A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar nesta terça-feira (20) a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o chamado núcleo 3, formado por 11 militares e um policial federal, acusados de participar da suposta tentativa de golpe de Estado. Neste julgamento, que pode se estender até quarta-feira (21), os ministros analisam se a denúncia preenche os requisitos legais para abertura de ação penal — ou seja, se há indícios de autoria e materialidade dos crimes.
Na manhã desta terça, os advogados dos denunciados estão apresentando suas defesas. Eles alegam inaptidão da denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República (PGR), citam que a reunião da qual os envolvidos participaram não passou de uma “conversa de bar” que não pode ser prova de uma tentativa de golpe de Estado. Os advogados de defesa também pediram a suspeição do ministro relator da ação, Alexandre de Moraes (veja mais abaixo).
O núcleo 3 é o último do caso. Até o momento, a Primeira Turma já aceitou denúncias contra 22 acusados de integrar os núcleos 1, 2 e 4 da mesma investigação.
O grupo é composto de 12 pessoas:
- Bernardo Romão Correa Netto (coronel),
- Cleverson Ney Magalhães (coronel da reserva),
- Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira (general da reserva),
- Fabrício Moreira de Bastos (coronel),
- Hélio Ferreira Lima (tenente-coronel),
- Márcio Nunes de Resende Júnior (coronel),
- Nilton Diniz Rodrigues (general),
- Rafael Martins de Oliveira (tenente-coronel),
- Rodrigo Bezerra de Azevedo (tenente-coronel),
- Ronald Ferreira de Araújo Júnior (tenente-coronel),
- Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros (tenente-coronel)
- Wladimir Matos Soares (agente da Polícia Federal).
A denúncia contra esse núcleo envolve os crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
A sessão começou com o relator, ministro Alexandre de Moraes, apresentando um resumo do caso. Depois, falou a representante do procurador-geral da República, Paulo Gonet, e os advogados de defesa, em ordem alfabética.
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PGR aponta que núcleo 3 promovia “ações de campo” que envolviam violência
A subprocuradora-geral da República, Claudia Sampaio Marques, apontou que o julgamento da denúncia contra o núcleo 3 proporciona uma “visão completa dos fatos atribuídos a organização criminosa” que teria tentado promover um golpe de Estado.
“Além de promover ações táticas para convencer e pressionar o alto comando do Exército para aderir ao movimento golpista, exerceram relevante papel na execução das estratégias de ruptura do regime democrático, especialmente envolvendo a neutralização de autoridades”, disse a subprocuradora-geral.
A denúncia descreveu que os integrantes do núcleo 3 apoiaram e agiram para tornar possível o suposto golpe. Além disso, a PGR aponta que todos no grupo sabiam que não havia fraudes nas eleições e, portanto, nada que justificasse qualquer ação que pudesse embasar um “projeto de ruptura institucional”.
Advogados de defesa negam consentimento e afirmam que “conversas de bar” não passaram de “cogitação”
As defesas dos dois primeiros coronéis que apresentaram sustentações enfatizaram que a reunião da qual seus clientes participaram foram “conversas de bar”. A defesa do coronel Bernardo Romão Correa Netto destacou que não há nenhuma prova de que a conversa entre os acusados ultrapassou cogitação. No mesmo sentido, a defesa do coronel da reserva Cleverson Ney Magalhães apontou que não houve sequer alguma manifestação de consentimento sobre qualquer plano ilícito.
O general da reserva Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira foi mencionado no processo por ter participado de uma reunião a sós com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Para a defesa do general, no entanto, não é possível afirmar que a reunião, convocada formalmente, indicasse a concordância ou apoio do general a qualquer intuito, ação ou ideia antidemocrática.
A defesa do coronel Fabrício Moreira de Bastos indicou que fazia parte de suas atribuições no Centro de Inteligência do Exército a investigação a respeito da carta que supostamente embasaria o golpe e que, portanto, não há como incriminá-lo. A defesa destacou ainda que os 37 oficiais que teriam assinado a carta foram punidos pelo Exército em ação movida no Superior Tribunal Militar.
