quarta-feira , 9 julho 2025
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Ideologia do governo Lula explica por que Brasil se mantém no Brics

A declaração de líderes da 17ª Cúpula do Brics, realizada no Rio de Janeiro no domingo (6) e nesta segunda (7), trouxe novas evidências de que o bloco diplomático formado por Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Egito, Etiópia, Indonésia, Irã, Arábia Saudita e Emirádos Árabes Unidos abandonou a orientação puramente econômica para adotar um viés político, ditado por interesses chineses e russos. Segundo analistas, o bloco não tem dado sinais de que pode abrir mercados para o Brasil. O que mantém o país no grupo hoje é a afinidade ideológica do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com líderes autoritários.

Sob presidência brasileira, o evento teve como resultado principal o documento chamado de “Declaração do Rio de Janeiro”, com 126 artigos que expressam uma agenda cada vez mais voltada a confrontar o Ocidente, segundo analistas.

“O que estamos vendo é o Brasil se alinhando de forma acrítica a narrativas que interessam a países como Rússia, China e Irã. Isso compromete a nossa credibilidade internacional”, afirmou o deputado Capitão Alberto Neto (PL-AM).

“A participação em fóruns multilaterais é importante, mas não significa se calar diante de violações de direitos ou passar pano para ditaduras”, disse ele.

Embora os países do Brics correspondam a cerca de 40% do Produto Interno Bruto (PIB) do planeta e por quase um quarto do comércio mundial de bens, o bloco está longe de se tornar uma área de livre comércio ou ao menos proporcionar ao Brasil aberturas significativas de novos mercados.

Um exemplo disso é um relatório elaborado pelo Conselho Empresarial do Brics (Cebrics), órgão oficial de representação do setor privado dos países-membros, identificou 24 barreiras não tarifárias que dificultam o comércio entre os países do bloco. Segundo analistas ouvidos pela reportagem, atualmente, o único fator que justifica a permanência do Brasil no bloco é o alinhamento ideológico do presidente Lula com lideranças autoritárias do bloco.

Objetivos políticos da China e da Rússia dominam agenda desde 2022

O Brics foi um termo cunhado em 2001 pelo economista Jim O’Neall, que trabalhava no fundo de investimentos Goldman Sachs, com as primeiras letras dos nomes em inglês de Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul. Ele os agrupou por serem economias em desenvolvimento parecidas e que tinham potencial de evoluir.

Entre 2009 e 2011, esses países formaram um bloco diplomático oficial, mas nunca estabeleceram tarifas comerciais comuns nem abriram suas fronteiras para a circulação de pessoas ou mercadorias. Sua maior realização foi criar o NDB, o Banco Nacional de Desenvolvimento do bloco. O’Neill disse posterioremente que os Brics nunca conseguiram alcançar nada juntos.

Em 2022, a China assumiu a presidência rotativa do bloco e passou a tentar imprimir a ele um caráter político de oposição à hegemonia americana. A tendência continuou na presidência da Rússia em 2024 e se perpetuou sob a liderança brasileira neste ano.

O principal interesse da China no bloco é enfraquecer o dólar como principal moeda de comércio mundial e fortalcer o yuan. O da Rússia é tentar criar alternativas para contornar as sanções impostas ao país pelas democracias ocidentais devido à invasão da Ucrânia, segundo analistas internacionais.

A “Declaração do Rio de Janeiro” oficializou esses objetivos, criticando diretamente sanções internacionais unilaterais e segundárias e instando seus países-membros a criarem sistemas de pagamento transfronteiriços que viabilizem relações comerciais internacionais sem a dependência do dólar.

Nesse cenário, o Brasil — uma democracia que ainda tenta se equilibrar entre mercados — corre o risco de perder moralmente e economicamente ao seguir preso a um projeto multipolar que assume traços antidemocráticos, avalia o parlamentar Capitão Alberto Neto.

O termo “multipolar” é usado especialmente por teóricos russos para afirmar que os Estados Unidos não são mais um poder hegemônico e que potências regionais, como a própria Rússia, teriam o direito de exercer influência sobre seus vizinhos independentemente da posição americana. Ele aparce na Declaração do Rio em alternância com o termo “multilateral”, que normalmente é associado ao conceito de que as nações devem se reunir em organismos como a ONU ou a Organização Mundial do Comércio para definir em conjunto regras internacionais.

Outro congressista a criticar o envolvimento brasileiro com o Brics foi o deputado Rodrigo Valadares (União-SE). Ele afirma que, se o governo Lula está usando o Brics como palanque ideológico para se alinhar com ditaduras e regimes autoritários, isso enfraquece a credibilidade internacional do Brasil e afasta parceiros comerciais sérios, como Estados Unidos e União Europeia.

“Os acordos de livre comércio com países democráticos serão afetados, e eles são fundamentais para o nosso país”. As críticas também seguem entre especialistas nas áreas sociais e do direito.

“O país se arrisca ao legitimar ditaduras notórias e assumir bandeiras que servem aos interesses de potências autocráticas. Mais que isso, passa a fazer e auxiliar em um serviço sujo às ditaduras”, alerta o sociólogo Gustavo Alves, especialista em liberdade de expressão e mercado.

