segunda-feira , 10 novembro 2025
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Custo de herança pode mais que dobrar e força famílias a revisar sucessão

Famílias podem ter de começar a correr para revisar seus planejamentos sucessórios diante de mudanças na legislação tributária que devem elevar drasticamente o custo de transmissão de patrimônio (herança) no Brasil. O custo total, hoje em torno de 6%, pode mais que dobrar nos próximos anos.

Projetos em tramitação no Congresso elevam a alíquota máxima do ITCMD – tributo estadual – de 8% para 16%, tornam o imposto progressivo em todos os estados e adotam o valor de mercado dos bens como base de cálculo. Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo recomendam antecipar decisões antes que as novas regras entrem em vigor.

O Projeto de Lei Complementar 108/2024, aprovado pelo Senado e em análise na Câmara, é o principal vetor dessas mudanças. O texto torna obrigatória a progressividade do Imposto sobre Transmissão de Bens Causa Mortis e Doações (ITCMD), estabelece o valor de mercado como base de cálculo e fecha brechas usadas para evitar o imposto em doações e heranças.

Combinadas com decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) e a busca do governo por arrecadação, as mudanças impõem um novo patamar de exigência no planejamento sucessório.

Por que o governo quer tributar mais a herança?

A pressão por arrecadação é um dos fatores que explica por que o governo avança com tanta velocidade. João Arthur, CIO da Suno Wealth, aponta dois fatores principais: a dificuldade do governo federal de equilibrar as contas e uma agenda política de cunho social que enxerga na baixa tributação sobre herança uma oportunidade de aumentar a receita.

O problema do governo em equilibrar as contas ganhou força desde o início do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). De janeiro de 2023 até setembro, as contas fecharam no vermelho em 26 dos 33 meses, segundo dados do Banco Central. Em setembro, o déficit do setor público consolidado (que inclui União, Estados e municípios) chegou a 0,27% do PIB no acumulado de 12 meses, sem contar os juros da dívida. É o maior nível desde janeiro.

O Brasil tributa menos a transmissão de patrimônio do que países desenvolvidos. O ITCMD tem alíquotas entre 2% e 8% conforme o estado, com média de 4%. Nos Estados Unidos, segundo o Internal Revenue Service (equivalente à Receita Federal brasileira), a tributação federal sobre espólios pode chegar a 40%. Pelo menos cinco estados americanos têm impostos específicos sobre herança com alíquotas de até 16%, segundo a Tax Foundation, influente think tank sobre política tributária.

Segundo o executivo da Suno Wealth, o aumento de impostos sobre a herança no Brasil é uma tendência praticamente inevitável.

A expectativa de alta nas alíquotas tem levado famílias a antecipar decisões de sucessão. Algumas aproveitam oportunidades em estados com tributação mais baixa, como Pernambuco, que cobra 2%. Outras revisam completamente suas estruturas patrimoniais.

Reforma tributária muda regras do imposto sobre herança

O Projeto de Lei Complementar 108/2024 é a principal frente de mudança no ITCMD. O texto regulamenta a segunda parte da reforma tributária e foi aprovado pelo Senado no fim de setembro. Agora retorna à Câmara dos Deputados. As alterações são profundas e mudam o panorama legal do imposto.

Progressividade obrigatória: quem herda mais, paga mais

A mudança mais impactante é a obrigatoriedade da progressividade. Na prática, isso significa que a alíquota do ITCMD será maior para quem recebe heranças ou doações de valores mais altos.

Hoje, o limite máximo do ITCMD é de 8%, fixado pelo Senado. O PLP 108/2024 mantém esse teto, mas já tramita outra proposta (PRS 57/2019), do senador Cid Gomes (PSB-CE), para elevar o limite para 16%.

O impacto será sentido com mais força nos oito estados que ainda cobram alíquota fixa do ITCMD, independentemente do valor do patrimônio. São Paulo é um deles e tem projetos em andamento que podem dobrar a taxa atual de 4%. Para grandes fortunas, a tendência é clara: aumento da carga tributária.

Enquanto isso, estados reagem com mudanças nas regras de isenção. No Amazonas, a Assembleia Legislativa aprovou no dia 21 de outubro a atualização dos valores. O limite para heranças isentas subiu de R$ 400 mil para R$ 1 milhão. Para doações em vida, o teto de isenção passou a R$ 150 mil por ano por beneficiário.

