quinta-feira , 13 novembro 2025
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Regra fiscal pode travar aumento de gastos e promessas de Lula em 2026

O rombo das contas federais em 2025 e as punições previstas no arcabouço fiscal colocam o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em uma sinuca de bico envolvendo o Orçamento de 2026, cuja votação está atrasada e foi adiada pelo menos duas vezes no último mês. A depender da interpretação da regra fiscal, Lula pode ser obrigado a limitar gastos e, com isso, deixar de lado medidas que planeja para o ano em que tentará a reeleição.

No Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para o próximo ano, o governo prevê um aumento real superior a 4% nas despesas com pessoal e encargos. No entanto, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU) e as consultorias de Orçamento da Câmara e do Senado, pelas regras do arcabouço fiscal esse aumento não poderia ultrapassar 0,6%.

Toda a questão gira em torno da interpretação do artigo 6º-A da Lei Complementar (LC) nº 200 — a Lei do Arcabouço Fiscal. No PLDO 2026, o governo Lula inseriu um dispositivo solicitando que o Congresso Nacional não considere essa diretriz para o próximo ano.

O artigo 6º-A do arcabouço estabelece que, caso haja déficit primário do governo federal a partir de 2025, ficam vedadas, “no exercício subsequente ao da apuração” e “até a constatação de superávit primário anual”:

  • a promulgação de lei que conceda, amplie ou prorrogue a concessão, ampliação ou prorrogação de benefícios tributários; e
  • o aumento das despesas e encargos com pessoal acima de 0,6%.

A regra foi acrescentada ao arcabouço no fim de 2024, quando o Congresso aprovou um pacote de contenção de gastos enviado pelo governo. Menos de um ano depois, a equipe de Lula pediu que a norma fosse afastada em 2026.

A questão diz respeito justamente à palavra “apuração”. No entendimento do governo, como o resultado primário de 2025 será apurado e divulgado pelo Banco Central apenas em janeiro de 2026, a limitação ao aumento de gastos passaria a valer somente no exercício fiscal seguinte – ou seja, em 2027.

Se há esse entendimento, então, qual a necessidade de o governo solicitar o afastamento da regra na proposta orçamentária? De acordo com o Ministério do Planejamento e Orçamento, a solicitação teve justamente o objetivo de esclarecer que a aplicação dessa regra do arcabouço não vale para o próximo ano.

“Tal orientação, além de gramaticalmente adequada e alinhada com a intenção do legislador, é também aquela que possibilita a implementação efetiva das restrições, que devem ser observadas na elaboração do PLOA 2027 (Orçamento de 2027), conforme estabelece expressamente o inciso II do art. 6º-A (arcabouço fiscal)”, disse a pasta em nota enviada ao Estadão.

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A explicação do ministério, contudo, diverge frontalmente da visão do TCU e das consultorias de Orçamento da Câmara e do Senado sobre a regra do arcabouço.

A interpretação do TCU e das consultorias é de que já em 2026 valem as restrições a aumentos de gastos com benefícios tributários, despesas e encargos com pessoal.

“A lei complementar que instituiu o regime fiscal sustentável (LC 200/2023) foi clara no sentido de que, em caso de apuração de déficit primário do governo central em 2025 (conforme metodologia do Banco Central do Brasil), ocorrência que se afigura inevitável, dada a evolução das contas públicas neste exercício, incidirão já em 2026 as medidas de ajuste fiscal especificadas”, afirma o TCU em seu relatório de análise da PLDO 2026.

As consultorias da Câmara e do Senado, em nota conjunta sobre a PLDO 2026, afirmam que, de fato, durante a elaboração do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) para 2026, o resultado primário de 2025 ainda não terá sido apurado. Porém, apontam que desde já é possível saber que haverá déficit.

“Seguramente já haverá sinalizações nos relatórios bimestrais de receitas e despesas primárias sobre a factibilidade de um resultado nulo ou superavitário, o que asseguraria a adoção desses gatilhos fiscais”, comentam.

Se não fosse assim, argumentam as consultorias, o artigo 6º-A da Lei do Arcabouço não teria eficácia em momento algum, já que, quando o orçamento é elaborado, ainda não se tem o resultado primário do ano corrente.

Redação do arcabouço abre espaço para dubiedade sobre limitação de gastos

Alexandre Andrade, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), afirma que a redação desse trecho do arcabouço, de fato, dá margem a ambas as interpretações.

“O que vale, para a apuração da meta de resultado primário, é a apuração do Banco Central. E o Banco Central vai divulgar o resultado de 2025 somente em janeiro de 2026. Então, existe essa lacuna na legislação”, explica.

O artigo 6º-A, ao se referir ao “exercício subsequente ao da apuração” para a limitação dos gastos, sem outras especificações, pode permitir ambiguidades. Pois o muito provável déficit primário de 2025 só será apurado, calculado, no início de 2026.

