Áudios atribuídos ao tenente-coronel Mauro Cid, que teriam sido gravados em uma conversa por uma rede social, apontam que ele jamais mencionou a palavra “golpe” durante os depoimentos do acordo de colaboração premiada no processo que apura uma suposta tentativa de golpe de Estado.
As gravações foram divulgadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) após serem juntadas no processo do coronel Marcelo Costa Câmara, ex-assessor do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e um dos réus da investigação. O advogado do militar, Eduardo Kuntz, pediu a anulação da delação após o próprio Cid entrar em contato com ele pelas redes sociais para fazer uma espécie de desabafo.
O tenente-coronel teria afirmado que a Polícia Federal tentava manipular os depoimentos dele como delator do caso, e que o ministro Alexandre de Moraes, relator do processo no STF, estava decidido pela condenação de Bolsonaro.
A defesa de Cid, no entanto, negou a existência dos áudios e do diálogo com Kuntz, que teve parte da conversa publicada pela revista Veja na semana passada.
Em um dos áudios supostamente enviados por Cid a Kuntz, no ano passado, o militar sinaliza frustração e revolta pela Polícia Federal ter colocado na delação a palavra “golpe”, que ele diz nunca ter citado.
“Esse troço tá (sic) entalado. O cara botou a palavra golpe. Eu não falei uma vez a palavra golpe. Quer dizer, foi furo, foi erro, sei lá, se até condição psicológica que eu tava na hora ali. Quando é de palavra e golpe que ele matou, eu não falei golpe uma vez em todo o meu depoimento”, disse Cid. Ouça aqui.
Cid teria procurado Kuntz como “amigo” através de uma rede social utilizando um perfil supostamente atribuído à esposa, “GabrielaR702”, e comprovou ser ele mesmo por uma foto e uma ligação realizada pelo aplicativo. O advogado reconheceu a relação de amizade entre os dois e acreditou, em um primeiro momento, que poderia ser para atuar na sua defesa.
“As informações foram passadas voluntariamente por parte do colaborador comigo, eu não procurei ele. Ele que me procurou, eu aceitei e passei a conversar com ele”, afirmou em entrevista à CNN Brasil nesta terça (17).
Em mensagens de texto no mesmo bate-papo, Cid afirma que “só estou desabafando” e que “falo com os poucos amigos que ainda estão por perto”. Ele ainda afirma se considerar uma pessoa contagiosa que afasta quem está por perto, mas sem condená-los – apesar de reclamar da falta de apoio de antigos aliados.
Sem apoio de antigos aliados
Em outro áudio atribuído a Cid, ele teria seguido com o desabafo afirmando que se sentia abandonado pelos antigos aliados, e que mesmo o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, em nenhum momento saiu em defesa dele.
“Valdemar deu entrevista, falou do Max, do Cordeiro e de mim. Ah, que legal, né? O Valdemar não defende o Max, o Cordeiro e também não nos defende. Então assim, é complicado, é complicado você se sentir isolado”, afirmou. Ouça aqui.
Em mensagens escritas no mesmo bate-papo, Cid teria reclamado de outros aliados que o teriam abandonado, como os deputados federais Nikolas Ferreira (PL-MG), Bia Kicis (PL-DF), Gustavo Gayer (PL-GO) e Carla Zambelli (PL-SP), e o senador Rogério Marinho (PL-RN).
“Quantos deputados vieram me visitar? Quantas vezes publicaram algo nas redes sociais para eu ser solto? Estão querendo botar na minha conta uma coisa que eu não comecei”, disse seguindo com outro desabafo sobre os prejuízos que teve após a prisão.
De acordo com ele, apenas alguns militares o visitaram na prisão, e ninguém mais — mesmo daqueles que teria apoiado durante a campanha para estarem próximos de Bolsonaro. Ouça aqui.
O militar ainda teria reclamado que os deputados da direita não conseguiram encaminhar a pauta da anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro, que o próprio então presidente do Senado na época, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), também não demonstrou apoio a isso.
Ele também reclamou que nenhuma “queixa-crime, denúncia ou alguma coisa” foi apresentada ao STF pelos parlamentares da direita “contra o que está acontecendo”.
“Não tem apoio nenhum. […] Ninguém faz nada, ninguém se mexe, todo mundo na mídia social brigando”, disparou. Ouça aqui.
Família sofrendo
Tanto textualmente como em mensagens de áudio, Cid teria relatado estar “devastado” tanto na carreira militar como na vida financeira e, até mesmo, a própria família.
“Quando você vê a família sofrendo por sua causa, aí o negócio pesa. A gente aguenta muito, mas quando vê a família se lascando, minha filha sendo hostilizada por professor de esquerda na escola, aí é complicado”, afirmou emocionado. Ouça aqui.
Cid ainda citou aliados próximos como os generais Walter Braga Netto e Augusto Heleno que chegaram no topo e foram para a reserva, e Bolsonaro, que “ganhou milhões em Pix” enquanto ele está tendo que arcar sozinho inclusive com os custos de um advogado – acabando com as finanças da família.
“O Braga Netto, quatro estrelas, chegou ao topo… reserva. General Heleno, chegou ao topo… reserva. Presidente, ganhou milhões aí em Pix, chegou ao topo. Tudo bem, todo mundo no mesmo barco. E quem que se f**? Quem perdeu tudo? Fui eu”, disparou. Ouça aqui.
Ele ainda disse reconhecer que não seria mais promovido na carreira na próxima avaliação que viria a ocorrer, em abril do ano passado, e que “ninguém vai subir uma #cidpromovido nas redes sociais”. Kuntz chegou a sugerir que ele tentasse conversar com o pai, o general Mauro Lourena Cid, para tentar intermediar a promoção com algum general do Exército – cita um Thomaz e Thomas, que pode sinalizar o comandante-geral, Tomás Ribeiro Paiva, nomeado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“Nunca pedi nada ao EB [Exército Brasileiro], 28 anos de dedicação exclusiva. […] Não vou me rebaixar para ‘pedir’ uma promoção”, completou.