terça-feira , 21 outubro 2025
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Reforma administrativa enfrenta cerco de categorias e questionamentos sobre efetividade

A nova tentativa de emplacar uma reforma administrativa no Congresso reacendeu a disputa entre o discurso de modernização do Estado e a resistência de corporações do funcionalismo. O pacote de medidas em discussão na Câmara, que inclui uma proposta de emenda à Constituição (PEC), um projeto de lei complementar (PLP) e um projeto de lei ordinária (PL), pretende atacar distorções salariais, reorganizar carreiras e criar mecanismos de avaliação por resultados.

Mas o texto ainda está cercado de incertezas — tanto sobre o que realmente mudará na prática quanto sobre sua viabilidade política. O deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), que coordena o Grupo de Trabalho que discute a proposta, já sinalizou que a reforma não irá tratar sobre o corte de servidores para redução do tamanho da máquina, como fez Javier Milei na Argentina, por exemplo.

Entidades de servidores falam em risco de retrocessos e enxergam na proposta uma tentativa de “congelar” reajustes e reduzir benefícios. Já aliados do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), defendem que o foco é “corrigir distorções e valorizar o mérito”.

A reforma tem sido encampada por Motta como uma tentativa de marca para sua gestão à frente da presidência da Câmara. Segundo o deputado Pedro Paulo, o pacote é ambicioso e polêmico, “ataca o coração da produtividade do setor público e olha para o cidadão, mas também para o funcionário público”.

Entre outros pontos, a proposta prevê a criação de uma revisão anual de gastos pelo Poder Executivo, inspirada no chamado spending review dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Embora não enterre de vez os “supersalários”, a proposta do parlamentar tenta fechar o cerco contra os “penduricalhos” definindo critérios para a concessão de benefícios.

Pedro Paulo propõe, no entanto, abrir caminho para a criação de bônus por resultado na administração pública. O deputado também prevê novas regras para a realização de concursos públicos, limita o trabalho remoto e restringe outros privilégios do funcionalismo, como as férias de 60 dias.

“Entre as medidas de ajuste, destacam-se o fim dos adicionais por tempo de serviço, a padronização dos adicionais de férias a um terço do salário e a aplicação do teto do STF também às estatais deficitárias. Não está certo estatais terem déficit e pagar salário de mercado para seus executivos”, ressalta o especialista em Direito Previdenciário Washington Barbosa, mestre em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas — integrante do grupo de trabalho responsável pela elaboração da proposta.

Nos municípios, a reforma cria limites para a criação de secretarias e para aumentos de salários de prefeitos, além de restringir gastos com o Legislativo local. Para os estados, haverá um teto de gastos com o Judiciário e o Legislativo, que será influenciado pela variação da inflação.

Além disso, o pacote acaba com a aposentadoria compulsória para magistrados e membros do Ministério Público que sejam condenados por infrações disciplinares. Hoje, juízes e promotores são penalizados com aposentadoria e continuam recebendo salários.

STF pressiona o Congresso contra o avanço da reforma administrativa

Além da resistência das categorias do funcionalismo, a reforma enfrenta agora pressão contrária do Poder Judiciário. Em posicionamento divulgado nesta semana, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Edson Fachin, criticou pontos da proposta elaborada pela Câmara.

Os principais pontos da divergência estão nas medidas que põem fim aos supersalários de magistrados e acabam com a aposentadoria compulsória como forma de punição disciplinar. Fachin afirmou apoiar a ideia de uma reforma administrativa, mas se opõe àquilo que considera interferência na lógica interna do Judiciário.

Após se reunir com o ministro, o relator da reforma, Pedro Paulo, sinalizou que pode fazer ajustes no texto e adotar uma postura de “autocontenção”. “O que a gente tem provocado das instituições, dos Poderes, é uma reflexão: se tem algo que pode ser contido, pode ser ajustado”, afirmou o deputado.

A PEC apresentada limita o período de férias dos servidores públicos a 30 dias, com exceção de professores e profissionais de saúde em condições de risco. Com isso, a proposta vedaria férias de 60 dias no Judiciário — um dos pontos sensíveis para a magistratura.

