A reforma tributária mudará as regras para a venda de imóveis no Brasil, criando um custo adicional que vai além do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF). Aprovada em 2023, a reforma estabeleceu novos impostos sobre imóveis para pessoas físicas que vendem propriedades com frequência, e o prazo para reorganização patrimonial está se esgotando.
A mudança envolve dois novos tributos: o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), que substitui ICMS e ISS, e a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), que substitui PIS e Cofins. Juntos, eles seguem o modelo de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) e terão alíquota padrão que provavelmente ficará entre 26,5% e 28%, uma das maiores do mundo.
O segmento imobiliário recebeu tratamento diferenciado, com redução de 50% sobre a alíquota padrão e possibilidade de abater até R$ 100 mil da base de cálculo.
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A reforma também estabelece fiscalização mais rigorosa, com o Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB), que unifica dados de todos os imóveis do país e amplia o controle fiscal sobre patrimônio. Investidores e donos com muitos imóveis precisam reavaliar sua estratégia tributária, apontam especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo.
Quem vai pagar os novos impostos com a reforma tributária
A legislação não atinge vendas esporádicas. O IBS e a CBS incidem apenas quando o volume de operações for entendido como atividade econômica. Para isso, a lei estabeleceu três critérios objetivos.
Mais de três vendas por ano
Você será contribuinte do IBS/CBS se vender ou ceder direitos de mais de três imóveis no mesmo ano. A cessão de direitos abrange operações como o usufruto: quando você transfere o direito de usar e receber os frutos do imóvel mantendo a propriedade. A contagem é feita ao longo do ano anterior. Quem vendeu quatro imóveis em 2026 pagará IBS e CBS sobre as vendas realizadas em 2027. A regra não impõe limite de valor financeiro, como acontece no caso dos aluguéis, apenas quantidade de transações.
Construção e venda recente
A segunda regra visa quem atua como construtor ou incorporador. Quem construir um imóvel e vendê-lo em menos de cinco anos, estará sujeito aos novos impostos. Basta um imóvel para acionar a tributação. Exemplo: terreno comprado em 2027, casa construída e vendida em 2029 – haverá incidência. Venda após 2032 (cinco anos) está isenta.
Não adianta encerrar empresa para driblar as regras
Bianca Xavier, advogada tributarista e professora da Escola de Direito do Rio de Janeiro (FGV Direito Rio), explica que a lei foi desenhada para evitar movimentos óbvios de redução tributária. Encerrar uma empresa para transferir imóveis à pessoa física não altera a carga tributária se o volume de vendas ultrapassar três transações anuais.
Três descontos que reduzem a conta
A reforma criou três mecanismos de redução da carga tributária para o segmento tributário aplicáveis para pessoas físicas e que tornam o impacto menor do que seria em outras atividades.
Alíquota com desconto de 50%
Para vendas de imóveis, a alíquota padrão terá redução de 50%. Se a alíquota padrão estimada for de 26,5% (soma de IBS e CBS), a do setor será de 13,25%.
Imposto só sobre o lucro
O imposto não incide sobre o valor total da venda, apenas sobre o ganho. A lei permite abater o valor investido na aquisição – mecanismo chamado de “memória de custo”. Imóvel comprado por R$ 100 mil e vendido por R$ 150 mil: o imposto incidirá sobre R$ 50 mil (o lucro), não sobre os R$ 150 mil totais. Para imóveis comprados antes de 1.º de janeiro de 2027, poderá ser usado o valor pago atualizado até 31 de dezembro de 2026.
Abatimento de até R$ 100 mil
A lei cria um terceiro benefício: desconto direto na base de cálculo. Em um imóvel vendido com lucro de R$ 200 mil, por exemplo, é possível abater R$ 100 mil, de forma que o imposto incidirá sobre apenas os R$ 100 mil restantes. Os abatimentos variam: R$ 100 mil para imóvel residencial construído e R$ 30 mil para lotes residenciais. Os valores deverão ser corrigidos anualmente pelo IPCA.
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Na prática: quanto será pago de imposto com a reforma tributária
Veja como os três benefícios funcionam juntos, considerando a construção de um imóvel residencial e a sua posterior venda. O cálculo do imposto na venda de imóvel considera os benefícios.
Dados da operação:
- Valor de venda: R$ 500 mil
- Valor investido na construção: R$ 300 mil
- Lucro bruto: R$ 200 mil
Aplicando os benefícios:
- Lucro bruto: R$ 200 mil
- Abatimento de R$ 100 mil: R$ 200 mil menos R$ 100 mil
- Base de cálculo final: R$ 100 mil
Cálculo final:
- Alíquota reduzida: 13,25% (em vez de 26,5%, considerando que a alíquota padrão seja fixada nesse nível)
- IBS + CBS a pagar: R$ 13.250
Se não houvesse os benefícios, o imposto seria calculado sobre os R$ 200 mil de lucro com alíquota de 26,5%, resultando em R$ 53 mil. A economia é de R$ 39.750, ou seja, será recolhido 25% do que pagaria sem os descontos.