Valor de mercado substitui valor venal e aumenta a conta

Outra mudança que encarece a sucessão é a adoção do valor de mercado dos bens como base de cálculo do ITCMD. A regra substitui o valor venal ou histórico, muitas vezes defasado. É uma demanda antiga do governo: o contribuinte sempre busca declarar o menor valor possível, enquanto o Fisco quer tributar pelo valor real.

A tecnologia tornou essa mudança inevitável. A precificação de ativos ficou muito mais fácil com bases de dados comparáveis. A reforma tributária prevê a criação do Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB), ferramenta que ajudará na fiscalização.

No caso de imóveis, a base de cálculo do Imposto Sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) – tributo municipal – também será o valor de mercado, à vista e em condições normais. Os critérios incluem preços praticados no mercado e localização. Contribuintes poderão contestar o valor atribuído com laudos técnicos.

As novas regras do ITCMD também exigem o valor de mercado para bens intangíveis, como o fundo de comércio (goodwill) das empresas. O PLP 108/2024 determina que a base de cálculo de cotas de empresas em doações e heranças considere o valor real dos ativos da companhia, e não apenas o patrimônio líquido contábil.

PLP 108/2024 fecha brechas usadas para evitar ITCMD

O PLP 108/2024 também elimina práticas de planejamento usadas por algumas famílias para evitar o ITCMD. O projeto fecha o cerco contra simulações. Vitória Siqueira, head de Wealth da Portofino – uma das maiores gestoras independentes do país –, destaca três pontos críticos para famílias que têm empresas ou cotas delas:

  • Reavaliação das cotas de empresas
  • Extinção do usufruto para cotas de empresas
  • Fim de empréstimos e vendas simuladas

Reavaliação das cotas de empresas

A base de cálculo passa a considerar o valor real dos ativos da empresa, e não apenas o patrimônio líquido contábil. Na prática, isso evita que cotas sejam transferidas por valores artificialmente baixos.

Extinção do usufruto em doações de cotas de empresas pode gerar nova tributação

A extinção do usufruto em doações de cotas de empresas ou imóveis será considerada uma nova doação se houver lucros ou rendimentos acumulados que não foram distribuídos ao usufrutuário.

Exemplo prático: Um pai doa cotas da empresa ao filho, mas reserva para si o usufruto (direito aos lucros). Durante anos, a empresa acumula lucros que não são distribuídos. Quando o pai morre, esses lucros passam automaticamente para o filho. O PLP 108/2024 trata essa transferência de lucros acumulados como uma nova doação, sujeita ao ITCMD.

Fim de empréstimos e vendas simuladas

O texto identifica operações que se disfarçam de transações onerosas (vendas, empréstimos), mas que, na prática, são doações disfarçadas. Exemplos clássicos: empréstimos familiares em que o dinheiro nunca retorna, ou vendas de cotas do pai para o filho que nunca são pagas.

“O projeto fecha espaços de planejamento em que havia dúvida se o ato era doação ou compra e venda. Ter isso escrito de forma expressa facilita muito a fiscalização”, afirma Vitória Siqueira.

Reforma do consumo pressiona holdings imobiliárias

A reforma tributária sobre o consumo, que cria o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), também afeta o planejamento sucessório, especialmente estruturas com imóveis.

O novo sistema adota o modelo de IVA Dual (IBS e CBS), com alíquota que deverá ficar em pelo menos 26,5%, uma das mais altas do mundo. Holdings imobiliárias devem ser prejudicadas porque, como atividade de alta margem, contratam poucos serviços e terão menos créditos tributários para abater. Já uma indústria, por exemplo, tem muitos gastos com fornecedores, o que gera créditos para compensação.

“A holding imobiliária deve piorar em termos de tributo”, avalia João Arthur. Porém, manter imóveis na pessoa física também gera tributação alta sobre aluguéis, sem grandes vantagens.

Quem já tem uma holding imobiliária funcional e com volume significativo de imóveis dificilmente trará tudo de volta para a pessoa física. A estrutura oferece vantagens de governança e centralização de ativos. Além disso, CBS e IBS também devem incidir sobre a pessoa física com altos rendimentos de aluguéis. O consenso é que a carga tributária vai aumentar e exigirá revisão completa das estruturas existentes.

STF define limites para cobrança do ITCMD

O STF tem definido os limites do que pode ou não ser tributado na sucessão. As decisões da Corte balizam a disputa entre estados, Fisco e contribuintes.

