O ministro Alexandre de Moraes tem adotado no Supremo Tribunal Federal (STF) procedimentos que aceleram a abertura de uma ação penal contra o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), com potencial de torná-lo inelegível para as eleições de 2026.
O deputado já manifestou intenção de concorrer à Presidência, mas enfrenta obstáculos políticos: no Centrão, por exemplo, há quem prefira o apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), além de uma clara aversão a Eduardo.
Políticos do Centrão o culpam pelo tarifaço imposto ao Brasil pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e consideram que sua entrada na disputa fortaleceria a candidatura à reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (ou de um petista que ele venha a indicar como sucessor). Fora isso, creem que, na Presidência da República, Eduardo manteria uma relação conflituosa e indesejada com o STF, tal qual o pai.
O deputado está, desde o início do ano, nos EUA em conversas com autoridades americanas para sancionar Moraes e outros ministros que lhe dão suporte no STF. Buscam puni-los na Lei Magnitsky, que impõe severas restrições financeiras, em razão dos inquéritos que Moraes conduz, desde 2019, contra políticos e militantes da direita ligada a Bolsonaro. Em reação, Moraes abriu um inquérito contra Eduardo, no qual a Procuradoria-Geral da República (PGR) o denunciou, neste mês, por coação à Justiça.
Se condenado, Eduardo Bolsonaro pode pegar uma pena que varia de 1 a 4 anos. Não ficaria preso em regime fechado (penas de até 4 anos podem ser cumpridas no regime aberto ou convertidas em prestação de serviços à comunidade). Mas a consequência mais impactante para o futuro político de Eduardo seria a inelegibilidade por 8 anos após a condenação, imposta pela Lei da Ficha Limpa.
O inquérito contra Eduardo Bolsonaro, referente à sua atuação nos EUA, tem avançado com celeridade atípica para o padrão do STF, onde investigações costumam se prolongar por anos.
Em março, após o deputado começar a denunciar Moraes nos EUA, o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), solicitou ao ministro a abertura de uma investigação e a apreensão de seu passaporte. Moraes, por sua vez, consultou o procurador-geral da República, Paulo Gonet, que pediu o arquivamento do caso, não vendo crime na conduta.
Em maio, logo depois que o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, disse que Moraes provavelmente seria sancionado, Lindbergh pediu novamente uma investigação contra Eduardo, e desta vez foi atendido pela PGR e por Moraes.
A investigação da Polícia Federal basicamente reuniu postagens e vídeos do deputado para indiciá-lo, junto com Jair Bolsonaro, em 20 de agosto, por coação no curso do processo e abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
A denúncia da PGR foi formalizada um mês depois, em 21 de setembro. O documento retirou Jair Bolsonaro do processo e incluiu o jornalista Paulo Figueiredo, que colabora com Eduardo em Washington na busca por sanções. Desde então, alguns atos de Moraes abriram caminho para um andamento mais rápido do processo criminal.
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Como Moraes acelerou o processo contra Eduardo Bolsonaro no STF
No último sábado (27), ele decidiu que o deputado seria citado sobre a denúncia por edital. A citação é a formalidade na qual um acusado toma ciência da denúncia e inaugura o prazo de 15 dias para que apresente uma resposta ao juiz.
Nessa resposta, o acusado pode rebater as acusações, além de pedir que o tribunal rejeite a denúncia e arquive o caso. Trata-se de uma etapa em que o acusado se defende antes da abertura de um processo criminal, ato no qual o juiz analisa se há materialidade no crime e indícios mínimos suficientes para tornar o acusado réu numa ação penal.
A citação, normalmente, ocorre de forma presencial, quando um oficial de Justiça entrega a denúncia pessoalmente ao acusado em sua residência. No caso de Eduardo, um oficial do STF foi ao seu endereço residencial, num condomínio no bairro Jardim Botânico, em Brasília, no dia 23 de setembro, às 20h30, mas não encontrou o deputado. Informou que a casa, indicada pela PGR como o endereço dele, “encontra-se, inclusive, locada a terceira pessoa”.
Eduardo Bolsonaro hoje vive em Dallas, no Texas, como já declarou em suas redes sociais. Quando é assim, caberia à PGR descobrir o endereço e informar Moraes, para que então ele fosse citado por carta rogatória.