Venda de imóvel usado
Para operações mais simples, sem construção, o cálculo segue a mesma lógica:
- Imóvel comprado em 2025 por R$ 400 mil
- Vendido em 2027 por R$ 600 mil
- Lucro: R$ 200 mil
- Abatimento: R$ 100 mil
- Base de cálculo: R$ 100 mil
- IBS + CBS (13,25%): R$ 13.250
O Imposto de Renda continua, mesmo com as mudanças da reforma tributária
A reforma não alterou as regras do Imposto de Renda sobre ganho de capital. O IBS e a CBS são um cálculo adicional, aplicável apenas a quem se enquadrar nas regras de frequência de vendas. O IR permanece para todas as vendas.
O cronograma das mudanças previstas pela reforma tributária
As mudanças da reforma tributária sobre o segmento imobiliário não entram em vigor de uma vez. O processo segue uma cronologia que começou em 2023 e se estenderá até 2027, com etapas que exigem atenção de quem tem e faz negócios com imóveis.
Fase regulatória até o final do ano
A Emenda Constitucional 123 aprovou a reforma tributária, mas deixou os detalhes para leis complementares. Em janeiro de 2025, a Lei Complementar 214 regulamentou as regras específicas para o setor imobiliário, definindo alíquotas, abatimentos e os critérios que determinam quem pagará os novos impostos.
2026: o ano decisivo
2026 é o ano de preparação e monitoramento. A Receita Federal começará a implementar o CIB e aprimorar ferramentas de cruzamento de dados para rastrear movimentações imobiliárias. Mais importante: é em 2026 que se define quem será tributado em 2027.
Se você vender mais de três imóveis em 2026 ou construir e vender um imóvel, estará automaticamente enquadrado como contribuinte de IBS e CBS a partir de janeiro de 2027. Para imóveis adquiridos até 31 de dezembro de 2026, o valor de compra (atualizado) poderá ser usado como memória de custo nas vendas futuras, um benefício que não existirá para compras posteriores.
Janeiro de 2027: início da cobrança
A partir de 1.º de janeiro de 2027, o IBS e a CBS passam a incidir sobre vendas de imóveis para quem se enquadrou nos critérios de volume em 2026. Se foram vendidos mais de três imóveis nesse ano, será necessário pagar em 2027 os novos impostos, aplicando-se a alíquota reduzida e os abatimentos previstos na lei. O próximo ano, portanto, funcionará como uma linha divisória. Vendas realizadas até o fim dele ainda não estarão sujeitas ao IBS e CBS, mas determinarão se você será contribuinte no ano seguinte.
Fiscalização total e a escolha estratégica para quem investe em imóveis
Mas 2026 não será apenas o ano que define quem pagará. Será também quando o maior sistema de fiscalização imobiliária da história entrará em operação. A Lei Complementar 214 criou o CIB, um identificador único para cada propriedade. Hoje, as informações estão fragmentadas: cartórios usam matrículas, prefeituras trabalham com inscrição do IPTU, e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) controla imóveis rurais.
O CIB integrará tudo no Cinter (sistema nacional que integra informações territoriais), dando à Receita Federal visibilidade total sobre o patrimônio imobiliário de cada contribuinte. O cruzamento de dados será automático.
Vinícius Cunha, advogado tributarista e sócio da MCW Advogados, alerta que o fisco ganhará capacidade inédita de identificar inconsistências patrimoniais. A penalidade para quem omitir informações pode chegar a 150% do imposto devido. O CIB também estabelece um “valor de referência” para cada imóvel, com estimativa de preço de mercado baseada em transações reais da região.
Pessoa física ou jurídica?
Com o CIB tornando cada operação rastreável, a escolha entre manter imóveis em pessoa física ou estruturar uma pessoa jurídica deixa de ser apenas uma questão de preferência – torna-se uma decisão estratégica com impacto tributário direto. A principal diferença está na “não cumulatividade”, mecanismo que permite às empresas descontar impostos pagos em etapas anteriores da cadeia.
Pessoas jurídicas podem aproveitar créditos tributários. Uma empresa que paga IBS e CBS ao adquirir um terreno desconta esse valor quando vende o imóvel construído. O imposto pago na entrada da operação reduz o imposto devido na saída. Pessoas físicas não têm acesso a esse mecanismo e pagam a carga cheia na venda, sem compensação.
Os especialistas apontam que para investidores com múltiplos imóveis e operações frequentes, a estruturação em pessoa jurídica ou holding patrimonial tende a ser mais vantajosa pelo aproveitamento de créditos.
Para quem mantém imóveis para uso próprio ou patrimônio sem movimentação, a pessoa física pode continuar adequada, evitando custos administrativos e complexidade de gestão empresarial.