Previdência privada fica livre do ITCMD

Uma vitória importante para os contribuintes ocorreu no fim de 2024. O STF declarou inconstitucional a cobrança de ITCMD sobre valores recebidos por beneficiários de planos de previdência privada, tanto VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre) quanto PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre).

A Corte Suprema rejeitou a tentativa de estados como o Rio de Janeiro de qualificar esses valores como herança. Para o STF, os valores não são herança, mas sim cumprimento de obrigações contratuais firmadas em vida entre o titular e a seguradora. O beneficiário tem um direito próprio, não derivado da sucessão. A decisão se alinha ao Código Civil, que exclui o seguro de vida da herança.

O Legislativo reforçou esse entendimento. O PLP 108/2024, aprovado pelo Senado, incluiu expressamente a exclusão dos benefícios de previdência privada complementar da base de cálculo do ITCMD.

Planos de previdência ganham espaço no planejamento sucessório justamente por essa exclusão do ITCMD. Para quem construiu patrimônio considerável, usar a previdência pode reduzir o custo total da transmissão de bens.

Doação com usufruto: STF manda tributar valor total na doação

Uma decisão importante do STF favoreceu o governo e impactou negativamente famílias que planejaram a sucessão usando reserva de usufruto.

No fim de 2023, o STF decidiu, com repercussão geral, que a doação de bens com reserva de usufruto deve ser tributada integralmente no ato da doação, e não apenas quando o usufruto se extingue, após a morte do doador.

Como funcionava antes: Famílias doavam imóveis ou cotas de empresas para filhos, mas mantinham o direito de usar os bens ou receber os lucros (usufruto). A estratégia era pagar o ITCMD sobre um valor menor na doação, já que o bem ainda tinha usufruto. Depois, na morte do doador, pagavam pouco ou nada sobre a extinção do usufruto.

O que mudou: Com a decisão do STF, essa prática acabou. A tributação agora incide integralmente sobre o valor total do bem no momento da doação. O entendimento é que a propriedade se consolida no ato da doação, mesmo com usufruto reservado.

João Arthur lembra que essa mudança já tinha sido sinalizada. Em 2021, o STF definiu que o ITCMD é devido pela alíquota vigente no momento da transmissão (doação ou óbito). Se a alíquota subiu entre a doação e a morte do doador, vale a alíquota vigente na morte. Essa decisão já mostrava que, para o Tribunal, a tributação deve estar vinculada ao valor total da doação.

O que famílias podem fazer para se adaptar

Diante do aperto regulatório, especialistas recomendam que famílias revisem seus planejamentos sucessórios com urgência e busquem alternativas ainda disponíveis, embora mais complexas.

Antecipar doações antes das novas alíquotas

A estratégia mais comum é antecipar doações para aproveitar alíquotas mais baixas ainda em vigor em alguns estados. Famílias correram para estados com tributação menor, aproveitando janelas de oportunidade antes das mudanças.

Atenção: há tempo de carência para que a mudança de domicílio seja válida para efeito tributário. Não adianta transferir residência uma semana antes da doação.

Usar previdência privada (VGBL e PGBL)

A decisão do STF e o PLP 108/2024 consagraram a previdência privada como instrumento livre do ITCMD. É hoje um dos principais veículos para planejamento sucessório.

A previdência privada escapa do ITCMD e permite que o beneficiário receba os recursos de forma rápida, sem inventário. A flexibilidade na definição de beneficiários é outro ponto positivo.

Reavaliar holdings patrimoniais

Para quem tem holdings, especialmente imobiliárias, o momento exige reavaliação da estrutura. A reforma tributária sobre o consumo impõe custos adicionais, mas isso não inviabiliza a manutenção da holding se ela cumpre funções de governança e organização patrimonial.

João Arthur recomenda que as famílias revisem toda a estrutura montada ao longo dos anos. “Não necessariamente desfazer tudo, mas ajustar conforme as novas regras. O advogado tributarista deve estar presente nessa revisão”, afirma.

Janela de oportunidade para herança está se fechando

A mensagem dos especialistas é clara: não há tempo a perder. O ambiente regulatório está se fechando rapidamente. As janelas de planejamento que ainda existem hoje podem desaparecer nos próximos meses.

O PLP 108/2024 ainda precisa passar pela Câmara dos Deputados, mas a expectativa é de aprovação nos próximos meses. Estados também avançam com suas próprias legislações para adequar o ITCMD às novas diretrizes de progressividade e valor de mercado.

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