Logo após sofrer uma derrota histórica na Câmara, nesta quarta-feira (8), com a derrubada da Medida Provisória (MP) 1.303/25 — apelidada de MP da Taxação —, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se apressou em buscar um culpado externo para tentar conter danos políticos e ocultar a dificuldade em encontrar o equilíbrio das contas públicas. Analistas ouvidos pela reportagem avaliam que aliados de Lula tentam desviar o foco da perda de governabilidade exposta pela derrota da medida provisória.
A MP previa elevar tributos para compensar a queda de arrecadação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), mas acabou sendo retirada da pauta por ampla maioria dos votos: 251 contra 193. Como a medida provisória tinha validade até as 23h59 da quarta, o texto acabou não sendo analisado pelo Congresso. O resultado expôs a falta de articulação do Palácio do Planalto com sua base parlamentar frágil, além de um Congresso cada vez menos disposto a avalizar a escalada dos tributos.
Ao longo do dia, aliados do Planalto apontaram o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), como maior responsável pela queda da MP. Segundo eles, o principal nome da oposição para disputar a Presidência em 2026 teria telefonado para parlamentares e articulado com líderes do Centrão pela retirada da medida de pauta, impedindo a análise do mérito.
O governador, por sua vez, negou envolvimento direto na votação, embora tenha reafirmado que o país “não aguenta mais impostos” e que a agenda tributária do governo está “fora da realidade da população e das empresas”. Ele afirmou que está “focado nos problemas de São Paulo” e chamou a acusação de “tentativa de desviar o foco do fracasso do governo com a própria base”.
A derrota legislativa deixou o governo em situação delicada. Sem o reforço previsto pela MP, o rombo orçamentário projetado para 2025 pode superar R$ 45 bilhões, forçando revisão de metas, cortes de investimentos e bloqueio de emendas parlamentares. O episódio evidencia o esgotamento da negociação baseada em cargos e na liberação de verbas.
A reação da Câmara contra a MP da Taxação foi festejada pelo setor produtivo, que critica a escalada de tributos e a incerteza fiscal. Já a oposição descreveu o desfecho como símbolo de resistência ao aumento da carga tributária. O líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), agradeceu o empenho de Tarcísio.
A fala de Cavalcante foi endossada por parlamentares de outros partidos da oposição, que enxergam o governador como o nome mais viável para desafiar Lula nas urnas. A declaração foi vista também como sinal de aproximação entre PL e Republicanos voltada à formação de alianças para as eleições de 2026. O líder do PL é um dos mais engajados nesse processo.
O próprio Lula reagiu com irritação. Em discurso no Planalto, acusou setores do Congresso de “pensarem apenas em eleição”, ao mesmo tempo em que tentou desviar o foco do impacto fiscal da derrota, que chamou de “derrota do povo”. O presidente sustentou que a medida rejeitada visava “corrigir injustiças” e “garantir recursos para programas sociais”, sem mencionar o descompasso entre gastos e receitas.
Especialistas veem esgotamento de concessões do Legislativo ao governo Lula
O discurso de Lula reforçou o tom de confronto com o Legislativo, alimentando a impressão de que o governo politiza crises fiscais para preservar narrativas. Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo veem a derrubada da MP como ponto de virada na relação entre Executivo e Congresso, com limites à aprovação de medidas arrecadatórias impopulares sem contrapartidas de austeridade.
A derrota da MP 1.303/25 vai além do campo orçamentário e consolida a piora das negociações em torno do Orçamento. Desde 2024, o Palácio do Planalto acumula embates com o Congresso acerca do controle de emendas e execução orçamentária. Soma-se a isso a ingerência do Supremo Tribunal Federal (STF) em favor do governo em temas fiscais, tensionando relações.
A estratégia de Lula de culpar Tarcísio pela crise soa, assim, como meio de desviar o foco do problema central: perda de governabilidade e falta de articulação da base aliada. O governador, por sua vez, capitalizou o episódio sem assumir protagonismo formal. Seu discurso técnico contra o aumento de impostos ganhou ressonância popular, em contraste com o perfil populista de Lula.
Para analistas, o saldo político da derrota é claro. O governo se enfraquece, a oposição se une e Tarcísio emerge como líder da resistência à política fiscal petista. O episódio também antecipa o tom dos discursos que dominarão o debate eleitoral de 2026: de um lado, o populismo fiscal do Palácio do Planalto; do outro, a responsabilidade encarnada por gestores da oposição.
Movimentação de Tarcísio e reação do Congresso acionam “modo eleição”
Para Leandro Gabiati, diretor da consultoria política Dominium, ainda não é possível traduzir a derrota do governo como fortalecimento de Tarcísio. Mas ficou evidente que a base governista não passa de 170 deputados. “As propostas que o governo aprovou até agora se devem ao apelo popular, como Luz do Povo e a ampliação da isenção do Imposto de Renda”, lembra.
O especialista salienta que ainda falta ao Palácio do Planalto brigar pelos seus interesses no estratégico Orçamento de 2026 e aprovar a MP do Gás do Povo, de grande impacto eleitoral. “Mas parece difícil que o governo consiga avançar em outras agendas no Legislativo. A sucessão presidencial começou a interferir de fato na relação entre esses dois Poderes”, resume.
O também cientista político João Henrique Hummel Vieira, da consultoria Action, avaliou a derrota da MP da Taxação e outras votações recentes na Câmara como reflexos de nova etapa política, cada vez mais conectada à sucessão presidencial. A virada veio quando Executivo e Legislativo se enfrentaram na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da blindagem.
A PEC caiu no Senado, com o governo expondo negativamente o Congresso. Em reação, os parlamentares aprovaram o projeto do Imposto de Renda em clima pré-eleitoral. “O jogo começou antes da hora e os partidos e até os parlamentares terão de mostrar qual lado estarão na disputa. Os fatos políticos do fim de ano e do próximo estarão pautados por isto”, diz.