Governo e oposição deram as mãos no Congresso e inventaram mais duas contas para o brasileiro pagar.
Uma será cobrada direto na fatura de energia. A outra vai aumentar a dívida pública. Ambas foram aprovadas por ampla maioria, com apoio de governistas e oposicionistas. Só falta a sanção do presidente Lula.
Conta de luz: consumidor pagará por energia que não consumiu
Comecemos pela conta de luz. O Legislativo decidiu, dentro do que se convencionou chamar de “reforma do setor elétrico”, que os consumidores têm de indenizar grandes usinas de energia eólica e solar que são obrigadas pelo Operador Nacional de Energia Elétrica (ONS) a reduzir a produção em determinados momentos.
O chamado curtailment serve para equilibrar oferta e demanda, evitando sobrecargas e apagões por excesso de geração. Esse tipo de corte ocorre principalmente entre o fim da manhã e o início da tarde, quando estão no pico a micro e a minigeração distribuída de energia solar – painéis instalados em telhados de casas e empresas, por exemplo.
(No fim da tarde, quando a geração solar cai a zero e o consumo aumenta, o risco é de apagão por falta de energia.)
Os grandes geradores reclamam do prejuízo provocado pelo curtailment e buscam ressarcimento na Justiça. Pois o deputado Danilo Forte (União-CE) propôs um atalho: que as perdas sejam logo cobradas na conta de luz. Algo em torno de R$ 7 bilhões.
Quase todos os deputados e senadores concordaram. A Medida Provisória 1304 foi aprovada em votação simbólica na Câmara – onde apenas o partido Novo se opôs – e no Senado.
(Não será a primeira vez que o brasileiro paga pelo que não consumiu. No início do século, por exemplo, foi obrigado a racionar e depois teve de reembolsar companhias elétricas pela queda no faturamento. Na escassez ou na abundância, todo revés do setor é cobrado do consumidor.)
Que medidas o Congresso tomou para atacar as distorções que levam o Brasil a correr risco de apagão por excesso de energia em alguns momentos e por falta dela em outros? Nenhuma.
Ninguém quer mexer, por exemplo, nos subsídios que desorganizam o setor. Apenas neste ano, o consumidor já pagou R$ 40 bilhões, dos quais R$ 25 bilhões para fontes incentivadas (renováveis) e geração distribuída.
Os parlamentares podem alegar que criaram um limite para esse tipo de incentivo. Será inócuo, pois também abriram uma lista de exceções ao teto.
O mesmo Parlamento, vale lembrar, aprovou meses atrás outras benesses a geradores de energia, que podem encarecer a tarifa em quase R$ 200 bilhões nos próximos 25 anos. Os corredores de Brasília são mesmo sensíveis aos argumentos do ramo.
Os parlamentares podem alegar que aliviaram o consumidor ao aprovar a nova Tarifa Social, proposta pelo governo Lula, que zerou a fatura da população mais pobre. Só que, para compensar, os demais pagarão mais caro.
Ah, mas a reforma abriu o mercado livre de energia às residências, que assim poderão escolher seu fornecedor – e, quem sabe, economizar um pouco. É verdade. Mas não agora; só daqui a três anos.
Defesa terá até R$ 5 bilhões ao ano fora das regras fiscais
A outra conta é a permissão para desembolsos de até R$ 5 bilhões ao ano com “projetos estratégicos em defesa nacional”. Eles não estarão sujeitos ao limite de gastos do arcabouço fiscal nem serão contabilizados para a meta de resultado primário.
Trata-se, portanto, de uma nova exceção, que abrirá espaço extra para despesas do governo.
Não há desta vez a justificativa de que se trata de gasto imprevisto ou emergencial; parecem ter bastado o carimbo de “estratégico” e a alegação de que a indústria nacional de defesa será fortalecida e vai gerar empregos.
(Embora as Forças Armadas costumem reclamar de desprestígio, a defesa já é dona do segundo maior orçamento de investimentos da União, atrás apenas de transportes e à frente de áreas como urbanismo, educação, saúde, segurança pública, ciência e tecnologia, saneamento e outras.)
A proposta de ampliar gastos à margem da contabilidade oficial veio da oposição, em geral crítica às artimanhas fiscais da gestão Lula. A base governista pôs de lado as diferenças e abraçou a ideia com entusiasmo.
O Projeto de Lei Complementar 204/2025 foi proposto pelo senador Carlos Portinho (PL-RJ) e relatado no Senado pelo líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP). Passou por 57 votos a 4. Na Câmara, onde foi relatado por General Pazuello (PL-RJ), foram 360 votos a favor e 23 contrários.
A nova licença se soma aos mais de R$ 330 bilhões que Lula foi autorizado a gastar fora das regras desde o início de 2023. O arranjo parece dar ao ministro Fernando Haddad a tranquilidade de dizer que as contas públicas estão nos trinques e que crise fiscal “é um delírio”.
(O titular da Fazenda parece bem menos sossegado quando cobra o Congresso a ampliar a carga tributária.)
Dentro ou fora da contabilidade oficial, gasto é gasto. Como o governo opera no vermelho, o efeito aparece na dívida pública, que desde o início do mandato subiu de 71,7% para 78,1% do PIB. Lula, Haddad e seus companheiros reclamam dos juros, mas boa parte do aperto se deve à situação das contas públicas. Azar de quem tem prestação a pagar.
MT City News MT City News é o seu portal de notícias do Mato Grosso, trazendo informações atualizadas sobre política, economia, agronegócio, cultura e tudo o que acontece no estado. Com uma abordagem dinâmica e imparcial, buscamos levar a você as notícias mais relevantes com credibilidade e agilidade.
