sexta-feira , 21 novembro 2025
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Atuação de Messias na AGU indica retrocesso à liberdade de expressão no STF

O histórico do ministro Jorge Messias à frente da Advocacia-Geral da União (AGU) nos últimos anos levantou, entre analistas, o risco de maior retrocesso na proteção da liberdade de expressão, caso se concretize sua indicação e nomeação para uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF).  

Messias foi indicado nesta quinta-feira (20) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para ocupar a cadeira deixada pelo ministro Luís Roberto Barroso, que resolveu se aposentar. A razão é a proximidade e confiança que conquistou junto a Lula pela defesa intransigente do governo em praticamente qualquer disputa política.

Dois fatores pesam nessa avaliação pessimista dos analistas ouvidos pela reportagem sobre a eventual atuação de Messias no que tange à liberdade de expressão, caso se torne ministro do STF:  

1) A criação e atuação da Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia (PNDD), órgão que implantou na AGU com o alegado objetivo de “enfrentamento à desinformação”. 

2) A defesa agressiva de uma regulação mais rigorosa das redes sociais que se materializou no julgamento do Marco Civil da Internet pelo STF.

PNDD atendeu ao governo e ignorou a oposição 

Quando de sua criação, no início de 2023, a Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia (PNDD) recebeu críticas de parte da imprensa e da oposição pelo risco de se tornar uma arma de perseguição política do governo.  

O órgão logo recebeu a alcunha de “Ministério da Verdade”, em alusão ao órgão ficcional imaginado por George Orwell na distopia “1984”, que controlava a informação e reescrevia a história conforme os interesses de um governo totalitário. 

Um levantamento recente da Gazeta do Povo mostrou que até maio, em pouco mais de dois anos de funcionamento, o órgão criado por Messias havia aceitado 35 demandas vindas do governo para rebater conteúdos postados nas redes e na imprensa e rejeitado todas as denúncias de desinformação apresentadas por adversários, 25 ao todo, protocoladas por deputados, senadores e cidadãos. 

Um dos casos mais notórios ocorreu em março, quando a PNDD processou a produtora de vídeo de linha conservadora Brasil Paralelo por um documentário publicado em julho de 2023, com críticas ao processo judicial envolvendo Maria da Penha e seu ex-marido.  

A ação, demandada pelo Ministério das Mulheres, exige da produtora indenização de R$ 500 mil por danos morais coletivos (a serem revertidos ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, que é controlado pelo governo) e a exibição de uma nota no documentário dizendo que as versões apresentadas são mentirosas. 

Em setembro de 2024, a PNDD exigiu direito de resposta ao jornalista Alexandre Garcia no programa “Oeste Sem Filtro” depois que ele cobrou apuração sobre a eventual responsabilidade do governo federal nas enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul naquele ano. Messias foi às redes anunciar que determinou a “imediata instauração de procedimento contra a campanha de desinformação promovida” por Garcia.

A PNDD também exigiu direito de resposta de um canal do YouTube crítico ao governo que culpava o Exército por inação ou falta de auxílio ao Estado. O órgão acionou a Justiça para exigir o mesmo do influenciador e político Pablo Marçal. 

O governo de São Paulo, comandado pelo adversário político de Lula, Tarcísio de Freitas (Republicanos), também foi alvo. Ainda em 2023, a PNDD exigiu que a Secretaria de Segurança Pública retirasse do ar imagens de uma apreensão de drogas em que as embalagens de maconha eram estampadas com a foto de Lula.

Nesses casos, a PNDD costuma justificar as medidas para fazer “defesa da integridade da ação pública e da preservação da legitimação dos Poderes e de seus membros para exercício de suas funções constitucionais”. 

Diversos pedidos da oposição, no entanto, foram rejeitados, sobretudo para que o órgão – que em tese representa a União e não o governo – atuasse para restabelecer a verdade em declarações falaciosas de Lula.

Deputados e senadores, por exemplo, acionaram a PNDD depois que o presidente disse que uma operação da Polícia Federal contra ameaças ao senador Sergio Moro (União-PR) seria uma “armação”. 

Também foram rejeitados pedidos para atuação em relação a falas de Lula e de outros governistas que chamam de golpe o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Falas da ministra Marina Silva (Meio Ambiente) contra a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, e da ministra Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais) contra a política monetária do Banco Central (BC) também não motivaram a PNDD a agir. 

Os filtros alegados em casos como esses costumam ser a ausência de interesse da União, falta de comprovação ou de potencialidade de dano e não demonstração de que a desinformação tenha intenção de causar prejuízo ou obter vantagem indevida. Também são indeferidos pedidos em que a PNDD não vê impacto negativo em política pública ou na legitimação da função pública de uma autoridade. 

Defesa de regulação mais rigorosa das redes 

Messias também se engajou fortemente na defesa de uma regulação mais rigorosa das redes sociais, uma das bandeiras de Lula e de interesse direto de vários ministros do STF, que veem na influência digital da nova direita uma “ameaça à democracia”. 

Nas ações que levaram o STF a ampliar a responsabilização das plataformas por conteúdos nocivos publicados por usuários, o advogado-geral da União, Jorge Messias, defendeu a obrigação de que elas atuassem, a partir de uma notificação extrajudicial, para remover ou reduzir o alcance de postagens com “manifesta e deliberada desinformação em matéria de políticas públicas e de legitimação de função pública”.  