Para Andrade, o mais razoável é que as restrições já valessem para 2026, conforme afirmam o TCU e as consultorias da Câmara e do Senado. Em seu relatório sobre a peça orçamentária, elas até admitem que a falta do resultado poderia ser “causa plausível de intervenção na LDO”.

Contudo, na execução do orçamento de 2026, “as vedações [ao aumento de gastos e de benefícios] podem e devem ser observadas”, concluem.

Nesse sentido, somente caberia ser tratada na LDO 2026 uma adaptação da aplicação do próprio art. 6º-A da Lei do Arcabouço durante o período em que não se conhece o resultado primário definitivo de 2025, ou seja, durante o mês de janeiro de 2026.

Hierarquia legislativa: lei menor não pode modificar lei maior

Outro ponto da argumentação do TCU e das consultorias de Orçamento do Congresso é que, além da validade já em 2026, uma mudança na regra não pode ser feita via LDO, que é uma lei ordinária. A Lei do Arcabouço é uma lei complementar, com peso maior que a orçamentária, e uma norma inferior não pode modificar uma superior.

“No extremo, é como se o PLDO 2026 adiasse a eficácia da norma geral para 2027, sem competência para fazê-lo, não apenas pela sua natureza de lei ordinária, mas porque também não lhe cabe disciplinar exercício financeiro para além do de referência, qual seja, 2026”, traz a nota conjunta das consultorias sobre o orçamento do governo para o próximo ano.

Elas comentam ainda que “a norma complementar é explícita ao condicionar o aumento real do montante das despesas com pessoal e encargos acima de 0,6% à obtenção de superávit primário no exercício financeiro imediatamente anterior”.

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Propostas para evitar ajuste são “altamente danosas”, diz TCU

A análise técnica do TCU também aponta possíveis danos do afastamento das limitações ao aumento de despesas em caso de déficit, chamando a atenção para o ano eleitoral.

“Propostas que pretendem afastar essas medidas de ajuste para possibilitar aumento de despesas em ano eleitoral são ilegais, altamente danosas para as finanças públicas e vão de encontro ao princípio da responsabilidade na gestão fiscal”, afirma o TCU em seu relatório de acompanhamento do projeto da LDO.

Conforme mostrado pela Gazeta do Povo, o governo ainda precisa de R$ 27,1 bilhões para fechar as contas de 2025 com R$ 31 bilhões de déficit, no limite inferior da meta, segundo cálculo da IFI. Isso sem contar os R$ 42,8 bilhões gastos fora da meta e do resultado primário entre janeiro e setembro deste ano.

Segundo o dado mais recente do Banco Central, a dívida pública atingiu o equivalente a 78,1% do PIB em setembro. Com base no cenário de junho deste ano, considerando os juros e o ritmo de crescimento da dívida e do PIB, a IFI estima que, entre 2027 e 2035, a média dessa razão será de 105%.

Entendimento pode afetar até mesmo isenção do Imposto de Renda

Além dos impactos econômicos, a forma como a regra do arcabouço será aplicada em relação ao déficit e ao aumento de gastos pode trazer consequências significativas para o governo Lula, especialmente diante de um ano eleitoral.

Se aplicada conforme o entendimento do TCU e das consultorias de orçamento, projetos fundamentais do governo podem ficar ameaçados, como a isenção do Imposto de Renda (IR) para quem recebe até R$ 5 mil – que foi aprovada pelo Senado na quarta-feira (5) e só depende da sanção presidencial –, além de acordos com o funcionalismo.

“O problema é que 2026 é um ano eleitoral, o governo já começou a fazer alguns acordos com categorias do funcionalismo e se comprometeu com reajustes de vencimentos. Então, fica difícil equacionar essas variáveis todas”, afirma Andrade, da IFI.

Outras iniciativas aventadas pelo governo, como tarifa zero para o transporte público, aumentos nos repasses do Bolsa Família e o programa de incentivo a data centers (Redata) também podem se tornar inviáveis, a depender do que o Congresso decidir sobre o orçamento do próximo ano.

Relator do orçamento retirou trecho que indica restrições em 2027

O relator da LDO no Congresso, deputado Gervásio Maia (PSB-PB), retirou o trecho que busca afastar a limitação de gastos em 2026, mais especificamente o artigo 28. Caso a exclusão seja mantida, o governo provavelmente não poderá aumentar as despesas com pessoal e os benefícios tributários na escala planejada.

Se isso ocorrer, será necessário fazer ajustes no Orçamento, cuja aprovação já se encontra atrasada e, de certa forma, emperrada no Congresso. As expectativas são de que a LDO seja votada no início de novembro.

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