O ano de 2025 marca uma década da morte de Olacyr de Moraes, empresário paulista que redefiniu a agropecuária no Brasil com uma história de sucesso, mas que terminou a vida com uma dívida estimada em US$ 1 bilhão. Ao longo de sete décadas, sua trajetória personificou as transformações, os avanços e as contradições do país, confundindo-se muitas vezes com a da própria economia nacional.
Conhecido como o “Rei da Soja”, ele transformou milhões de hectares do Cerrado em um celeiro mundial, construiu um império que o colocou entre os homens mais ricos do mundo e viu tudo desmoronar em razão de uma ambição ainda maior: o investimento em ferrovias no Brasil.
Olacyr nasceu em 1931 em Itápolis, no interior de São Paulo. Filho de libaneses que chegaram ao Brasil sem grandes posses, mudou-se ainda na infância para a capital paulista, onde, cedo, começou a aprender o valor do comércio, ajudando o pai na venda de máquinas de costura.
A experiência precoce deu-lhe uma visão prática da economia, em um período em que o país ainda engatinhava na industrialização. “O máximo que nossa indústria produzia eram parafusos, o que era grande conquista, por serem os primeiros fabricados no Brasil”, descreveu, em entrevista concedida nos anos 1980 à extinta Gazeta Mercantil.
O início do império do Rei da Soja
Em 1950, aos 19 anos, ao lado do pai e do irmão Odimir, fundou uma empresa que transportava pedras para pavimentação de ruas, a serviço da prefeitura de São Paulo. Como as obras eram terceirizadas, surgiu a ideia de entrar também na atividade de construção civil.
Em 1957, com a criação da Constran (Construção e Transportes Ltda.), tinha início seu império, que chegaria, em seu auge, a 40 empresas e 25 mil funcionários.
O país era governado por Juscelino Kubitschek e vivia o auge do desenvolvimentismo. O plano de metas de JK (“50 anos em 5”) tinha como ênfase projetos de energia e transporte, além da construção de Brasília, o que fez com que a empresa se desenvolvesse rapidamente com contratos de grandes obras.
O crescimento se acelerou no regime militar, especialmente no período do “milagre econômico”, entre o fim dos anos 1960 e início dos anos 1970, quando o governo investiu maciçamente em obras de infraestrutura. Entre os legados da companhia nesse período estão rodovias, pontes, hidrelétricas e os primeiros trechos do Metrô de São Paulo.
A empreiteira rendeu-lhe não apenas capital, mas principalmente trânsito político e familiaridade com a complexa relação entre iniciativa privada e investimento público, uma dinâmica que seria o motor de sua ascensão e, ironicamente, sua derrocada.
Os lucros da construtora foram aplicados em outros ramos, como o bancário, com a criação do Banco Itamarati. Em 1966, junto com um grupo de empresários, fundou a Orpeca S.A., voltada para a criação de gado no norte do Mato Grosso, aproveitando incentivos fiscais da Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia (Sudam).
O agronegócio e o reinado da soja
A década de 1970 foi o período que rendeu seu reinado no agronegócio. O Brasil precisava aumentar sua produção de commodities, e o Cerrado era sua última fronteira. Em 1973, a oportunidade de Olacyr surgiu a partir de uma crise externa: uma quebra de safra nos Estados Unidos devido a cheias do Rio Mississipi fez o preço internacional da soja disparar.
O regime militar incentivava a ocupação da região Centro-Oeste com crédito farto e, enquanto muitos hesitavam, Olacyr decidiu apostar alto. Por meio da Itamarati Agropecuária S.A., comprou 50 mil hectares de terras no Mato Grosso – que à época abrangia também o atual Mato Grosso do Sul –, importou máquinas modernas, sementes norte-americanas e contratou engenheiros agrícolas para, de forma pioneira, levar o cultivo de soja para a região.
Na fazenda Itamarati, em parceria com universidades e com a Embrapa, passou a financiar pesquisa genética e o desenvolvimento de cultivares adaptados às condições do país. Um dos grandes nomes da pesquisa em biologia do solo no Brasil, Johanna Döbereiner, que chegou a ser indicada ao Prêmio Nobel em 1997, desenvolveu parte de seu trabalho no local.
Nos anos que se seguiram, criou a fazenda Itamarati Norte em uma área de 110 mil hectares em Diamantino (MT), para produzir milho, algodão e soja; a Calcário Tangará, em Tangará da Serra (MT), e a Calcário Itamarati, em Bela Vista (MS), para a exploração de calcário para a correção do solo; e a Usinas Itamarati, em Nova Olímpia (MT), para o processamento de cana-de-açúcar.