Pedro Paulo reconheceu que o tema ainda “causa incômodo” por afetar vantagens que, na prática, geram acréscimos salariais. “É basicamente a venda desses 30 dias adicionais, mais o adicional de férias, para aumentar o salário. Esse é um tema que precisa ser aprimorado”, disse o relator.

Outro ponto sob análise é o fim da aposentadoria compulsória para juízes punidos por faltas graves. Pela proposta, a penalidade passaria a ser demissão ou perda de cargo, com o ajuizamento de ação para cassar a aposentadoria.

Em nota, Fachin afirmou que o objetivo da reforma deve ser o de “aperfeiçoar os sistemas de ingresso e garantir a permanência de talentos por meio de remunerações justas, transparentes e compatíveis com o serviço à República”, sem comprometer a independência judicial.

Os tribunais de Justiça gastaram R$ 136 bilhões com salários e penduricalhos de 2018 a 2024. As despesas “eventuais”, que incluem pagamentos retroativos e indenizações de férias, somaram R$ 42 bilhões. As indenizações, como auxílios saúde e moradia, totalizaram R$ 11 bilhões. Os dados do STF não constam na lista divulgada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que fiscaliza os tribunais.

Proposta deve ter tramitação lenta no Congresso Nacional

Apesar da expectativa de Hugo Motta em avançar com a reforma administrativa ainda em 2025, líderes partidários ouvidos pela reportagem afirmaram que o pacote deverá ter uma tramitação lenta no Congresso Nacional. Mesmo parlamentares favoráveis ao texto reconhecem que a votação exigirá negociações prolongadas e pode ser adiada para o fim de 2026, após o ciclo eleitoral.

De acordo com a analista política Raquel Alves, da BMJ Consultores Associados, o pacote contém elementos que tanto atacam privilégios quanto impactam a base do funcionalismo. “Apenas o resultado da votação mostrará se a reforma servirá para atacar privilégios das elites do funcionalismo ou para punir os servidores da base”, afirma.

A analista lembra ainda que o peso político e eleitoral dos servidores explica a dificuldade histórica em aprovar reformas profundas. “Mexer nos interesses dos servidores públicos é, em última instância, entrar em conflito com um universo de eleitores. Basta fazer a ligação e entendemos a fonte da dificuldade para aprovar esse tipo de reforma”, destaca Alves.

Nos bastidores, sindicatos e associações já articulam estratégias de reação, combinando pressão pública e negociação direta com parlamentares. Entidades como o Sindifisco Nacional e a Unafisco afirmam que a proposta “precariza vínculos e ameaça a autonomia de carreiras típicas de Estado”. Uma manifestação de diferentes categorias vem sendo organizada para 29 de outubro em Brasília, como forma de pressionar os parlamentares.

Embora as discussões sobre cargos, carreiras e salários dominem o debate, especialistas alertam que não há reforma administrativa efetiva sem transformação digital profunda.

“Sem digitalização, não há eficiência, não há economia real e não há melhoria efetiva para o cidadão”, afirma Tatiana Ribeiro, mestre em Gestão e Políticas Públicas e diretora-executiva do Movimento Brasil Competitivo (MBC).

Segundo o IBGE, menos de 10% dos serviços oferecidos pelas prefeituras brasileiras estão digitalizados, o que revela o grau de atraso estrutural da máquina pública.

O relatório “Potencializando o uso das Infraestruturas Públicas Digitais no Brasil”, elaborado pelo MBC e pela Frente Parlamentar pelo Brasil Competitivo (FPBC), propõe ações como uma estratégia nacional de governança de dados, padrões obrigatórios de interoperabilidade entre sistemas, capacitação digital de servidores e parcerias público-privadas para acelerar a transformação.

“Aprimorar a digitalização contribui para o bem-estar social, facilita a interação com serviços essenciais e eleva a qualidade de vida”, acrescenta Tatiana.

Para o MBC, uma reforma que se limite a cargos e salários será insuficiente se não atacar o problema central da ineficiência processual e tecnológica. Digitalizar, defende o movimento, é integrar dados, automatizar tarefas e liberar servidores para funções mais estratégicas — gerando economia estrutural e transparência.

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