O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) atuou pessoalmente para coordenar os depoimentos de sua defesa no inquérito que apura a tentativa de golpe de Estado no fim de seu governo. Segundo o colunista Igor Gadelha, do Metrópoles, Bolsonaro telefonou para o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) na véspera do depoimento prestado pelo ex-vice-presidente ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Durante a ligação, Bolsonaro teria solicitado que certos pontos considerados estratégicos fossem destacados por Mourão em sua oitiva. Um deles seria a reafirmação de que o ex-vice nunca teria ouvido de Bolsonaro qualquer menção a uma ruptura institucional.
O depoimento ocorreu na última sexta-feira (23) e foi conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes, relator da ação penal no STF. Mourão também negou ter sido alvo de monitoramento por parte de militares envolvidos na suposta trama golpista — uma versão que contraria a delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e um dos principais delatores do caso.
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Generais
Além de Bolsonaro, os generais Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto — todos réus no inquérito — também indicaram Mourão como testemunha de defesa. A escolha do nome reflete uma tentativa de reforçar a narrativa de que não houve plano concreto de golpe e que os principais envolvidos não cogitaram romper com a ordem democrática.
A articulação prévia do conteúdo do depoimento, contudo, acendeu um sinal de alerta entre juristas. Embora não haja indícios de ameaça ou coação explícita, o ato de discutir previamente a fala de uma testemunha pode ser interpretado como tentativa de obstrução de Justiça.
Risco de interferência
A conduta de Bolsonaro levanta questionamentos jurídicos, especialmente sob a ótica da Lei 12.850/2013, que trata de crimes envolvendo organizações criminosas. O artigo 2º da norma prevê punição para quem “impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal” vinculada a uma organização.
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Embora o artigo 344 do Código Penal trate da coação no curso do processo, a tipificação exige violência ou grave ameaça, o que não se aplica diretamente neste caso. No entanto, a tentativa de “alinhamento de versões” por um réu diretamente interessado no processo pode, por si só, comprometer a integridade da investigação.
A caracterização formal do crime dependerá da avaliação da Procuradoria-Geral da República (PGR) e do próprio STF. Para haver responsabilização, será necessário demonstrar intenção deliberada de interferir na verdade processual, ainda que Mourão não tenha relatado pressão ou tentativa explícita de manipulação.