O impacto social e econômico na região foi transformador, levando serviços, infraestrutura e milhares de empregos para áreas até então isoladas.
Nas fazendas Itamarati e Itamarati Norte foram construídas vilas para colaboradores e familiares, com escola, igreja, asfalto, rede de esgoto, além de hangares e mais de uma dezena de pistas de pouso.
O auge veio na década de 1980, quando Olacyr foi oficialmente reconhecido como o maior produtor individual de soja do mundo, ganhando o apelido que carregou até o fim da vida. Em 1986, assumiu parte da companhia aérea Transbrasil. Sua fortuna chegou a US$ 1,2 bilhão, o que o tornou o primeiro brasileiro a figurar na lista de bilionários da revista americana Forbes.
Com trânsito entre governos, empresários e banqueiros, personificou o espírito de que o agronegócio poderia ser o motor do desenvolvimento brasileiro. Seu investimento na agricultura colocou o Brasil no mapa mundial da soja – hoje o país é o maior produtor e exportador da oleaginosa no mundo.
A holding Itamarati tornou-se símbolo de modernização agrícola e produção em escala, enquanto Olacyr passou a ser celebrado como um dos maiores empresários do país, com presença constante em colunas sociais, sempre cercado de jovens e belas mulheres.
Em suas propriedades fez 10 mil pesquisas e cruzamentos genéticos, desenvolvendo, por exemplo, o algodão ITA-90, variedade que fez o Brasil deixar de ser importador para se tornar exportador da fibra – o país é atualmente o maior fornecedor mundial do produto.
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“Olacyr foi o precursor de tudo de bom que existe no Cerrado brasileiro”, disse Homero Alves Pereira, presidente da Federação da Agricultura do Mato Grosso, à IstoÉ Dinheiro em 2004.
O início da derrocada de Olacyr
O sucesso o levou a ambições cada vez maiores, culminando em um projeto que superou sua capacidade de sustentação: a Ferronorte. O empresário via a logística do país como um dos principais fatores responsáveis pelo “custo Brasil”, o que reduzia a competitividade de sua produção.
O plano ferroviário seria a solução para conectar o Cerrado ao Porto de Santos (SP), reduzindo drasticamente o frete rodoviário. Lançado como a primeira grande ferrovia privada do país, o projeto exigiu investimentos astronômicos e levou ao endividamento de seu grupo empresarial em níveis alarmantes.
Iniciada em meio à instabilidade econômica dos anos 1990, durante o governo de Fernando Collor, a construção da ferrovia dependia fortemente do apoio e financiamento do governo, o que levou ao seu fracasso. A necessidade de negociações políticas constantes para a liberação de trechos e recursos drenou as reservas do grupo.
A fragilidade dos planos econômicos da década de 1990 atingiu em cheio o agronegócio brasileiro e os negócios de Olacyr, fazendo o sonho da Ferronorte tornar-se um pesadelo para o empresário. As dívidas acumuladas forçaram a venda sistemática de seus ativos.
Em 1996, o Banco Itamarati foi comprado pelo BCN, que no ano seguinte foi adquirido pelo Bradesco. “Não é do meu feitio correr riscos e dar prejuízo aos outros, por isso vendi o Banco Itamarati”, contou. Na sequência, foram vendidas terras, aeronaves e propriedades suas no campo e na cidade.
Em São Paulo, chegou a ser criada uma associação de credores de Olacyr. “Jamais imaginei que, no fim da vida, sofreria tal humilhação”, disse o empresário em entrevista. “Já vendi tudo o que tinha, perdi US$ 1 bilhão e estou fazendo um apelo aos credores: peço que me perdoem, que me desculpem.”
Em 2002, a fazenda Itamarati Norte foi arrendada para o grupo Amaggi, do ex-senador e ex-ministro da Agricultura e Pecuária Blairo Maggi. Em 2004, a fazenda Itamarati foi vendida ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para tornar-se o maior assentamento do Brasil, entregue a mais de 17 mil pessoas.
Sua participação na Ferronorte foi sendo reduzida até o controle da concessão ser assumido pela América Latina Logística (ALL), posteriormente comprada pela Rumo. Em 2010, a Constran foi repassada à construtora UTC.