Caso semelhante ao de Bastos foi relatado pela defesa do tenente-coronel Hélio Ferreira Lima. De acordo com a sustentação ao STF, o advogado de Lima destacou que ele era responsável por elaborar cenários prospectivo de inteligência. Esses trabalhos já teriam sido desenvolvidos em outros momentos e a defesa destacou que houve trabalho semelhante prevendo um possível cenário de conflito durante a posse do ex-presidente Michel Temer (MDB) após o impeachment da ex-presidente Dilma Rouseff (PT).
O coronel Márcio Nunes de Resende Júnior é acusado de ter participado da elaboração da carta que teria a função de pressionar os superiores do Exército. No entanto, sua defesa aponta que a carta já estava pronta quando o coronel Resende Júnior tomou conhecimento sobre a mesma. Ele tampouco teria sequer tentado conversar com o seu superior sobre o suposto golpe.
A defesa do general Nilton Diniz Rodrigues destacou que não houve descrição das supostas ações táticas que teriam sido planejadas. Enfatizou que ainda que houvesse a intenção de cooptar o general para um suposto golpe, não houve adesão. Na mesma linha, a defesa do tenente-coronel Ronald Ferreira de Araújo Júnior disse que as imputações aos denunciados são genéricas. Além disso, Araújo Júnior não fazia parte do grupo chamado de kid preto, já que não era das forças especiais, mas sim da comunicação. Sendo assim, ele sequer teria sido convidado para a reunião da qual a maioria dos demais denunciados do núcleo 3 participou.
A incompetência da Primeira Turma do STF para julgar o caso, suspeição do ministro Alexandre de Moraes e o cerceamento de defesa foram enfatizados na defesa do tenente-coronel Rafael Martins de Oliveira.
A defesa do tenente-coronel Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros questionou os ministros sobre o momento em que os comandantes do Exército teriam aderido ao suposto golpe. O advogado sustentou que não é possível sequer punir uma tentativa. “Não se pune a tentativa quando o meio é absolutamente ineficaz. Só haveria meio eficaz se houvesse aderência das forças armadas. Em nenhum momento os comandantes de forças aderiram”, justificou o advogado do tenente-coronel Medeiros, Igor Vasconcelos Laboissiere.
Por fim, a defesa do agente da Polícia Federal Wladimir Matos Soares argumentou que ele não teria vazado informações sigilosas, mas estaria apenas cumprindo o seu papel ao integrar a equipe de segurança do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), após as eleições de 2022. A defesa de Soares pontuou ainda que o denunciado não tem nenhuma ligação com os militares julgados no núcleo 3, o que portanto não poderia fazer com que ele fosse acusado de integrar uma organização criminosa.
Defesa contesta localização de denunciado preso há seis meses
O tenente-coronel Rodrigo Bezerra de Azevedo é um dos denunciados que está preso há seis meses. Ele foi acusado de ter estado nas redondezas da casa do ministro Alexandre de Moraes. No entanto, a defesa contestou a sua localização na data apontada, provando, por meio de dados da nuvem, que Azevedo estava com a família, comemorando o seu aniversário.
A defesa do denunciado foi feita pelo advogado Jeffrey Chiquini da Costa. Em sua sustentação, Chiquini pontuou que embora tenham sido apreendidos mais de 1200 aparelhos celulares, nenhuma menção a Azevedo foi identificada. “Contra o narcotráfico nunca se viu apreensão semelhante”, completou o advogado.
A defesa de Azevedo destacou ainda que embora tenha juntado provas que contestam a localização atribuída ao denunciado, a PGR as ignorou na denúncia. “Vão dizer que a Apple [responsável pelos dados da nuvem] está mentindo?”, questionou Chiquini.
Ministros negam preliminares apresentadas pelas defesas
No início da tarde, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) negaram todos os pedidos, chamados de preliminares, apresentados pelas defesas dos denunciados do núcleo 3.
As preliminares alegavam que deveria haver o impedimento dos ministros da Primeira Turma, além dos ministros Luis Roberto Barroso, Dias Toffoli e Edson Fachin para julgar o caso.
Além disso, a competência do colegiado também foi questionado. Neste ponto, o ministro Luiz Fux divergiu e votou para levar o caso ao plenário da Corte, onde os 11 ministros votam, mas foi vencido.