segunda-feira , 20 outubro 2025
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Caso contra Filipe Martins se sustenta em documentos ilegítimos nos EUA e no Brasil

O caso de Filipe Martins, ex-assessor especial da Presidência da República, cresceu em repercussão nos últimos dias depois que revelações em duas frentes distintas, nos Estados Unidos e no Brasil, colocaram em xeque a legitimidade de provas usadas contra ele no processo da alegada trama golpista.

Lá fora, o órgão de controle de fronteiras americano, o CBP (Customs and Border Protection), desmentiu por meio de comunicado oficial a versão da Justiça brasileira de que Martins teria viajado ao país, usada como principal fundamento para a sua prisão preventiva de seis meses e as severas medidas cautelares que ele ainda cumpre.

No Brasil, tornou-se público nos últimos dias que registros de entrada no Palácio da Alvorada apresentados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) têm grafias incorretas de nomes, uso de corretivo, entre outros dados inconsistentes.

A PGR usa esses papéis para sustentar a acusação de participação de Martins em supostas reuniões golpistas em dezembro de 2022. O caráter duvidoso e quase informal dos registros, contudo, mina sua credibilidade como peça probatória.

As revelações recentes tornam ainda mais frágeis as evidências usadas em duas alegações graves da Justiça contra Martins: a de risco de fuga, que está servindo como base para a imposição de medidas equivalentes à de uma morte civil; e a de que ele teria participado de reuniões para arquitetar um golpe de Estado no Brasil.

Para o advogado Ricardo Scheiffer, que defende Martins no caso, o ex-assessor de Bolsonaro está sendo acusado com base em provas “imprestáveis”. No jargão jurídico, imprestáveis são aquelas provas obtidas de forma irregular ou que não cumprem requisitos legais mínimos, o que torna seu uso no processo ilegítimo.

A jurista Katia Magalhães avalia que o documento usado pela PGR para vincular Filipe Martins às reuniões no Palácio da Alvorada tem vícios processuais graves, que comprometem sua validade como prova.

Comentando as ilegalidades do caso de Martins no Plenário do Senado na semana passada, o senador Eduardo Girão (Novo-CE) pediu sua absolvição imediata. “Se neste país ainda resta alguma coisa de seriedade na Justiça, na Corte Suprema, as medidas cautelares precisam ser revogadas imediatamente, com indenização paga pelo Estado pela tortura a que esse rapaz inocente foi submetido. Tem de ser declarado inocente imediatamente”, disse.

PGR não poderia apresentar nova prova contra Filipe Martins nas alegações finais

Além de a prova ser imprestável, a maneira como ela foi incluída no processo é ilegal, diz Katia Magalhães. O material foi apresentado apenas nas alegações finais, quando a fase de produção de provas já se havia encerrado. “A PGR só poderia ter feito isso se pretendesse demonstrar fato novo, superveniente à propositura da ação, o que não foi o caso”, explica.

A jurista também destaca que a apresentação da prova foi unilateral: a PGR anexou o documento sem conceder à defesa oportunidade de manifestação. Portanto, para efeitos jurídicos, o documento não serve como prova.

Toda polêmica que levou à destituição dos advogados de Filipe Martins pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, no dia 9, teve origem justamente na discussão sobre os registros de entrada no Palácio da Alvorada.

Como a PGR anexou os documentos apenas na fase de alegações finais, fora do momento regular de produção de provas, a defesa pediu prazo maior para manifestação. Em vez de conceder o tempo solicitado, Moraes reagiu destituindo os advogados.

Após a repercussão do fato, ele voltou atrás e devolveu a representação à equipe de advogados, mas concedeu só 24 horas para que analisassem os documentos.

Em declaração na semana passada no Plenário da Câmara, o deputado Marcel van Hattem (Novo-RS) classificou a inclusão das novas provas como “absurda ilegalidade processual”. “Não se pode, depois da fase de instrução, quando nas alegações finais a defesa precisa se posicionar, a Procuradoria-Geral da República, em suas alegações finais, incluir novos documentos”, disse.

Presença no Palácio da Alvorada não é prova de participação em reunião, e reunião não é golpe, afirma jurista

Ainda que estivesse presente no Palácio da Alvorada nas datas mencionadas pela PGR, Filipe Martins não poderia ser acusado com base em sua mera presença em um local.

Katia Magalhães reitera que “o fato referente à tal ‘prova’ não possui qualquer relevância jurídica, na medida em que não existe ‘reunião golpista'”. “Golpe pressupõe o uso de violência, e a realização de reuniões é chancelada pelo direito individual à livre associação”, afirma.

A entrada e saída de autoridades e assessores no Alvorada é um fato comum, e o nome na lista de registros não atesta a presença de nenhuma delas em uma reunião específica.

A lista de entradas e saídas do Palácio da Alvorada do dia 7 de dezembro de 2022 tem nomes de 45 pessoas diferentes, muitas das quais sem nenhuma relação com os processos em curso – por exemplo, a deputada Bia Kicis (PL-DF) e os senadores Sergio Moro (União-PR) e Ciro Nogueira (PP-PI) também têm seus nomes na lista em que Filipe Martins está registrado. Portanto, o fato de o nome constar nesses registros não é prova de participação na reunião.

