prévia de regras genéricas pelo Judiciário, a avaliação do que fazer e como usar as armas em cada situação concreta durante uma operação policial nos morros cariocas.
“Em operações policiais realizadas no contexto de combate à criminalidade – com a presença de milícias e narcotraficantes –, lidamos com um ambiente instável, em que normalmente as forças de segurança pública necessitam subir o morro para acessar o bairro, cuja disposição geográfica privilegia quem está em cima – o criminoso – em evidente desvantagem à atuação policial e incremento de risco à sua própria segurança e à efetividade da operação como um todo”, disse Moraes na ocasião.
Em abril deste ano, ele defendeu o uso de armamento pesado nas incursões. “Em qualquer operação contra milícias, contra o tráfico de drogas, parece-me óbvio que o armamento a ser utilizado é o armamento mais pesado possível que a polícia tenha.”
Em 2022, atendendo a um pedido das ONGs, Fachin queria tornar públicos os protocolos que a polícia seguia nas operações. Essa medida foi derrubada com o voto de Moraes, que argumentou que o sigilo era fundamental para o sucesso das operações – se os criminosos soubessem da estratégia que seria usada, poderiam facilmente escapar ou mesmo armar emboscadas para os policiais.
A eventual abertura dos protocolos, argumentou Moraes, “possui uma inegável aptidão para exponenciar os riscos de insucesso de diversas operações, potencializando, também, os riscos a que estão expostas diversas vidas humanas”. Os protocolos deveriam ser mantidos em sigilo, segundo ele, para proteger a vida e a integridade física dos policiais, “os verdadeiros instrumentos de atuação estatal em defesa da sociedade”.
Ainda em 2022, formou-se uma polêmica sobre as condições para o ingresso de policiais em domicílios de moradores de favelas sem mandado judicial. Fachin queria proibir que essas diligências – executadas para prender criminosos escondidos ou apreender armas ilegais – fossem realizadas apenas com base em denúncias anônimas.
“Essas denúncias podem ser extremamente relevantes, bem fundamentadas e, muitas vezes, ser a única forma possível de levar conhecimento de fatos criminosos aos órgãos de segurança a tempo de permitir a intervenção”, afirmou Moraes em abril deste ano, no julgamento final da ação, de mérito, ao reiterar sua posição.
Moraes defendeu limites à atuação do Judiciário na atividade das polícias
Nas discussões em plenário, Moraes também criticou propostas para forçar o Judiciário a interferir nas políticas de segurança pública dos estados e a impor regras genéricas na atividade policial. Argumentou que isso não apenas afrontaria a separação de Poderes, invadindo a esfera do Executivo, mas também poderia prejudicar o combate ao crime.
Ele reconheceu que há “incapacidade institucional do Poder Judiciário em estabelecer diretrizes técnicas para a atuação dos órgãos de segurança”.
“A fixação de standards genéricos de atuação em sede judicial, além de não alcançar o efeito pretendido, atrai outros riscos, como a vulnerabilização das polícias, uma vez que sua atuação torna-se operacionalmente mais previsível pela criminalidade, ou a geração de ‘incertezas interpretativas’ para os agentes envolvidos na condução de situações concretas”, afirmou o ministro.
De qualquer modo, Moraes defendeu uma integração maior entre Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público no combate ao crime. Ainda assim, criticou o Judiciário pela soltura de bandidos contumazes nas audiências de custódia.
“Lamentavelmente, às vezes, a polícia tem razão ao dizer que a polícia prende e, depois, alguém que tenha sido preso 16 ou 17 vezes em seis meses seja solto nas 17 vezes na audiência de custódia”, afirmou o ministro, em abril.
O que Moraes disse sobre o crime organizado na ADPF das Favelas
Durante os debates no julgamento da ADPF das Favelas, Moraes adotou um discurso alinhado ao das autoridades de segurança pública no diagnóstico sobre a situação atual do crime organizado no Brasil e também nos argumentos para defender um enfrentamento mais severo das facções, inclusive com a força letal.
Em alguns momentos, ele ressaltou sua experiência como secretário de Segurança Pública de São Paulo (2015-2016) e ministro da Justiça (2016-2017), citando políticas que implementou nos dois cargos.
Sobre as facções, chamou a atenção para o fato de hoje os grupos criminosos não se sustentarem apenas com o tráfico de drogas. Além disso, eles dominam territórios inteiros das grandes cidades, impedem a atuação do Estado nesses locais, impõem leis próprias e abusivas sobre a população e controlam diversos serviços dos moradores mediante taxas.
