O pacote fiscal apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, lança sombra sobre as atividades ligados ao campo na tributação ao agronegócio, especialmente nas aplicações financeiras que o financiam. A MP 1303 gera incertezas e ameaça as bases de financiamento da cadeia produtiva rural.
Mesmo diante de um cenário interno externo desafiador, o setor demonstrou vigor até agora: o PIB “dentro da porteira” cresceu 12,2% no primeiro trimestre de 2025 em relação ao período anterior. Já as exportações do agronegócio avançaram 1,8% no primeiro quadrimestre do ano, frente ao mesmo período de 2024, segundo levantamento do Cepea/Esalq-USP.
Entre os pontos mais sensíveis do novo pacote está a Medida Provisória 1.303, que altera a tributação de diversas modalidades de investimento — incluindo aquelas que historicamente financiaram o desenvolvimento do agronegócio. A proposta cria uma alíquota padrão de 17,5% de Imposto de Renda sobre os rendimentos, afetando ações, criptoativos, fundos, e até instrumentos isentos, como as LCAs (Letras de Crédito do Agronegócio), CRAs (Certificados de Recebimento do Agronegócio) e os Fiagros (Fundos de Investimento em Cadeias Agroindustriais).
Embora o governo alegue que a MP visa “corrigir distorções, construir isonomia tributária e manter o equilíbrio fiscal”, analistas consultados pela Gazeta do Povo apontam que ela pode comprometer a sustentabilidade de um dos segmentos mais dinâmicos da economia brasileira.
Como o agro se financia e porque a MP preocupa?
O agronegócio tem enfrentado dificuldades para acessar crédito a taxas competitivas. Produtores enfrentaram dificuldades para acessar o Plano Safra neste ano. Com a taxa Selic elevada, o custo dos financiamentos aumentou significativamente. Em abril, a taxa média mensal de juros de operações de crédito rural com recursos direcionados foi de 1,15%, a mais alta desde 2011. Para financiamento das agroindústrias, essa taxa foi de 0,98%; e para produtores, 0,97%.
Além dos financiamentos tradicionais, o setor depende de instrumentos financeiros específicos, como Fiagros, LCAs e CRAs, que até então contavam com isenções fiscais. A MP 1.303 atinge diretamente esses mecanismos, retirando os incentivos e encarecendo o custo do crédito.
O fim da isenção: o que muda para os principais investimentos
Fiagros: rendimentos terão IR de 5% a 17,5%
Antes da MP: Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro) distribuíam rendimentos isentos de IR a pessoas físicas, desde que tivessem mais de 100 cotistas e cotas negociadas em bolsa. A venda das cotas com lucro era tributada em 20%.
Com a MP (a partir de 2026): A isenção acaba. Os rendimentos passam a ser tributados em 5% (se mantidas as condições anteriores). Caso contrário, a alíquota sobe para 17,5%. O ganho de capital na venda das cotas será tributado em 17,5%.
LCAs e CRAs: o fim de um benefício para o investidor
Antes da MP: Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) e Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) eram isentos de IR, atraindo investidores conservadores.
Com a MP: Aplicações feitas a partir de 1º de janeiro de 2026 passam a ser tributadas em 5%.
Fiagro-FIDC: Como fica um dos fundos que mais crescia?
Os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios com lastro no agronegócio vinham crescendo rapidamente — o patrimônio líquido dos Fiagro-FIDC saltou 204% desde março de 2023, chegando a R$ 47,7 bilhões em 2025.
Com a MP, os rendimentos passarão a ser tributados em 17,5% no momento da distribuição ou resgate. Fundos que não cumprirem os requisitos para a alíquota reduzida tendem a perder atratividade.
Quais são os efeitos das medidas para o agronegócio
Crédito mais caro e freios ao investimento e crescimento
Segundo Marcelo Winter, consultor jurídico da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), a medida representa um “golpe no coração do financiamento do setor”. Ao remover os benefícios fiscais, o custo de captação aumenta, o que será inevitavelmente repassado aos produtores.
“Tributar esses instrumentos significa encarecer o crédito, reduzir a atratividade para o investidor e aumentar o risco para quem produz”, afirma Winter.
Com os juros altos e o novo imposto sobre os rendimentos, o acesso a crédito se torna ainda mais limitado. Rafael Bellas, da InvestSmart XP, aponta que o impacto será imediato: “Menos dinheiro disponível e a um custo maior para um setor que depende essencialmente de crédito”.
A retirada dos incentivos fiscais desestimula o fluxo de capital privado para o agronegócio. Segundo André Mattos, CEO da M6 Negócios, “ao aumentar o custo do dinheiro e reduzir o apetite dos investidores, o governo trava um vetor importante de crescimento e inovação no campo”.
A Abag alerta: se o Congresso não revisar a MP, o impacto será duradouro — freando o crescimento, comprometendo a competitividade do agro brasileiro e afastando investidores nacionais e estrangeiros.
Insegurança jurídica afasta investidores
Além da carga tributária, o que preocupa o mercado é o clima de insegurança jurídica. Moacir Teixeira, sócio da Ecoagro – empresa especializada em soluções para o setor –, afirma que as decisões do governo parecem “desconectadas, feitas às pressas e sem considerar o efeito sistêmico”. A sensação é de instabilidade — veneno para o planejamento de longo prazo e para o investidor privado.
Risco de inflação com a alta no custo de produção
A cadeia de eventos desencadeada pela medida provisória pode culminar em inflação. Menos crédito e menor produção significam, no futuro, preços mais altos para alimentos e insumos. “Isso pode se tornar um problema estrutural para o país”, alerta Winter.
E para o investidor? Menos rentabilidade
As mudanças representam uma quebra de confiança para investidores, especialmente pessoas físicas. A uniformização do IR em 17,5% elimina o incentivo ao investimento de longo prazo. Antes, a tabela regressiva premiava a paciência; agora, o investidor paga o mesmo imposto, independentemente do prazo da aplicação.
Guilherme Almeida, da Suno Research, alerta: “Isso desestimula carteiras previdenciárias e projetos estruturantes”. Para Fábio Murad, educador financeiro, a lógica atual é “pague o imposto agora e não pense no futuro”.
Além disso, a rentabilidade líquida cai, levando à reprecificação de ativos e à saída de investidores. A diversificação internacional, segundo Murad, deixou de ser um diferencial para se tornar uma necessidade. As bolsas americanas oferecem previsibilidade, liquidez e proteção cambial — atrativos cada vez mais escassos no Brasil.
Medidas podem minar uma das principais forças econômicas do país
O conjunto de mudanças propostas pela MP 1.303/2025, ao invés de fortalecer o equilíbrio fiscal, pode minar uma das principais forças econômicas do país. Ao comprometer o acesso ao crédito, elevar o risco e reduzir a previsibilidade, o governo coloca em xeque não apenas o dinamismo do agronegócio, mas também sua capacidade de sustentar o crescimento econômico nacional.
Para especialistas, o futuro do setor dependerá da sensibilidade do Congresso em mitigar os efeitos adversos da proposta — sob o risco de paralisar investimentos, travar o campo e afetar diretamente a mesa dos brasileiros.