Apontado por aliados como o escolhido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para ocupar uma vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), o atual advogado-geral da União, Jorge Messias, acumula uma série de posições institucionais e pessoais que contrariam o agronegócio brasileiro.
Desde que foi escolhido por Lula para comandar a Advocacia-Geral da União (AGU), o advogado, prestigiado por entidades como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), já se colocou pessoalmente contrário a interesses do agro em questões que envolvem o embate do setor com questões sociais e ambientais.
Em junho, durante evento promovido pela Escola Superior da AGU e pela Procuradoria Nacional de Defesa do Clima e do Meio Ambiente (Pronaclima), órgão criado por Messias, ele enfatizou o compromisso da instituição com a agenda ambiental e climática. Institucionalmente, como representante do governo Lula, alterou entendimentos do órgão em oposição a pautas de agricultores e pecuaristas.
Mais do que compromisso oficial, as decisões refletem opiniões pessoais do ministro, evidenciadas em sua tese de doutorado, defendida na Universidade de Brasília (UnB), em 2024.
No trabalho, apresentado no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional da instituição, ele classifica o período de 2016 a 2022 – governos de Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL) –, como “de singular regressão”, “no qual a ausência de um projeto de desenvolvimento combinada a um negacionismo transversal minimizava praticamente todos os riscos”, citando, entre exemplos “os ciclos agrícolas”.
Para ele, a época foi marcada por colocar a acumulação primitiva como eixo estruturador da economia do país.
“Atividades agropecuárias e mineradoras passaram a operar, com ainda mais intensidade, na lógica colonial, com a aceleração e/ou intensificação das taxas de desmatamento, do uso de agrotóxicos, da violação de direitos das populações tradicionais, de grandes acidentes ambientais e de desrespeito no encaminhamento de reparações”, escreveu.
“Essa lógica predadora passou a ser verificada não apenas em áreas de fronteira agrícola, como também em zonas consolidadas do agronegócio e da mineração, que operam sob o controle de modernas empresas capitalistas.”
Messias mudou entendimento da AGU sobre necessidade de recomposição de mata atlântica em propriedades rurais
Ainda em maio de 2023, meses após assumir a AGU, Messias alterou um entendimento do órgão relacionado a propriedades rurais que ocupam áreas de Mata Atlântica.
Até então, a posição da AGU era a de que ocupações realizadas até 22 de julho de 2008 em áreas do bioma poderiam manter atividades agrossilvipastoris mediante a conservação de remanescentes de vegetação nativa – conforme estabelece o Código Florestal (Lei 12.651/2012) –, sem a necessidade de recomposição ambiental prevista na Lei da Mata Atlântica (11.428/2006).
Por meio de parecer elaborado pela Consultoria-Geral da União, com o auxílio da Pronaclima, a AGU passou a entender que a Lei da Mata Atlântica deve prevalecer sobre os dispositivos do Código Florestal.
O deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) apresentou requerimento endereçado a Messias questionando a decisão, em razão de seu impacto sobre pequenos produtores rurais.
“É imprescindível solicitar esclarecimentos detalhados acerca dos fundamentos utilizados para justificar essa mudança de posicionamento”, diz trecho do requerimento. “É de extrema importância que a população compreenda os meios e implicações dessa decisão.”
Em resposta, Messias afirmou que “foram sopesados os argumentos jurídicos que conduziram a modificação do entendimento, assim como dados oferecidos pelos ministérios do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Agrário e as contribuições técnicas colhidas pela Procuradoria Nacional do Clima da AGU, baseados em normas e regulamentos vigentes e aplicados na região do Bioma da Mata Atlântica”.
Apesar disso, disse não terem sido objeto de apreciação medidas de políticas públicas para mitigar eventuais impactos, especialmente quanto à impossibilidade de regularização ambiental de imóveis rurais e ao acesso a linhas de crédito ou de financiamento.
Tampouco estaria na competência da AGU, segundo Messias, os potenciais impactos sobre a produção de alimentos, considerando a imposição de recomposição de vegetação nativa, cabendo a atribuição ao Executivo.
Sob Messias, AGU alinhou-se ao STF contra agro em tese sobre marco temporal
Sob a gestão de Messias, a AGU também mudou o entendimento em relação à Lei do Marco Temporal (14.701/2023), aprovada pelo Congresso com apoio da bancada do agronegócio. A tese estabelece que só podem ser demarcadas terras que já eram ocupadas por indígenas na data de promulgação da atual Constituição, em 5 de outubro de 1988.