“O que se vê, portanto, atualmente no Rio de Janeiro, é um verdadeiro estado paralelo, que não se submete, em boa parte do território, à autoridade do poder público constituído. Isto porque, em seus domínios, tributa ilegalmente atividades legais, dita regras sociais, cerceia a liberdade de locomoção, explora toda a economia ilegal, assim como julga e executa pessoas”, afirmou o ministro em abril deste ano.
Citando dados oficiais, registrou que em 2023 grupos armados dominavam 18,2% da área habitada da região metropolitana do Rio, mais que o dobro do que era em 2008. “Pesquisas indicam que cerca de 3,7 milhões de pessoas vivem em local controlado por algum grupo criminoso, ou o equivalente a 57,1% da população da capital”, ressaltou.
“O que se vê, portanto, atualmente no Rio de Janeiro, é um verdadeiro estado paralelo, que não se submete, em boa parte do território, à autoridade do poder público”
Alexandre de Moraes, no julgamento da ADPF das Favelas
Moraes destacou o sofrimento imposto pelas facções à população que vive nas favelas. “A população é escravizada pelo tráfico de drogas, pelas milícias. Se a população discordar que o traficante, o miliciano utilize sua casa, convide sua filha para sair, eles serão mortos. É uma escravidão moderna, com o uso de armas, de ameaças, de coação”, afirmou Moraes, durante sessão em fevereiro deste ano.
Em abril, criticou a “romantização” que existe sobre as favelas, “como se fosse romântico que grupos, em baile funk, pudessem dar tiro de fuzil para cima. Todo mundo assistindo e normalizando essa situação”.
O ministro também chamou a atenção para a infiltração das facções na política, por meio de corrupção e cooptação de agentes públicos.
“Não é mais possível – e eu diria que chega a dar vergonha termos que falar e reconhecer isso – que haja territórios em que só se adentra, inclusive para campanhas eleitorais – e isso é um atentado à democracia –, com autorização do narcotráfico ou de milicianos. Temos que combater isso. Esta ADPF é um primeiro passo, ou mais um passo, importantíssimo nisso”, disse Moraes em abril, no julgamento final da ação.
O que Alexandre de Moraes disse sobre a polícia na ADPF das Favelas
Nas sessões, Moraes também enalteceu o trabalho das polícias no enfrentamento do crime, cuja natureza “envolve um risco imanente e que acaba desafiando ao extremo a integridade física de seus exercentes”.
“A atividade estatal desempenhada pela Polícia é relevantíssima, importantíssima e essencial ao Estado de Direito, destinada à manutenção da ordem pública e da paz social. Cuida-se do exercício de uma imprescindível, dignificante, honrosa, porém penosa carreira de Estado”, afirmou o ministro.
“Os agentes da Força de Segurança Pública têm o compromisso de defender a sociedade 24 horas por dia, além de precisarem manter-se em constante estado de alerta para proteger a vida e a integridade física sua e de sua família, uma vez que sua atividade diferenciada os torna muito mais expostos a todo tipo de risco, vinganças e retaliações da criminalidade”, disse.
“Não podemos esquecer de valorizar as forças de segurança, os agentes de segurança pública. É a única área em que a pessoa sai todo dia sem ter certeza se, no embate, sobreviverá ou não”
Alexandre de Moraes, no julgamento da ADPF das Favelas
O ministro acrescentou ser “absurdo e lamentável número de policiais mortos por ano no Brasil, que não encontra paralelo nas democracias ocidentais”. Nessa linha, registrou que 30 policiais foram assassinados no RJ em 2022 e 2023, e 19 se suicidaram no período.
“Policiais saem todos os dias de casa sabendo que a qualquer momento poderão morrer, não só por casos fortuitos ou força maior, como todos os demais seres humanos, mas também para defender a vida, a integridade física e o patrimônio de outras pessoas que nem ao menos conhecem. Trata-se do exercício do que, particularmente, considero um verdadeiro sacerdócio, que é a carreira policial”, disse.
O ministro defendeu que policiais que cometem abusos e desvios sejam responsabilizados – mas mesmo nesses momentos, fez questão de louvar o trabalho da maioria dos agentes da segurança pública.
“Não podemos esquecer de valorizar as forças de segurança, os agentes de segurança pública. É a única área em que a pessoa sai todo dia sem ter certeza se, no embate, sobreviverá ou não. Agora, precisamos extirpar das forças públicas aqueles que abusam de autoridade, aqueles que exercem com abuso, com desvio de finalidade.”
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