A ordem de prisão preventiva de Jair Bolsonaro (PL), determinada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), na madrugada deste sábado (22), foi vista com muitas ressalvas por juristas que acompanham o caso.
As alegações de Moraes ao fundamentar a decisão apontaram risco de fuga por conta de uma vigília de orações organizada pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que ocorreria em frente ao condomínio onde mora o ex-presidente na noite deste sábado. Moraes entendeu que a vigília teria potencial de prejudicar o cumprimento de eventuais medidas judiciais – em outras palavras, que a reunião de pessoas poderia prejudicar a prisão de Bolsonaro ou facilitar uma possível fuga.
Em paralelo, Moraes afirmou que Bolsonaro tentou romper a tornozeleira eletrônica. Segundo o ministro, a violação ao equipamento teria como objetivo “garantir êxito em sua fuga, facilitada pela confusão causada pela manifestação convocada por seu filho”. Em vídeo divulgado pela Polícia Federal, o ex-presidente diz ter passado um ferro de solda no dispositivo, “por curiosidade”.
Para sustentar a tese de que haveria em curso um plano orquestrado de fuga, Moraes somou a realização da vigília à violação da tornozeleira. No entanto, o pedido de prisão pela Polícia Federal ocorreu ainda na sexta-feira (21), enquanto a violação do equipamento teria ocorrido somente na madrugada de sábado. Relato do Centro Integrado de Monitoração Eletrônica, da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Distrito Federal, indica que houve alerta de violação do dispositivo à 0h07.
Para juristas ouvidos pela Gazeta do Povo, os fundamentos usados por Moraes são juridicamente frágeis e reforçam a tese de perseguição política e tratamento desigual.
“Ainda que tenha havido alguma tentativa de adulterar a tornozeleira, haveria outras medidas menos gravosas a serem tomadas, como o reforço na segurança e a advertência. Como muitos analistas têm dito, essa determinação reforça a tese da perseguição e de um tratamento não isonômico”, afirma Alessandro Chiarottino, doutor em Direito Constitucional pela USP.
O defensor público e professor de direito processual da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) José Roberto Porto Mello avalia que as duas hipóteses citadas por Moraes – tanto a de que o aglomerado de pessoas poderia impedir o cumprimento de eventual prisão de Bolsonaro, quanto a de que a multidão facilitaria um suposto plano de fuga – poderiam ser resolvidos mediante reforço policial, e não prisão. “Existem outras medidas no Estado Democrático de Direito que seriam mais adequadas do que a prisão preventiva”, declara.
Para Geovane Moraes, professor de Direito Penal, a decisão é desproporcional e se apoia fundamentalmente na violação do equipamento de monitoração.
“Particularmente entendo que não existe fundamento que justifique a prisão preventiva. Ele já estava em casa, monitorado 24 horas por dia e com agentes da Polícia Federal na porta. Ao que me parece, o ministro Moraes tentou evitar uma comoção maior em relação ao nome de Bolsonaro às vésperas da eventual prisão decorrente da sentença condenatória que deve ser confirmada nessa semana pelo STF”, afirma.
Decisão de Moraes se presta a finalidades políticas, diz jurista
Em relação à tornozeleira eletrônica, o advogado constitucionalista André Marsiglia, especializado em liberdades de expressão e de imprensa, afirma que tal alegação exige a observância do contraditório, o que não ocorreu.
“Romper ou tentar romper a tornozeleira não justifica, por si só e sem contraditório, a conversão da medida cautelar em prisão preventiva”, escreveu Marsiglia no X.
“Mesmo que tenha havido tentativa de rompimento intencional da tornozeleira, o juiz precisa: (1) intimar a defesa para prestar esclarecimentos e, obrigatoriamente, (2) demonstrar que o rompimento indica risco concreto de fuga”, acrescentou.
Segundo o jurista, na decisão de Moraes “não há qualquer indício real de fuga, apenas ilações e conjecturas sobre embaixadas e atos de terceiros”. “Juiz não inventa; juiz decide sobre fatos concretos”, completou.
Marsiglia também afirma que “é inconstitucional prender alguém por atos de terceiros”. “A convocação de vigílias não pode ser imputada a Bolsonaro. Além disso, vigília é exercício do direito de reunião, previsto na Constituição Federal”, diz.
Para o jurista, Moraes cometeu outro excesso ao tratar uma vigília religiosa como “acampamento golpista”.
Em sua decisão, o ministro alegou que há “possibilidade concreta de que a vigília convocada ganhe grande dimensão, com a concentração de centenas de adeptos do ex-presidente nas imediações de sua residência, estendendo-se por muitos dias, de forma semelhante às manifestações estimuladas pela organização criminosa nas imediações de instalações militares, especialmente no final do ano de 2022, com efeitos, desdobramentos e consequências imprevisíveis”.
Na avaliação de Marsiglia, ao tratar uma vigília religiosa como “acampamento golpista”, Moraes dá interpretação política aos fatos. “O objetivo evidente é atribuir à família Bolsonaro responsabilidade pela prisão. A decisão carece de boa-fé, viola princípios básicos constitucionais e se presta a finalidades políticas, não jurídicas, como de costume”, prossegue.
Quadro de saúde delicado de Bolsonaro não foi levado em conta, questiona advogada
Para Luciana Neves Vidal, mestre em Direito Penal, é preocupante a desconsideração do quadro de saúde de Bolsonaro.
A defesa do ex-presidente havia solicitado, na última sexta-feira (21), a concessão de prisão domiciliar humanitária em substituição ao regime inicial fechado fixado em sua condenação. Os advogados destacaram que a saúde de Bolsonaro está “profundamente debilitada” e reforçaram que a situação é “absolutamente incompatível com o ambiente prisional comum”.
“Bolsonaro tem necessidade de cuidado humanitário. Trata-se de uma pessoa idosa, com saúde debilitada e que, pelas limitações estruturais do sistema penitenciário, não teria qualquer possibilidade real de receber acompanhamento médico contínuo, monitoramento clínico ou condições básicas de bem-estar. Ignorar essas circunstâncias seria desconsiderar princípios constitucionais como dignidade da pessoa humana, razoabilidade e proporcionalidade”, avalia Luciana.
“Considero que o que está acontecendo com Bolsonaro ultrapassa os limites jurídicos e assume contornos claros de perseguição política. Mesmo nesse contexto, a prisão domiciliar é a única medida que se impõe – não como privilégio, mas como garantia humanitária, como respeito aos direitos fundamentais e como forma de impedir que a execução penal se transforme em pena de morte indireta”, prossegue.
MT City News MT City News é o seu portal de notícias do Mato Grosso, trazendo informações atualizadas sobre política, economia, agronegócio, cultura e tudo o que acontece no estado. Com uma abordagem dinâmica e imparcial, buscamos levar a você as notícias mais relevantes com credibilidade e agilidade.