Durante o governo Bolsonaro, quando comandada pelo atual ministro do STF André Mendonça e posteriormente por Bruno Bianco Leal, a AGU havia se manifestado no STF a favor da tese do marco temporal.
A partir de 2023, o órgão passou a defender a inconstitucionalidade da lei, alinhando-se ao entendimento do STF, que, em setembro daquele ano, considerou o marco temporal inconstitucional.
Em seguida, o presidente Lula vetou o projeto de lei que instituía o marco. O veto acabou derrubado pelo Congresso dois meses depois e, na sequência, PL, PP e Republicanos protocolaram ações para manter a validade da lei. Entidades que representam os indígenas e partidos governistas também recorreram ao STF para contestar novamente a constitucionalidade da tese.
A discussão ainda não foi superada. O STF instituiu uma Comissão de Conciliação para tentar negociar solução entre partes (povos indígenas, agropecuaristas e governo) para o conflito sobre o marco temporal, mas não houve consenso.
“As teses firmadas durante o julgamento do Tema 1031 não poderão ser objeto de conciliação, em especial a denominada ‘teoria do marco temporal’, por se tratar de matéria já exaustivamente decidida por essa Suprema Corte”, diz documento assinado por Messias em junho de 2024.
Messias defende Moratória da Soja, que proíbe compra de grãos produzidos em áreas desmatadas legalmente
Em março deste ano, Messias enviou documento ao STF manifestando-se a favor da revogação da Lei Estadual 12.709/2024 de Mato Grosso, que acabava com benefícios fiscais a empresas que aderem a compromissos ambientais, como a Moratória da Soja, pacto multissetorial que proíbe a compra da commodity produzida em áreas desmatadas da Amazônia após julho de 2008.
Produtores de soja da região argumentam que a legislação brasileira permite o desmatamento de forma legal dentro da Amazônia de até 20% da propriedade, com a preservação dos 80% restantes. O pacto, contudo, não faz distinção de desmatamento legal ou ilegal, o que, para o setor, limita a produção e a livre concorrência.
A Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja MT) considera que a Moratória da Soja impõe barreiras comerciais injustas aos produtores, “sobretudo os pequenos e médios, impedindo a comercialização de safras cultivadas em áreas regulares e licenciadas”.
Em ação direta de inconstitucionalidade (ADI) proposta por PCdoB, PSOL, PV e Rede, Messias manifestou-se a favor do pedido de revogação da lei mato-grossense.
“De acordo com o ordenamento constitucional, o poder público não pode legitimamente criar subterfúgios à efetividade da proteção ambiental, promovendo medidas que, por vias transversas, possam incentivar a degradação do meio ambiente”, argumentou o advogado-geral.
Para ele, a legislação impugnada “atua em sentido oposto à progressividade, prejudicando empresas do setor agroindustrial que se comprometam, de forma voluntária, a adotar políticas internas voltadas a evitar a aquisição de bens agrícolas oriundos de áreas recentemente desmatadas”.
Em abril, o ministro do STF Flávio Dino restabeleceu a validade do artigo da lei que trata da vedação aos benefícios. Segundo o magistrado, o estado pode basear sua política de incentivos fiscais em critérios diferentes dos estabelecidos por acordos privados, desde que em consonância com a legislação nacional.
Instrumentos como a Moratória da Soja, conforme o ministro, não têm força vinculante sobre a atuação do poder público.
No fim de setembro, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a pedido da Confederação Nacional do Agronegócio (CNA), determinou o fim da validade do pacto a partir de 1.º de janeiro de 2026.
A CNA declarou que a decisão é um “reconhecimento dos efeitos nocivos da Moratória da Soja para o mercado e os consumidores”.
“Mexeu com vocês, mexeu com a gente”: a ligação de Messias com o MST
Um dos principais pontos de controvérsia nessa relação é a ligação de Messias com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). A relação causa estranheza desde a posse do advogado na AGU, em janeiro de 2023, quando um dos fundadores e principais líderes nacionais do movimento, João Pedro Stédile, esteve presente na cerimônia.
