Vinte dias após o Senado aprovar o PL do Licenciamento Ambiental, a bancada ruralista discute nomes para a relatoria na Câmara— o deputado Zé Vitor (PL-MG) surge como favorito —, enquanto Frente Ambientalista tenta evitar que o projeto seja votado. Em comum, os dois lados citam a “cautela” do presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), em pautar o assunto.
Coordenador da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e cotado para relator, Zé Vitor é engenheiro agrônomo, ex-secretário do Meio Ambiente de Araguari (MG), ex-superintendente Regional de Meio Ambiente do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, e está no seu segundo mandato. Segundo o Índice de Convergência Ambiental Total (ICAT), ferramenta que avalia o alinhamento de cada parlamentar com a agenda ambiental, comparando seus votos com o posicionamento do líder da Frente Parlamentar Ambientalista, ele tem desempenho considerado “péssimo”, com convergência de 13%.
Procurado, ele disse que participou ativamente das discussões sobre esse projeto desde 2019:
“Com cautela, respeito, ouvindo todas as partes, acho que podemos construir um bom texto.”
Outro que vislumbra a relatoria é Kim Kataguiri (União-SP). Ele chegou a exercer a função na tramitação anterior e foi um dos parlamentares que celebraram a aprovação do projeto no Senado. A proposta já passou pela Câmara e sofreu alterações na outra Casa. Agora, se for chancelada pelos deputados, vai à sanção de Lula.
Do outro lado, a estratégia da Frente Parlamentar Ambientalista é evitar que o projeto vá a votação. O deputado Nilto Tatto (PT-SP), coordenador da Frente, solicitou a Motta a convocação extraordinária do Comitê Interinstitucional de Gestão do Pacto Pela Transformação Ecológica Entre os Três Poderes, criado no ano passado para promover a sustentabilidade ecológica, o desenvolvimento econômico sustentável e a justiça social, ambiental e climática.
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“Estamos trabalhando para não votar e criar outro processo para um novo PL”, disse Tatto.
Integrante da bancada ambientalilsta, a deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ) afirmou que Motta “não se mostrou disposto a correr com essa agenda”.
“O bom senso nesse momento é sentar todo mundo na mesa e achar diálogo que produza melhorias, ainda mais em ano de COP.”
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Insegurança jurídica
Além de condenar a flexibilização das exigências para licenciamento ambiental de atividades de impacto, a deputada do PSOL cita a insegurança jurídica como um outro argumento contra o texto.
Segundo esse entendimento, futuras licenças poderiam ser judicializadas por permissões do novo texto, como a dispensa de licenciamento ambiental para atividades agrossilvipastoris, o que já foi julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Outro ponto é a possibilidade de licença por adesão e compromisso (LAC), o que, segundo a Corte, só é constitucional para atividades de baixo impacto e baixo risco. Pelo texto, também fica permitida a emissão de licenças sem a manifestação de diversas autoridades, como Funai, o que poderia gerar judicialização por não ouvir populações indígenas em projetos que os afetam, como manda a Constituição.
O projeto tem sido criticado pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e por entidades ambientalistas. A maior preocupação é que atividades e obras de grande impacto sejam liberadas sem avaliação técnica sobre impactos ambientais e sociais. Para parlamentares favoráveis ao texto, o atual licenciamento, que demanda três fases, estaria atrasando obras. Mas, como mostrou O GLOBO ontem, o número de licenças emitidas aumentou, e não diminuiu, após a aprovação dessas regras. Os principais obstáculos para liberação de obras são, segundo o Ibama, a disponibilidade financeira e o déficit de servidores no licenciamento.
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Até mesmo Raul Jungmann, presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), criticou o projeto, na semana passada, no evento “Mineração: desafio socioambiental e oportunidade econômica e geopolítica”, no Instituto FHC. Ele disse que a mineração foi alijada dos debates sobre a lei na Câmara, até que o setor foi reinserido no debate no Senado, mas discordou do resultado aprovado:
“Nós não concordamos com o que foi feito com essa lei. Nós discordamos daquilo ali. Uma coisa é uma atualização, outra coisa é simplesmente você arrebentar com boa parte da estrutura”. afirmou Jungmann, que creditou ao agronegócio o protagonismo das principais alterações no licenciamento. “Não fomos nós. Foi basicamente outro setor, ou seja, especificamente o agro com seus interesses de parte do agro que fez aquela mudança.”