O regime de Nicolás Maduro enfrentou um duro revés político neste final de semana, quando a convocação para reforçar a Milícia Nacional Bolivariana resultou em centros de alistamento vazios em diversos estados e cidades da Venezuela.
A convocatória, apresentada como parte do “Plano Nacional de Soberania e Paz”, foi anunciada por Maduro como resposta ao envio de navios de guerra dos Estados Unidos ao Caribe, onde estão próximos da costa venezuelana. O ditador havia chamado os venezuelanos a “dar um passo à frente para dizer basta ao imperialismo”, mas a ausência de voluntários reais deixou evidente o desgaste do regime perante a população.
Apesar da propaganda oficial do regime, que divulga números inflados de cidadãos supostamente interessados em se alistar na Milícia de Maduro, imagens e relatos de fontes independentes mostraram uma adesão mínima da população civil ao movimento chavista, expondo a discrepância entre o discurso da liderança de Caracas e a realidade.
A líder opositora María Corina Machado destacou o simbolismo da recusa popular em defender o regime.
“As praças vazias de toda a Venezuela anunciam o futuro que se aproxima. Não tenham medo, eles sim estão sozinhos”, escreveu nas redes sociais. Movimentos liderados por Corina Machado também denunciaram a falta de adesão da população, relatando pontos de alistamento desertos inclusive em regiões tradicionalmente ligadas ao chavismo, como na cidade de Sabaneta, berço político de Hugo Chávez.
Diante da baixa adesão popular, a televisão estatal venezuelana exibiu imagens cuidadosamente selecionadas de centros de alistamento lotados. Opositores, porém, denunciaram que esses locais estavam ocupados majoritariamente por servidores da administração pública, que foram pressionados a comparecer. Segundo relatos, muitos tiveram de enviar fotos para comprovar presença e, em alguns casos, receberam ordens explícitas de seus chefes para se inscreverem na milícia. A CNN en español afirma ter registrado episódios que confirmam essas denúncias.
“Em diferentes pontos onde ocorreram as jornadas de registro, algumas pessoas compareceram com uniformes de órgãos públicos, embora não fosse um dia de trabalho. Além disso, entre os cidadãos que tiravam fotografias diante das mesas de registro de vários centros de inscrição, alguns afirmaram que as utilizavam para enviá-las a seus supervisores e assim deixar constância de sua participação. No passado, já foram tornadas públicas denúncias semelhantes de pressões contra funcionários públicos para votar ou participar de marchas convocadas pelo oficialismo”, diz o texto da emissora.
Apesar disso, o regime manteve o discurso de que o processo estava ocorrendo de forma “voluntária”.
O que é a Milícia Bolivariana
Criada pelo ditador Hugo Chávez em 2009 e incorporada formalmente às Forças Armadas da Venezuela em 2010, a Milícia Bolivariana é apresentada como o “quinto componente” militar do regime chavista, ao lado do Exército, da Marinha, da Aeronáutica e da Guarda Nacional.
Composta por civis, sua função oficial, segundo Caracas, é “apoiar a defesa nacional e reforçar o controle territorial interno”. Maduro alega ter 4,5 milhões de integrantes, mas analistas consideram os números irreais.
“A realidade é que a milícia não passa de alguns milhares de simpatizantes mal armados, muitos deles idosos”, lembrou ao jornal peruano El Comercio o cientista político venezuelano Luis Nunes. “Maduro não pode falar de 4,5 milhões de milicianos quando sabe que perdeu as últimas eleições por mais de 80% dos votos”, afirmou. “É pura invenção que deixa o regime em completo ridículo, como as descobertas de explosivos e os atentados frustrados dos quais fala Diosdado Cabello; tudo isso é uma armação deles mesmos, uma narrativa muito cubana”, assegurou.
Segundo informações da imprensa internacional, entre os atuais integrantes da milícia há funcionários públicos, estudantes, donas de casa, trabalhadores informais e até aposentados. Há registros de significativa presença de mulheres e pessoas idosas. Segundo relatórios de organizações opositoras, muitos aderem à milícia por coerção – pressionados em seus empregos, enquanto outros buscam benefícios sociais, como acesso a programas de distribuição de alimentos.
Nova tentativa de mobilização
O fracasso da mobilização ocorre em meio a uma crise estrutural que atinge a Venezuela: hiperinflação, escassez de alimentos e medicamentos e a emigração de mais de 7 milhões de venezuelanos desde 2014.
Após o fiasco, Maduro anunciou uma nova rodada de alistamento para os dias 29 e 30 de agosto, numa tentativa de reverter a imagem de fraqueza. Para a oposição, no entanto, a repetição da convocatória é a prova de que o regime perdeu sua capacidade de mobilização popular.
“Nenhum venezuelano se alista com criminosos”, resumiu o partido Con Venezuela, de Corina Machado.