O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pode ter seu quadro de saúde agravado pelas restrições impostas pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Preso em sua residência desde 4 de agosto, Bolsonaro deve apresentar com pelo menos 24 horas de antecedência qualquer solicitação para consultas médicas fora de casa.
À Gazeta do Povo, o cirurgião Cláudio Birolini, médico do ex-mandatário, afirmou que as exigências determinadas pelo magistrado dificultam o trabalho da equipe, justamente por demandarem autorização prévia. Ele também destacou que, além das questões físicas, a saúde psicológica do ex-presidente pode contribuir para o agravamento do quadro clínico.
Moraes autorizou que Bolsonaro se dirija, no próximo sábado (16), ao Hospital DF Star, em Brasília, para realizar uma bateria de exames. O pedido foi motivado por novas crises de soluço, que teriam se intensificado nos últimos dias. Mas o ministro determinou que a defesa do ex-mandatário deverá apresentar à Corte o “atestado de comparecimento, consignando a data e os horários dos atendimentos” em até 48 horas após a conclusão dos procedimentos médicos.
Antes disso, Moraes já havia permitido que os médicos indicados por Bolsonaro o acompanhassem em casa sem necessidade de comunicação prévia ao STF, desde que respeitadas as medidas cautelares. Ele também ressaltou que, em caso de internação urgente, haverá respaldo judicial, desde que o fato seja comunicado em até 24 horas depois do ocorrido, com a devida comprovação médica.
Desde que foi esfaqueado em 2018, o ex-presidente tem passado por diversas internações e procedimentos médicos complexos. Seu último diagnóstico apontou intensa esofagite, gastrite moderada, refluxo gastroesofágico e hérnia de hiato. Além disso, exames identificaram gastroparesia (retardo no esvaziamento gástrico), alterações hepáticas e pressão arterial elevada.
VEJA TAMBÉM:
Tratamento contínuo é essencial para evitar complicações graves para Bolsonaro
O cirurgião e traumatologista Raimundo Filho, médico do ex-deputado Daniel Silveira, explica que Bolsonaro precisa de acompanhamento médico constante e exames regulares para evitar complicações potencialmente fatais decorrentes das sequelas da facada. Nesse contexto, as restrições impostas pelo ministro podem dificultar a continuidade de um tratamento mais efetivo. Segundo ele, o quadro clínico exige atenção permanente, especialmente por envolver alterações no aparelho digestivo que podem evoluir rapidamente.
“É necessário que exista um acompanhamento muito de perto do ex-presidente Jair Bolsonaro para essas alterações, essas sequelas oriundas da facada, junto com a idade, que é de 70 anos. Ele [precisa de] atendimento com médicos, especialistas, exames de rotina, que é para não acontecer o pior.”
O médico explica que mesmo cirurgias consideradas minimamente invasivas geram sangramentos internos, que se transformam em fibroses — aderências que funcionam como uma “cola das vísceras”. Essas fibroses comprometem o peristaltismo, o movimento natural do intestino, essencial para a digestão.
Além de dificultar a digestão, essas aderências podem fechar a luz intestinal – o espaço por onde o bolo alimentar deve passar – o que provoca dores intensas, soluços frequentes e episódios de obstrução intestinal. Bolsonaro, segundo o médico, já precisou de internações emergenciais para drenar líquidos acumulados no abdômen, resultado direto dessas complicações.
O risco mais grave, segundo o médico, é a evolução para um quadro de abdome agudo obstrutivo, que pode ocorrer se houver rompimento de vísceras e extravasamento de fezes na cavidade abdominal. “Se ele tiver obstrução intestinal e não for atendido imediatamente, e romper a víscera, as fezes vão ganhar o abdômen. Ele vai fazer um quadro de abdome agudo obstrutivo. E isso é catástrofe.”
Restrições também afetam saúde emocional, que pode piorar quadro clínico
Além dos efeitos no corpo, o isolamento causado pela prisão domiciliar também pode impulsionar os atuais problemas de saúde de Bolsonaro. À Gazeta do Povo, a psicóloga clínica e neurocientista Fátima Marcolino destaca que o impacto do isolamento vai muito além do psicológico, afetando diretamente o funcionamento do organismo. Segundo ela, o estresse crônico gerado por esse tipo de situação pode desencadear ou agravar diversas doenças físicas.