Trata-se do meio pelo qual a Justiça brasileira deve notificar alguém fora do território nacional e submetido à jurisdição estrangeira. Nesse caso, porém, o trâmite é mais demorado, porque envolve uma cooperação jurídica internacional entre os países.
Primeiro, a carta contendo a denúncia tem de ser enviada do juiz do caso para o Ministério da Justiça, que, então, a envia ao órgão congênere nos EUA, o Departamento de Justiça. A carta deve conter a denúncia traduzida para o inglês, identificação e endereço da pessoa, descrição do ato processual requerido, motivos da solicitação, dados do responsável por eventuais custos e assinatura do juiz.
O Departamento de Justiça analisa se o ato pedido – a citação – atende aos requisitos do tratado bilateral entre Brasil e EUA, conhecido como MLAT (Mutual Legal Assistance Treaty), para, então, determinar a citação da pessoa no território americano. Tudo isso torna a citação mais demorada.
No caso de Eduardo, como o oficial de Justiça informou que ele não estava na casa indicada pela PGR, Moraes considerou que ele “está criando dificuldades para ser notificado”. Com base nas postagens do deputado, escreveu que ele está nos EUA “para reiterar na prática criminosa e evadir-se de possível responsabilização judicial” e que é “inequívoca a ciência” dele acerca da denúncia.
Daí a citação por edital, que consiste na notificação do acusado por meio de disponibilização, no Diário da Justiça Eletrônico, do “teor resumido da acusação”. A partir disso, contam-se os 15 dias para que o acusado apresente a resposta.
Entre advogados que acompanham de perto o caso, o procedimento chamou a atenção porque, no caso de Paulo Figueiredo, Moraes optou pela carta rogatória, após uma oficial da Justiça comparecer, na última sexta (26), às 9h30 da manhã, em dois endereços indicados pela PGR que seriam dele no Rio de Janeiro, na Barra da Tijuca, e não o encontrar lá. Num deles, havia uma casa noturna em obras. Em outro, um apartamento ocupado por outra pessoa há cerca de um ano.
Contudo, além de empregar meios de notificação distintos — mais rápido para Eduardo (por edital) e mais lento para Paulo Figueiredo (por carta rogatória) —, Moraes optou por desmembrar a denúncia da PGR, originando dois processos distintos.
Na denúncia, Paulo Gonet não fez esse pedido. Foi um ato de ofício de Moraes, que nem sequer justificou a medida em sua decisão. Simplesmente escreveu na decisão de sábado: “Determino, ainda, o desmembramento do processo em relação a Eduardo Nantes Bolsonaro e Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho, para possibilitar o processamento da denúncia oferecida separadamente em relação a cada um dos denunciados”.
Na prática, o prazo para Eduardo responder à denúncia já começou a correr nesta terça (30) e vence no dia 15 de outubro. Não há previsão de quando começará a contar o prazo de Paulo Figueiredo.
Câmara também pode tornar Eduardo Bolsonaro inelegível
Em outra frente, parlamentares da esquerda articulam na Câmara para cassar o mandato de Eduardo Bolsonaro, devido às suas ausências nas sessões de votação. A cassação também tornaria o deputado inelegível por oito anos pela Lei da Ficha Limpa.
Neste mês, o PL tentou nomeá-lo líder da Minoria, cargo em que faltas não contam, mas o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), rejeitou a nomeação, retomando então a contagem das faltas.
A pressão sobre Motta, visando a ação contra Eduardo Bolsonaro, também partiu de Moraes e Gonet.
Na denúncia, o procurador-geral da República pediu que o ministro enviasse um ofício ao presidente da Câmara sobre a apresentação da denúncia, “para fins de avaliação disciplinar”, ou seja, para um eventual processo de cassação do mandato por quebra de decoro parlamentar. Segundo Gonet, isso seria necessário em razão da nomeação de Eduardo para a liderança da Minoria, “forma de justificação da sua permanência no exterior, de onde desenvolve as suas atividades malsãs”.
Antes de receber a denúncia, Motta rejeitou a indicação de Eduardo para a liderança. Mesmo assim, Moraes enviou a ele o documento com a acusação da PGR.