Ativistas da causa ambiental e cientistas anunciaram que vão à Justiça contra a licença do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que autorizou a Petrobras a perfurar poços para explorar petróleo na bacia sedimentar da Foz do Amazonas. A região faz parte de um trecho do litoral brasileiro conhecido como Margem Equatorial.
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O grupo teme prejuízos ambientais nas vésperas da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que o país sediará no próximo mês, em Belém. A Amazônia é vista como um lugar que deveria ser intocável por sua biodiversidade.
“Lula acaba de enterrar sua pretensão de ser um líder climático no fundo do oceano na Foz do Amazonas. O governo será devidamente processado por isso nos próximos dias”, afirmou à Agência Brasil a ex-presidente e atual coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo.
Em nota oficial, o Ibama disse que a decisão ocorreu depois de “rigoroso processo de licenciamento ambiental”.
A autorização foi celebrada pela Petrobras como “uma conquista da sociedade brasileira” e também comemorada pelo Instituto Brasileiro do Petróleo, que reúne empresas do setor e prevê vantagens para o país.
Crise climática
Os cientistas Carlos Nobre e Paulo Artaxo explicaram que a exploração de petróleo na Amazônia deve agravar a crise climática no planeta.
“A Amazônia está muito próxima do ponto de não retorno, que será irreversivelmente atingido se o aquecimento global alcançar 2 graus Celsius (°C) e o desmatamento ultrapassar 20%. Não há nenhuma justificativa para qualquer nova exploração de petróleo”, disse um dos presidentes do Painel Científico para a Amazônia, Carlos Nobre.
“Abrir novas áreas de produção de petróleo vai auxiliar a agravar ainda mais as mudanças climáticas e, certamente, isso vai contra o interesse do povo brasileiro”, disse o integrante do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), Paulo Artaxo.
Outras lideranças de movimentos em defesa do meio ambiente também criticaram a decisão do Ibama. A coordenadora de campanha no Brasil da Iniciativa do Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis, Clara Junger, classificou como “inaceitável” que o governo continue promovendo a exploração de petróleo e gás na bacia Amazônica.
“Essa decisão contraria os compromissos com a transição energética e coloca em risco as comunidades, os ecossistemas e o planeta”, declarou.
A coordenadora da frente de Oceanos do Greenpeace Brasil, Mariana Andrade, critica que a decisão de abrir uma nova fronteira exploratória na Foz do Amazonas “revela uma lógica de lucro que perpetua desigualdades”.
“A Petrobras teria condições de direcionar seus esforços para uma estratégia verdadeiramente voltada à descarbonização e de contribuir de forma coerente com os compromissos climáticos assumidos pelo Brasil”, disse. “Não há transição energética possível quando o alicerce é destruição”.
Para a diretora executiva do Instituto Arayara, Nicole Oliveira, “a decisão de licenciar é claramente política, e não técnica”.
“O valor de uma sonda jamais pode se sobrepor ao valor da vida das comunidades amazônicas, à biodiversidade ou ao equilíbrio climático do planeta”, afirmou.
O Instituto Talanoa, em nota, avalia que insistir na abertura de uma nova fronteira petrolífera na Margem Equatorial afasta o Brasil das recomendações técnicas para uma transição energética que cumpra o Acordo de Paris.
“A aposta em expandir a exploração fóssil, sobretudo em uma região amazônica sensível e ainda pouco conhecida do ponto de vista científico, enfraquece a legitimidade da diplomacia brasileira”, disse a nota do Talanoa.
Governo se defende
Em diferentes oportunidades, como na entrevista que deu a um podcast em junho deste ano, Lula disse que a iniciativa pode trazer recursos financeiros e energéticos para o desenvolvimento do Brasil, e que o mundo ainda não está preparado para abrir mão do carbono.
“Sou favorável a que a gente vá trabalhando a ideia de, um dia, não ter combustível fóssil, mas sou muito realista: o mundo não está preparado para viver sem o petróleo”, disse o presidente.
“A gente não pode abdicar dessa riqueza. O que podemos é assumir um compromisso de que nada será feito para causar qualquer dano ao meio ambiente”, complementou.
Em entrevista coletiva em julho deste ano, na Cúpula dos Brics, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, disse que as contradições sobre a exploração de petróleo e a transição para energias limpas existem no mundo inteiro, e não só no Brasil. “Vivemos um momento de muitas contradições, e o importante é que estamos dispostos a superar essas contradições”.
Petrobras
A Petrobras informou que a perfuração está prevista para começar “imediatamente”, em um poço que fica em águas profundas do Amapá, a 175 km da costa e a 500 km da foz do rio Amazonas.
A perfuração dessa fase inicial tem duração estimada em cinco meses, segundo a companhia. Nesse período, a empresa busca obter mais informações geológicas e avaliar se há petróleo e gás na área em escala econômica. “Não há produção de petróleo nessa fase”, destacou a Petrobras no comunicado.
A empresa afirma que atendeu a todos os requisitos estabelecidos pelo Ibama – órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima – cumprindo integralmente o processo de licenciamento ambiental.
A presidente da companhia, Magda Chambriard, classificou a obtenção da licença como “uma conquista da sociedade brasileira”.
“Revela o compromisso das instituições nacionais com o diálogo e com a viabilização de projetos que possam representar o desenvolvimento do país”, afirmou Chambriard no comunicado.
O Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), entidade de representação do setor de óleo, gás e biocombustíveis, disse que a concessão de licença para a Petrobras trará ganhos econômicos para o Brasil.
“Esta é uma decisão importante que permitirá ao país conhecer melhor o potencial de suas reservas, apoiando a segurança energética e o desenvolvimento socioeconômico da Região Norte”, disse o presidente do IBP, Roberto Ardenghy.