Trata-se do tipo de notificação que a própria PNDD costuma enviar às plataformas para defender políticas públicas e autoridades do governo, em geral, para publicação de direito de resposta. O objetivo junto ao STF ia além, para que as redes adotassem medidas mais duras, como a remoção do conteúdo. 

Na peça jurídica, Messias citou com destaque um voto de Alexandre de Moraes, segundo o qual “a Constituição Federal não protege as informações levianamente não verificadas ou astuciosas e propositadamente errôneas, transmitidas com total desrespeito à verdade, pois as liberdades públicas não podem prestar-se à tutela de condutas ilícitas”. O ministro concentra todas as investigações do STF contra as “milícias digitais” – grupos de políticos e influenciadores que, segundo ele, ameaçam as instituições.

Em maio de 2025, quando o julgamento do Marco Civil da Internet estava suspenso e havia apenas três votos no plenário, Messias pediu ao relator, Dias Toffoli, uma liminar para dar efeitos imediatos à regulação, antes de uma maioria formada no STF. 

Ele chegou a pedir que a Corte também decidisse sobre o tratamento a ser dado à inteligência artificial, tema que ainda é objeto de discussão no Congresso.

Messias também encampou a defesa de responsabilização imediata das redes em caso de conteúdos que possam configurar crimes contra a democracia – uma das principais preocupações dos ministros do STF, que sempre citam postagens que convocavam manifestantes para os atos de 8 de janeiro de 2023.

O que diz Messias sobre a liberdade de expressão  

Em sua tese de doutorado na Universidade de Brasília (UnB), Jorge Messias defendeu a atuação da AGU para conter “riscos digitais”.  

Embora a Constituição não delegue ao órgão a defesa do regime democrático – como faz, por exemplo, em relação ao Ministério Público –, o advogado-geral da União escreveu que essa função também pode ser adotada pela AGU, com base no artigo que confere competência à União, Estados, Distrito Federal e municípios para “zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas”. 

Ao longo da tese, Messias reproduz o discurso de vários ministros, sobretudo Moraes, segundo o qual as redes sociais impulsionaram líderes extremistas, quase sempre associados à direita, e que ameaçariam a democracia. 

“A internet também ajudou novos grupos políticos a se organizarem. O otimismo inicial, oriundo do papel das redes sociais na eclosão da Primavera Árabe, logo cedeu lugar às preocupações acerca da disseminação de estratégias de desinformação e do fortalecimento de novos partidos populistas, com tendências extremistas. É verdade que muito dos líderes populistas – Trump, Bolsonaro e Milei – tornaram-se conhecidos por suas passagens pela televisão, mas a organização e mobilização de suas respectivas bases de apoio parecem ter se dado sobretudo pela internet”, escreveu Messias.

Numa parte dedicada à defesa da PNDD, ele diz que o órgão, “com apenas um ano de sua criação, estabeleceu-se como instituição relevante no combate às estratégias de desinformação e deslegitimação dos Poderes da República”. “Sem minar ou mesmo fragilizar a liberdade de expressão, a atuação da PNDD parece ter ampliado o custo das estratégias de desinformação”, escreveu em seguida. 

Juristas destacam alinhamento de Messias a Lula e adesão a decisão de Moraes

Para André Marsiglia, advogado especializado na defesa da liberdade de expressão, Messias poderá atuar no STF como um “soldado” de Lula.  

“Hoje, o STF se comporta de forma bélica em relação à sociedade. Nós temos um STF ativo e muitas vezes até mesmo alheio à Constituição nesse ativismo dos ministros em questões políticas e até mesmo em questões culturais. Dentro dessa perspectiva, eu creio que a saída do Barroso se deu porque ele não estava confortável dentro desse lugar de artilharia. Vejo o Messias chegando como um novo soldado disposto a isso, como assim estava disposto na AGU”, afirma. 

Ele destaca o alinhamento político às bandeiras de Lula como agravante. “Vejo que vai ser mais do mesmo que vem sendo praticado no STF, mas talvez até com grau ainda maior de ideologia de esquerda, sobretudo naquilo que tange a restrições abusivas e excessivas à liberdade de expressão, em especial nas redes sociais”, conclui.

Para o doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e comentarista político Luiz Augusto Módolo, os discursos e ações de Jorge Messias demonstram que ele “não é um nome alinhado ao pensamento liberal, o que envolveria respeito de fato à liberdade de manifestação e opinião”.

Ele lembra que o advogado-geral da União apoiou a decisão de Moraes que suspendeu o X no Brasil, no ano passado. Messias enviou parecer ao STF pedindo que ações judiciais contrárias à suspensão fossem rejeitadas, argumentando que a medida se destinava ao cumprimento da legislação e não de censura.

A PNDD, para Módolo, se tornou um mecanismo de perseguição a opositores. “Mais que as falas dele, os atos falam contra a liberdade. No seu primeiro dia como AGU, criou essa Procuradoria que tem sido usada para fustigar críticos do atual governo”, afirma. “Desconheço democracia ocidental que tenha um órgão voltado apenas para patrulhar críticas ao governo e processar críticos”, completa.

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