Os advogados que defendem o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), criticaram as defesas dos demais réus da suposta tentativa de golpe de Estado por tentarem anular a delação premiada firmada com a Procuradoria-Geral da República (PGR) no curso do processo. Cid e os demais denunciados no chamado “núcleo 1” ou “crucial” da ação começaram a ser julgados nesta terça (2) pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
A defesa de Cid se declarou crítica às alegações de possível nulidade da delação pelos outros réus logo no início da sustentação, negando que ele tenha sofrido pressão ou coação para delatar o plano que teria sido elaborado entre os anos de 2021 e 2023 e que, segundo afirma a PGR, teria Bolsonaro como líder.
“Muito embora a colaboração do Mauro Cid já tenha sido validada por essa Corte em mais de uma oportunidade, tanto em audiência com o ministro relator (Alexandre de Moraes), como aqui no plenário, foi batido muito no processo que ele foi coagido inicialmente pela Polícia Federal e depois por Moraes”, explicou o advogado Jair Alves Pereira, que atua no caso com Cezar Bittencourt, que acordou a delação premiada de Cid com a PGR. O tenente-coronel não acompanha o julgamento presencialmente.
Assista aqui na Gazeta do Povo, ao vivo, o julgamento de Bolsonaro e aliados pela Primeira Turma do STF.
Além de Cid e Bolsonaro, fazem parte deste núcleo o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), que foi diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin); Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; e Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil. É a primeira vez na história do país que militares serão julgados em um tribunal civil.
Pereira afirmou que a suposta coação sofrida por Cid, revelada por áudios publicados pela revista Veja no ano passado, era referente à atuação do delegado da Polícia Federal que conduziu a investigação. No entanto, o militar manteve as declarações nos autos e a Moraes, o que afastaria a tese de pressão. O advogado ainda elogiou a atuação dos delegados Fábio Shor, Flávio Reis e Elias Milhomens, que “nunca” falaram com Cid sem a presença da defesa.
“Em nenhum momento esse áudio vaza qualquer coisa em relação à colaboração premiada. Ele confronta as ideias da investigação, o que é normal e legítimo dentro do Estado Democrático de Direito”, pontuou citando que é legítima a crítica aos juízes.
Jair Alves Pereira também negou a suposta troca de mensagens de Cid com o advogado Eduardo Kuntz, que defende o coronel Marcelo Câmara, em janeiro de 2024, através de um perfil em uma rede social da esposa, Gabriela Cid, em que também teria relatado pressão e coação. Pereira afirmou que o militar não utilizou a plataforma e que as conversas “não são idôneas” e que a Meta (proprietária da rede social) teria confirmado que não havia mensagens.
“Já que as defesas se agarram nisso pra alegar que Mauro Cid vazou e descumpriu o acordo de colaboração premiada, eu preciso dizer que isso não tem credibilidade”, completou.
Defesa critica redução de benefícios da delação
Pereira também criticou pontos levantados pela PGR de que Cid pode ter sido omisso em alguns pontos da delação, como a citação do planos “Punhal Verde e Amarelo” e “Copa 2022”, alegando que ele não tinha conhecimento e nem chegou a fazer parte dos grupos de discussão. Pontuou, ainda, que o militar nunca se furtou a prestar esclarecimentos sempre que foi chamado pela Polícia Federal.
“Se ela dá sustentação e dá a dinâmica dos fatos, e dá, por que ele não teria os benefícios que ele ajustou? Não seria justo que o Estado agora, depois de fazer tudo isso, de estar com cautelares diversas da prisão por mais de dois anos, afastado de suas funções, agora chega no final e o Estado o condena”, criticou.
Apesar de defender a delação de Cid, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, afastou a possibilidade de um perdão judicial ao militar, sugerindo apenas a redução da pena em um terço como benefício decorrente da colaboração.
Pouco depois, o advogado Cezar Bittencourt, que negociou o acordo de delação premiada com a PGR, afirmou que há uma ausência de fatos concretos para sustentar uma ação penal contra Cid e que ele jamais elaborou ou mesmo foi responsável por qualquer planejamento de um suposto golpe ou os atos ocorridos depois, como as invasões das sedes dos Três Poderes durante os atos de 8 de janeiro de 2023.
“O que há é o recebimento passivo de mensagens no seu Whatsapp, das quais ele sequer fazia o repasse. Ou seja, a acusação confunde um vínculo funcional como subserviência com conduta criminosa não passando de meras suposições”, frisou.
E ainda pontuou que o alto escalão das Forças Armadas teria eximido Mauro Cid de envolvimento em um golpe de Estado: “injustiça moral”, classificou a acusação da PGR contra o militar.
Condução do julgamento
Nesta terça (2), pela manhã, o relator da ação, o ministro Alexandre de Moraes, foi enfático nas alegações do suposto golpe e citou a pressão que a Corte vem sofrendo – inclusive do exterior – por causa do julgamento. No entanto, afirmou que o STF “não aceitará coações”.
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, que apresentou a acusação pouco depois, classificou o alegado plano como “panorama espantoso e tenebroso”, e considerou que para a “tentativa [de golpe] se consolide” não era necessário ter uma ordem assinada pelo presidente da República para adoção de medidas explicitamente estranhas à regularidade constitucional.
Ao todo, o julgamento deste “núcleo 1” da suposta tentativa de golpe de Estado terá oito sessões da Primeira Turma divididas em cinco dias. Fazem parte dela o próprio Moraes, que é o relator, e os ministros Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, que preside o colegiado. Eles votarão nesta ordem e a sentença é dada ao se formar a maioria – ou seja, três votos.
A aplicação das penas, no entanto, não é imediata e a execução começa apenas após o esgotamento de todos os recursos cabíveis. Também ainda há dúvidas se os réus, em eventual condenação, cumprirão as penas em presídios especiais, dependências militares ou mesmo prisão domiciliar.
Gazeta do Povo transmite as sessões do julgamento
A geração das imagens do julgamento será feita TV Justiça, canal vinculado ao Supremo Tribunal Federal. A Gazeta do Povo vai transmitir ao vivo cada uma das sessões, em seu canal do YouTube. Confira o horário das sessões:
- Terça-feira (2) – 9h às 12h e 14h às 19h;
- Quarta-feira (3) – 9h às 12h;
- Terça-feira (9) – 9h às 12h;
- Quarta-feira (10) – 9h às 12h e 14h às 17h;
- Sexta-feira (12) – 9h às 12h e 14h às 19h.
O processo da suposta tentativa de golpe de Estado tem, ao todo, 31 réus divididos em quatro núcleos de atuação, segundo a PGR. Os julgamentos dos outros três grupos ainda serão marcados.