As sucessivas crises de governabilidade, o avanço dos parlamentares sobre verbas federais e a ofensiva implacável do Supremo Tribunal Federal (STF) contra a direita levaram o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a estruturar um plano para ditar os rumos do país mesmo fora da Presidência e por meio de um Congresso conservador.
Desde o fim de 2024, Bolsonaro intensifica ações para transformar o PL na principal força de um movimento eleitoral para conquistar as maiorias na Câmara e no Senado nas urnas de 2026. No domingo (29), sobre um carro de som na Avenida Paulista, em São Paulo, ele detalhou mais a estratégia, provocando reações e especulações.
Bolsonaro repetiu o pedido que já tem feito ao eleitorado: que votem em seus candidatos e assim lhe proporcionem o controle de metade dos plenários de cada casa legislativa, para assim “mudar o destino” do país. O ex-presidente também apontou alvos do protagonismo da direita no Congresso a partir de 2027. A abertura de processos de impeachment de ministros do STF pelo Senado é um deles.
Plano prevê controle sobre pauta de votações e nomeações estratégicas
Na Avenida Paulista, Bolsonaro citou não só a capacidade de eleger os presidentes da Câmara e do Senado (Congresso), mas também os comandos das principais comissões temáticas, para pautar projetos reformadores e bloquear os indesejados, além de controlar nomeações para cargos-chave, como Banco Central e agências reguladoras.
Nas redes sociais, apoiadores endossaram o desejo do ex-presidente de ter influência efetiva sobre a agenda nacional mesmo sem voltar ao Palácio do Planalto. Inelegível até 2030 e prestes a ser condenado pelo STF por suposta trama golpista, ele diz “nem precisar” ser presidente para atingir seus objetivos.
Após os sinais emitidos no protesto da Paulista, analistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontaram o reforço do foco no Legislativo como parte da estratégia para preservar o capital político do ex-presidente, alargar o peso do PL na Câmara e escolher candidatos competitivos para vagas do Senado.
Para analistas, a busca da hegemonia parlamentar por Bolsonaro vai além do objetivo eleitoral da oposição de impor uma derrota expressiva ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e à esquerda ou mesmo da necessidade de ganhar musculatura para a luta contra abusos do Judiciário. Trata-se, segundo eles, de algo maior, com horizonte de longo prazo e foco em mudanças profundas na vida política do país.
Esse discurso de dominância parlamentar por Bolsonaro gerou críticas de influenciadores de esquerda, que acusaram Bolsonaro de buscar um “poder paralelo” ao Executivo, tentando dobrar os limites impostos pelo ativismo judicial do STF. A hashtag #PoderParalelo chegou a figurar entre os assuntos mais comentados no último domingo.
Ao citar partidos, Bolsonaro acena para composições antes e depois das eleições
O “contrapoder” mirado por Bolsonaro no Congresso parte do seu peso especial no PL, mas também alcança aliados em outras legendas de centro-direita e centro. Citando nominalmente PP, Republicanos, União Brasil, MDB e PSD, ele acenou para possíveis acordos partidários que seriam firmados antes e depois das eleições.
O modelo vislumbrado de influência contínua de Bolsonaro prepara terreno para uma nova realidade política a partir de 2027. Além de se capacitar para fazer frente ao atual predomínio das decisões do STF, o apoio parlamentar fortalecido lhe daria na prática mais poder que o presidente da República.
A atuação no Congresso já começa a ser encarada como prioridade acima da disputa pelo Palácio do Planalto, visando a sustentabilidade de agendas e realizar demandas como a anistia dos réus do 8 de Janeiro, que, apesar do esforço da oposição e do apoio da maioria, parou na Presidência da Câmara.
Analistas avaliam que Bolsonaro pode instituir modelo baseado no papel do Congresso de superação de crises e construção de saídas. “O que chamam de poder paralelo é só a constatação de que o Legislativo precisa ser engajado para mudar as coisas”, explica o cientista político Ismael Almeida.
Meta de dar metade das cadeiras do Congresso ao PL engaja a militância
Leandro Gabiati, diretor da consultoria Dominium, sublinha que Bolsonaro conseguiu manter-se como referência política relevante apesar de enfrentar um processo judicial que avança aceleradamente. “Sem poder levar adiante uma estratégia jurídica efetiva, restou a ele reforçar o lado político”, disse.
Para Gabiati, a formação de maiorias na Câmara e no Senado sob influência direta de Bolsonaro é objetivo tanto do ex-presidente quanto de candidatos que apoia. “Bolsonaro se fortalece com esses parlamentares, enquanto eles se beneficiam da popularidade dele desde a campanha até o mandato”, diz.
O especialista acha difícil Bolsonaro garantir os 50% dos plenários para o PL, mas vê a meta como incentivo para ampliar as bancadas conservadoras na próxima legislatura. “É algo forte, mas desafiador se considerar que o centro também investe para crescer e já tem projeções positivas para isso”, alerta.
“Bolsonaro expôs o desejo de seguir atuante, ciente de qual é o verdadeiro poder no presidencialismo de coalizão. O fato de ele não admitir já que não será candidato à Presidência visa só manter a militância unida até o registro das candidaturas e não desgastar nomes antes da hora”, diz Ismael Almeida.