“Me estranha o local. Advocacia-Geral da União? O Stédile é economista, faz essas estripulias todas ligadas à reforma agrária, o que estava fazendo lá?”, questionou o engenheiro agrônomo Xico Graziano, em entrevista à CNN, na época.
Em setembro de 2023, Messias ainda foi homenageado em um jantar em São Paulo, organizado por diversas entidades de esquerda e progressistas, incluindo o MST, o Grupo Prerrogativas e o Sindicato dos Advogados de São Paulo (Sasp). O evento contou com a presença de dirigentes do movimento rural, incluindo Stédile.
Um dos momentos mais significativos do alinhamento do advogado com as pautas do MST ocorreu em março deste ano, quando Messias anunciou publicamente que a AGU mudaria sua postura em disputas judiciais envolvendo assentamentos.
Durante evento na cidade de Campo do Meio (MG), ele disse que o órgão passaria a atuar diretamente caso empresas ou proprietários de terras desapropriadas acionem assentados na Justiça. “Eu vim aqui dizer para vocês uma coisa muito importante: mexeu com vocês, mexeu com a gente agora”, declarou.
Portaria assinada por Messias destina imóveis rurais de grandes devedores à reforma agrária
Uma portaria interministerial assinada em novembro do ano passado por Messias, representando a AGU, e pelos ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), Paulo Teixeira, estabeleceu que imóveis rurais pertencentes a grandes devedores da União possam ser destinados à reforma agrária.
Até então, quando a União cobrava uma dívida, como tributos ou empréstimos inadimplentes, o procedimento padrão envolvia a execução judicial, na qual um bem do devedor era penhorado e levado a leilão. Os recursos obtidos com o certame eram destinados ao Tesouro Nacional.
Meses antes, ao assinar parecer permitindo a medida, Messias alegou que a mudança simplificaria o processo de adjudicação e promoveria uma aplicação social para os bens recuperados pela União.
O procedimento já havia sido proposto defendido pela bancada do PT no Congresso ainda durante o governo Bolsonaro, por meio de projeto de lei apresentado pelo deputado federal Carlos Veras (PT-PE).
O relator da matéria na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara, Pedro Lupion (PP-PR), no entanto, apresentou parecer pela rejeição.
Em sua opinião, a medida representaria “uma irresponsabilidade para com outras funções estatais na busca pela maior dignidade dos cidadãos brasileiros”.
Para Lupion, a destinação de imóveis penhorados deveria ser mais ampla, sem se limitar à reforma agrária. “Isso porque a arrecadação advinda com a execução das dívidas fiscais possui uma destinação muito mais ampla que a Reforma Agrária, não havendo uma previsão dos impactos que a medida aqui proposta representará aos cofres públicos e a outras políticas públicas, tais como a educação e a saúde”, apontou.
Uma posição a favor do agro: Messias defende benefícios fiscais para defensivos agrícolas
Em meio às manifestações que contrariam interesses do agro brasileiro, a AGU sob Messias apresentou um posicionamento favorável ao setor. Na ADI 7755, que questiona dispositivos da reforma tributária que preveem benefícios fiscais para defensivos agrícolas e outros insumos agropecuários, o advogado defendeu a constitucionalidade da manutenção dos incentivos.
A ação, ajuizada pelo PV, contesta o artigo da Emenda Constitucional 132/2023, argumentando que conceder incentivos fiscais a agrotóxicos viola preceitos constitucionais como o direito à saúde e ao meio ambiente equilibrado, além do princípio da seletividade tributária.
A manifestação da AGU, assinada por Messias, defendeu a permanência do benefício com base no argumento de que fitossanitários “não são itens de luxo, são insumos essenciais e prioritários da produção agrícola” e que uma “brusca” exclusão dos incentivos teria “consequências desastrosas para a cadeia produtiva envolvida, prejudicando o direito fundamental das pessoas, o abastecimento alimentar”.
Ele alegou ainda que o benefício fiscal de forma isolada não estimula o uso indiscriminado de defensivos agrícolas nem viola a saúde pública ou o meio ambiente.
MT City News MT City News é o seu portal de notícias do Mato Grosso, trazendo informações atualizadas sobre política, economia, agronegócio, cultura e tudo o que acontece no estado. Com uma abordagem dinâmica e imparcial, buscamos levar a você as notícias mais relevantes com credibilidade e agilidade.