“O estresse crônico, que pode ser gerado pelo isolamento, é capaz de agravar a esofagite e outras condições físicas, como doenças cardiovasculares, enxaquecas, distúrbios gastrointestinais, dores musculares e problemas no sistema imunológico”, explica a psicóloga.
Ela também aponta que esse estado emocional pode prejudicar funções essenciais do corpo: “Ele pode aumentar a pressão arterial, intensificar crises de dor, prejudicar a cicatrização e reduzir a capacidade do corpo de se defender contra infecções.”
Para a especialista, esses efeitos mostram a importância de cuidar da saúde mental como parte fundamental do bem-estar geral. “Esses exemplos evidenciam a profunda conexão entre a saúde emocional e o bem-estar físico, mostrando como o cuidado com o psicológico é fundamental para o equilíbrio geral da saúde”, salienta Fátima Marcolino.
Histórico de problemas de saúde de Bolsonaro: da facada a cirurgias complexas
O histórico médico de Jair Bolsonaro começou a se agravar em 2018. Em fevereiro daquele ano, quando ainda era deputado federal, sentiu fortes dores abdominais durante visita ao Show Rural Coopavel, em Cascavel (PR), sendo atendido e liberado após medicação.
Meses depois, em 6 de setembro de 2018, durante um ato de campanha em Juiz de Fora (MG), Bolsonaro sofreu um atentado a faca que causou graves lesões no intestino delgado e grosso, além de uma veia abdominal. Passou por cirurgia de emergência, com instalação de uma bolsa de colostomia. Poucos dias depois, foi transferido para o Hospital Albert Einstein, em São Paulo, para tratar uma obstrução intestinal, sendo submetido a nova cirurgia.
Em janeiro de 2019, após meses de recuperação, ele passou por um procedimento de cerca de sete horas para retirar a bolsa de colostomia. No mesmo ano, em setembro, foi operado para corrigir uma hérnia incisional surgida na cicatriz da facada.
Nos anos seguintes, ele voltou a enfrentar problemas gastrointestinais: em julho de 2021, foi internado por obstrução intestinal causada por aderências, que foi tratada clinicamente. Em janeiro de 2022, nova obstrução foi atribuída à ingestão de um camarão sem mastigação adequada, também resolvida sem cirurgia.
Em setembro de 2023, Bolsonaro foi submetido a duas cirurgias simultâneas — uma endoscopia digestiva para tratar refluxo e uma septoplastia para corrigir o septo nasal —, além de outros procedimentos na região oro-nasal.
Em maio de 2024, Bolsonaro foi internado com erisipela, infecção bacteriana na pele, tratada com antibióticos intravenosos. Já em abril de 2025, ele passou por uma cirurgia de grande porte, com 12 horas de duração, para liberação de aderências intestinais e reconstrução da parede abdominal.
Meses depois, em junho de 2025, o ex-presidente apresentou soluços e vômitos durante agenda em Goiânia (GO), sendo diagnosticado com pneumonia viral. Em julho, nova internação em São Paulo revelou intensa esofagite, gastrite moderada, refluxo gastroesofágico, hérnia de hiato, gastroparesia, alterações hepáticas e pressão arterial elevada.
Tornozeleira eletrônica já garante controle suficiente, diz especialista
O advogado constitucionalista André Marsiglia considera que as medidas impostas ao ex-presidente Jair Bolsonaro vão além do necessário, especialmente considerando o uso da tornozeleira eletrônica. Para ele, esse dispositivo já oferece ao Judiciário os meios adequados para monitorar o cumprimento das restrições.
“A tornozeleira tem exatamente a função de possibilitar que a pessoa possa se locomover de forma controlada”, afirma Marsiglia, destacando que o equipamento permite ao juiz acompanhar os deslocamentos do investigado sem a necessidade de outras limitações.
Segundo o advogado, o padrão legal para o uso da tornozeleira costuma ser mais simples: “Em geral, a tornozeleira é acompanhada apenas de um horário: você pode sair nesse horário e pronto”. Ele critica o que considera um excesso por parte do ministro Alexandre de Moraes: “O resto é capricho, me parece, do Moraes.”