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Declaração só critica ataques militares ao Irã, à Faixa de Gaza e à Rússia

Na “Declaração do Rio de Janeiro”, os países do Brics condenam abertamente os ataques contra o Irã, mas sem nominar especificamente Israel ou os Estados Unidos. Eles criticam com maior veemência especialmente os bombardeios contra instalações nucleares, mas sem citar as evidências de que Teerã estava enriquecendo combustível nuclear a níveis tão altos que poderia ser usado para a construção de até nove bombas nucleares.

Os Brics também não mencionam o fato de que o Irã bombardeou recentemente alvos civis em Israel com misseis balísticos, destruindo hospitais e escolas. O texto reflete declarações do presidente Lula, que durante o conflito deste ano se apressou em condenar ações de Israel mas em poucas ocasiões criticou ataques feitos por Teerã.

O texto do documento também critica a retomada dos ataques israelenses na Faixa de Gaza, mas sem mencionar as ações do grupo terrorista Hamas, que ainda mantém 50 reféns israelenses presos. Acredita-se que cerca de 20 ainda estariam vivos.

Os Brics também afirmam em sua declaração que a entrega de ajuda humanitária na região da Faixa de Gaza foi militarizada e condenam o deslocamento forçado de população palestina durante a campanha insralense, criticando o que classificam como alterações demográficas e geográficas do território.

Mas não há mensão sobre a ocupação de 20% do território ucraniano por forças russas desde a invasão em larga escala de 2022 nem sobre o deslocamento forçado de milhares de ucranianos para “campos de filtragem” na Rússia e assentamento de russos em áreas ucranianas temporariamente ocupadas.

O ditador russo, Vladimir Putin, não compareceu à cúpula justamente por ser alvo de um mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional pelo sequestro de cerca de 19 mil crianças e adolescentes ucranianos mandados para adoção na Rússia.

Por outro lado, os Brics condenam o bombardeio de ferrovias e infraestrutura nas províncias russas de Kursk, Bryansk e Voronezh com a ocorrência de mortes de civis e crianças. Mas não citam os bombardeios quase diários com centenas de drones e mísseis em alvos civis ucranianos

Os riscos econômicos do avanço político-ideológico dos Brics

No campo econômico, há risco da “Declaração do Rio de Janeiro” atrair represálias dos Estados Unidos, segundo analistas. O presidente americano, Donald Trump, já afirmou que países que aderirem ao Brics vão sofrer aumento de ao menos 10% na tarifa comercial com os EUA. Isso ocorre em paralelo à declaração do bloco para incentivar seus países-membros a criarem sistemas de pagamento com moedas locais para evitar o uso do dólar como moeda de comércio internacional.

“E o que o Brasil ganha em troca? Até agora, pouca coisa concreta – apesar de a China ser nossa maior parceira comercial, mas isso independia do Brics. Mas a Nova Rota da Seda ignora o país, o Novo Banco de Desenvolvimento opera abaixo do potencial e as promessas de maior acesso a mercados do Sul Global não se materializaram para os exportadores brasileiros, o que gera questionamentos [sobre] a permanência no bloco”, afirma o sociólogo Gustavo Alves.

Para o constitucionalista André Marsiglia, especialista em liberdade de expressão, o Brics se tornou mais do que político, mas essencialmente ideológico, com um viés “comunitarista” que não dialoga com as intenções de um país capitalista promotor de liberdades individuais. Segundo ele, o Brasil deveria se afastar, para não se tornar um inimigo das nações mais democráticas.

Brics diz querer reformar o multilateralismo e dar voz ao Sul Global

Na opinião do doutor em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (USP), Luiz Augusto Módolo, a retórica de “reformar o multilateralismo” ou “dar voz ao Sul Global” (países em desenvolvimento) pode soar bem no papel, mas, na prática, o Brics se transformou em um palco para a projeção de poder de países como China e da Rússia.

Segundo ele, a declaração final do evento, com 126 pontos, está repleta de intenções vagas e termos diplomáticos genéricos como “solidariedade”, “inclusão”, “colaboração”, enquanto os interesses comerciais e estratégicos do Brasil ficaram em segundo plano. Se a tendência continuar, o Brasil também corre o risco de perder competitividade e legitimar a atuação de regimes que ignoram direitos civis e o Estado de Direito, afirma o especialista.

Ele avalia que o Brasil precisa repensar sua permanência no Brics, sob pena de perder cada vez mais credibilidade, apesar de sua saída ser improvável, principalmente com Lula no poder.

“Não se sentindo confortável nos países ocidentais, que envolvem respeito à democracia e cumprimento de regras, contraditório e liberdade de expressão, Lula tenta arrastar o Brasil para novos modelos de governança, inspirado em países autoritários, com internet controlada e população submissa”, completa Módolo.

Segurança e antiterrorismo: discurso distante da prática

A Declaração do Rio também conclama os países-membros do Brics a combater terrorismo, cibercrimes e ameaças transnacionais. Mas o texto da declaração (como ocorre frequentemente em documentos multilaterais) carece de instrumentos práticos de implementação e monitoramento. Não há mecanismos vinculantes, nem cronogramas, nem planos de ação concretos.