A defesa, contudo, continua sustentando não só que o documento é uma prova imprestável e que Filipe Martins não participou da reunião, mas também que ele nem sequer foi ao Palácio da Alvorada no dia 7 de dezembro, a data da suposta “reunião golpista”. Os elementos usados pela defesa para contestar o documento como prova são:

  • A grafia inconsistente de alguns nomes;
  • A informalidade dos registros;
  • Os dados confusos sobre horários;
  • O uso frequente de corretivo e rasuras para apagar informações;
  • Dados de entrada sem os horários de saída correspondentes e vice-versa.

Veja nas imagens abaixo alguns desses problemas:

Para provar que Filipe Martins não foi ao Palácio da Alvorada no dia 7/12, a defesa se apoia em:

  • Diversos testemunhos de que ele não estava lá, prestados durante as audiências de análise da denúncia;
  • Geolocalização e Uber mostrando que ele estava em outros lugares nos horários dos registros;
  • Falta de cadeia de custódia dos documentos que contêm os registros de entrada e saída – isto é, não há registro claro de onde esses documentos vieram, quem manuseou e se eles foram preservados sem alterações.

Ricardo Scheiffer, advogado de Filipe Martins, critica, além disso, o fato de que o ônus da prova recaia sobre a defesa.

“É absolutamente enlouquecedor. Desde o começo tivemos que fazer prova negativa, mostrar onde ele estava para provar que não estava onde diziam. A acusação se baseia em absolutamente nada. É um jogo desproporcional, em que o juiz já tem a sentença pronta e o processo só serve para encontrar fatos que encaixem na narrativa. Eles partem da conclusão e depois procuram fatos que corroborem”, afirma Scheiffer.

Por enquanto, os registros de entrada e saída são a única base material para tentar vincular Martins à suposta reunião golpista. Sem eles, a acusação dependeria exclusivamente do depoimento do tenente-coronel Mauro Cid, que fez uma delação com inconsistências e foi contrariado sobre a presença de Filipe Martins nas reuniões por todos os outros depoentes.

A defesa reconhece que Martins pode ter estado no Alvorada no dia 19 de novembro de 2022, acompanhando um padre em um atendimento espiritual. Nas datas do início de dezembro – as mais relevantes para a acusação –, a defesa sustenta que não há registros materiais confiáveis que confirmem sua presença.

Caso dos registros de entrada de Filipe Martins nos EUA também ganha novos desdobramentos

O caso dos registros de entrada de Filipe Martins nos EUA também ganhou novos desdobramentos. Alexandre de Moraes deu cinco dias para que a Polícia Federal explique o uso de um site do governo americano destinado exclusivamente a consultas pessoais para obter informações migratórias.

Em 2023, os investigadores usaram a plataforma “Travel History”, do Customs and Border Protection (CBP), para checar se Martins tinha viajado aos Estados Unidos em 30 de dezembro de 2022. O sistema retornou um registro de entrada em Orlando nessa data, e essa informação foi usada como um dos principais fundamentos para justificar a decretação de sua prisão preventiva.

A utilização do site, no entanto, viola os próprios termos de uso da ferramenta, que proíbem consultas para fins oficiais por autoridades estrangeiras e determinam que pedidos de informação sejam feitos por canais diplomáticos.

Dois dias antes da decisão de Moraes, a própria defesa de Martins havia ressaltado, em entrevista ao UOL, que o governo americano veda expressamente o uso do sistema por autoridades estrangeiras para fins oficiais, classificando-o como crime contra a segurança nacional dos EUA. Ao direcionar a cobrança à PF, Moraes pode afastar de si a responsabilidade direta pelo uso irregular da informação.

O CBP, por sua vez, publicou uma nota na qual confirma oficialmente que Filipe Martins não entrou nos EUA em dezembro de 2022. O órgão falou que a inclusão de dados errados em seu sistema está sob investigação, e condenou o uso indevido da informação para embasar a prisão de Martins, fazendo críticas diretas a Moraes.

Também há uma investigação em curso nos EUA para apurar uma inclusão fraudulenta no registro de entrada de Martins no sistema americano em 2024.

A história já começa a ter repercussão pública nos EUA e levantar suspeitas sobre crime transnacional. No domingo (19), um artigo da colunista Mary Anastasia O’Grady, do jornal The Wall Street Journal, trouxe abertamente a hipótese de que o sistema do CBP pode ter sido alvo de uma invasão de autoridades brasileiras.

Segundo o texto, “o caso tem todas as características de uma possível infiltração estrangeira dentro do CBP”.

A colunista recorda que o órgão do governo americano criticou recentemente Moraes por ter usado um registro falso para justificar a prisão preventiva de Martins por seis meses.

O’Grady relata que, em abril de 2024, ao saber do uso do registro falso, a defesa de Martins solicitou o I-94, documento oficial que registra a entrada de estrangeiros nos EUA, e o CBP respondeu que ele não existia – até que, no mês seguinte, surgiu um documento visivelmente falso. Mesmo com provas da falsificação, o CBP só corrigiu os dados e passou a dificultar esclarecimentos, relata a jornalista. A defesa acionou a Justiça americana para identificar os responsáveis, e a informação do registro foi entregue com alguns dados ocultados.

“O caso está na fase de produção de provas. Enquanto isso, os americanos têm razão em perguntar o que o CBP está tentando esconder”, conclui O’Grady.

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