A falência veio acompanhada de uma crise familiar. Seu filho Marcos de Moraes, criador do primeiro e-mail gratuito do Brasil, o Zipmail, e do portal Zip.net, afastou-se de seu convívio e passou anos sem contato depois de fazer o maior negócio da internet brasileira até então: a venda do negócio para a Portugal Telecom por US$ 365 milhões, em 2000.
“Eram tantas as divergências que nosso relacionamento esfriou”, disse Olacyr, em 2004. “Ele achava que eu me metia em negócios muito arriscados – e estava certo.”
Mesmo endividado, Olacyr nunca perdeu o instinto empreendedor. Sua última empreitada foi na mineração, por meio da Itaoeste. A empresa, criada em 2002 e da qual o empresário detinha 50% de participação, procurava calcário para uso como fertilizante, e, em 2011, acabou descobrindo jazidas de tálio, mineral raro utilizado na indústria eletrônica, em Barreiras (BA).
“Descobrimos verdadeiras maravilhas. Estou em busca de parceiros estrangeiros. Já mandei gente até para a China”, disse a O Globo, na época. A exploração das minas, no entanto, não chegou a ser autorizada até a morte de Olacyr.
Em abril de 2014, ele voltou aos noticiários quando seu motorista, Miguel Garcia Ferreira, funcionário há mais de 20 anos, matou o ex-senador boliviano Andres Fermin Guzmán, que ocupava o cargo de diretor internacional da Itaoeste.
O motorista deu três tiros no boliviano próximo ao Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, enquanto lhe dava uma carona. Em depoimento à polícia, Ferreira disse que estava cansado de ver o chefe ser achacado por Guzmán.
Segundo familiares e empregados de Olacyr, o boliviano se aproveitava do empresário ao prometer que o transformaria no rei do minério. Guzmán pedia empréstimos constantes alegando que precisava de verbas para que o negócio prosperasse. Ele estava com uma mala com R$ 400 mil quando foi assassinado – “um empréstimo que eu fiz a ele”, disse o “Rei da Soja” à polícia, na época.
Nos últimos anos de vida, Olacyr descrevia-se como “um homem rico, mas sem dinheiro”, referindo-se aos ativos imobilizados ou consumidos pelas dívidas. Ele culpava seu “pioneirismo” pela derrocada dos negócios e disse que, “se fizesse tudo de novo, seria mais moderado”.
O ocaso de Olacyr e o legado para o país
Morreu aos 84 anos, em junho de 2015, em São Paulo, em decorrência de um câncer de pâncreas, no hospital Albert Einstein. Durante o tratamento, iniciado um ano antes, chegou a retirar parte do estômago, intestino e pâncreas. Foi velado em cerimônia restrita a familiares e amigos mais próximos e teve seu corpo cremado.
Com dívidas acumuladas estimadas em US$ 1 bilhão, seu legado, como destacaram dezenas de entidades e personalidades públicas após seu óbito, não foi seu patrimônio, mas o desenvolvimento do setor agropecuário e da economia brasileira como se conhece hoje.
“Foi em suas terras que grande parte das pesquisas e cultivos com desenvolvimento de sementes de soja, trigo, algodão, feijão e girassol foi feita”, afirmou o então senador Blairo Maggi, que chamou o empresário de “amigo” e o classificou como um “grande visionário”, em homenagem no Senado.
Em 2018, o grupo Amaggi, da família do ex-senador e então ministro da Agricultura e Pecuária de Michel Temer, adquiriu a totalidade das ações do capital social da Companhia Agrícola do Parecis (Ciapar), empresa que administrava as fazendas de Olacyr, entre elas, a Itamarati Norte. O valor da transação foi de US$ 330 milhões, cerca de R$ 1,1 bilhão na época.
Já a Usinas Itamarati, que vinha sendo administrada pela filha de Olacyr, Ana Claudia de Moraes, desde 2000, passou ao controle da CVCIB Holdings no primeiro trimestre de 2019.
Hoje, o Brasil é líder mundial na produção de soja – a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) prevê para a safra 2024/2025 cerca de 169 milhões de toneladas, quase um terço no Mato Grosso. O país é ainda o maior exportador do grão, dominando 59% do comércio exterior do setor.
Segundo estimativa da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), com uma produção recorde, a agropecuária deverá representar 29,4% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional em 2025.
Aproximadamente metade da produção brasileira de grãos vem do Centro-Oeste, onde quase 30% dos empregos formais e informais estão relacionados ao agronegócio.
Entre 1970 e 2022, a atividade econômica da região cresceu muito acima da média nacional, saltando de 3,8% para 10,6% de participação no PIB brasileiro, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).