O Brasil vem enfrentando a crescente atuação de facções criminosas com conexões internacionais, além de um aumento significativo em crimes cibernéticos, fraudes digitais e ataques a sistemas públicos. A ausência de cooperação real com tecnologia torna esses compromissos pouco úteis no enfrentamento cotidiano da criminalidade, segundo analistas.

“É retórica diplomática sem efeitos práticos. Para o Brasil, que precisa de ações coordenadas e acesso à tecnologia e inteligência, essa parte da declaração pouco agrega”, alerta o sociólogo Marcelo Almeida.

A declaração propõe ainda uma governança global inclusiva em áreas como Inteligência Artificial (IA), dados e infraestrutura digital. Segundo Almeida, isso parece positivo no papel, mas a realidade é que países como China e Índia têm ecossistemas digitais avançados, com grandes empresas nacionais de tecnologia e políticas industriais agressivas. No caso da China há ainda um aparato de censura altemente desenvolvido em meios digitais.

Já o Brasil não possui indústrias de semicondutores significativas, tem baixa autonomia em inteligência artificial e depende de plataformas e tecnologias estrangeiras.

“O Brasil corre o risco de virar usuário passivo de tecnologias desenvolvidas por outros países — inclusive dentro do próprio Brics —, perpetuando uma nova forma de dependência tecnológica”, avalia Almeida.

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Brics pode ser usado para conter influência do Ocidente em países em desenvolvimento

Para o analista Luiz Augusto Módolo, o Brics tem se tornado um instrumento geopolítico de contenção ao Ocidente, com pouca entrega concreta para seus integrantes.

O doutor em Direito Internacional avalia que o Brasil se mantém nos Brics porque o seu banco de desenvolvimento teria potencial para ser um meio de financiamento dos países do bloco. Ele seria uma alternativa ao Banco Mundial ou ao Fundo Monetário Internacional (FMI) ou Banco Mundial, mas ainda não se mostrou viável.

Na semana passada, durante eventos preliminares da cúpula dos Brics no Rio de Janeiro, a ex-presidente Dilma Rousseff – que atualmente é a presidente do Banco do Brics – disse que a instituição financeira, a partir do conselho de diretores, aprovou 29 novos projetos para o Brasil, totalizando US$ 7 bilhões.

O Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) – nome oficial do Banco do Brics – é citado na Declaração do Rio como peça estratégica para financiar projetos do Sul Global.

“O Brasil deve pressionar para que o NDB financie projetos estratégicos em território nacional e não se limite a declarações políticas, projetos isolados e de baixo impacto”, afirma Alves.

Enquanto isso, o Arranjo Contingente de Reservas (ACR), um órgão do Brics semelhante ao FMI, criado com aporte inicial de US$ 100 bilhões, permanece subutilizado e sem peso efetivo no cenário financeiro global. Especialistas na área econômica alertam que o ACR é uma plataforma de apoio financeiro mútuo, ao qual se pode recorrer na eventualidade de que algum membro do Brics enfrente dificuldades em seu balanço de pagamentos.

O Banco dos Brics diz que o ACR está plenamente operacional e pode ser acionado a qualquer momento por iniciativa de um dos membros. As reservas internacionais são distribuídas da seguinte maneira: China (US$ 41 bilhões), Brasil (US$ 18 bilhões), Índia (US$ 18 bilhões), Rússia (US$ 18 bilhões) e África do Sul (US$ 5 bilhões).

“Os novos membros do Brics podem solicitar adesão ao ACR, a qual será analisada pelo Conselho de Governança do órgão, em linha com o Tratado para o Estabelecimento do Arranjo Contingente de Reservas dos Brics. Até o momento, nenhum país participante precisou recorrer aos recursos do ACR”, informa o próprio banco.

Apesar desses instrumentos, o bloco não conseguiu avançar em propostas estruturantes, como um mercado comum ou facilitação do trânsito de pessoas. A falta de coordenação entre os membros e o predomínio da China como principal financiadora e influenciadora de decisões comprometem a efetividade do grupo.

Quanto ao aspecto político, segundo Modolo, o bloco tem o perigo de colocar o Brasil em uma “corrida para o fundo”, na qual países que ainda não se afundaram completamente no autoritarismo passam a refletir maus exemplos.

“O Brasil nos últimos anos já não era exemplo de democracia. Mas, convivendo muito com a Rússia, é a Rússia que vai se tornar mais democrática ou é o Brasil que vai ficar um pouco [menos democrático]?”, questiona.

O deputado Ubiratan Sanderson (PL-RS) destaca que, em vez de buscar equilíbrio nas relações exteriores, o governo Lula prefere abraçar ditaduras. O parlamentar afirma que isso não é diplomacia, mas “militância ideológica” que pode isolar o Brasil e manchar a imagem no cenário internacional.

“O Brics deveria servir aos interesses econômicos do Brasil, não aos caprichos ideológicos da esquerda. Esse alinhamento com regimes autoritários pode custar caro ao agronegócio, à indústria e à estabilidade diplomática do país”, salienta.

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