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Reforma administrativa propõe fim de privilégios e provoca reações do Judiciário

Tão logo o projeto da reforma administrativa foi divulgado, na quinta-feira (2), tiveram início as declarações contrárias e críticas sobre a proposta. Entidades sindicais ligadas ao funcionalismo e ao Judiciário já se organizam para realizar manifestações contra a reforma.

Conforme mostrado pela Gazeta do Povo, entre outras medidas, a proposta da reforma administrativa altera benefícios como férias acima de 30 dias e veta verbas indenizatórias que não forem aprovadas pelo Legislativo — os famosos “penduricalhos” que podem exceder o teto remuneratório do funcionalismo.

Segundo levantamento do Movimento Pessoas à Frente, em 2023 em média 0,14% dos servidores civis e militares tiveram suas rendas acrescidas com esse tipo de verba. No Judiciário e no Ministério Público, porém, os pagamentos acima do teto foram bem mais comuns: 93% dos magistrados e 91,4% dos integrantes do Ministério Público receberam acima do teto constitucional, devido a prerrogativas de suas carreiras.

No dia seguinte à divulgação dos textos da reforma administrativa, o ministro Edson Fachin afirmou que não concorda com uma reforma que “mude as regras de autonomia e independência da magistratura”.

“Posso lhes dizer que, como presidente do Supremo Tribunal Federal, não vamos aquiescer em qualquer tipo de reforma que vá tolher a autonomia e a independência da magistratura brasileira”, disse.

Fachin falava aos presentes ao Congresso Brasileiro da Magistratura, promovido pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e pela Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar), em Foz do Iguaçu (PR).

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Relator da reforma administrativa e Fachin se encontraram

Na terça-feira (7), após encontro com o relator da reforma administrativa, deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), Fachin defendeu que a reforma deve ser “ampla e republicana” e reiterou alguns pontos de sua fala aos magistrados.

Por sua vez, o deputado Pedro Paulo afirmou a jornalistas, na saída do encontro, que a proposta da reforma possibilita aos Poderes fazer uma “reflexão” sobre o que precisa ser “contido” ou “ajustado”.

“É possível corrigir alguns pontos, fazer alguma autocontenção de algo que, de certo modo, não foi bem desenhado”, afirmou o relator da reforma. O parlamentar ainda disse que os três Poderes têm “excessos” em relação a remunerações e que podem contribuir com uma “autoavaliação”.

Entidades do Judiciário se mobilizam

Simultaneamente à divulgação dos textos da reforma administrativa, a AMB realizou uma reunião de seu Conselho de Representantes.

O presidente da entidade, Frederico Mendes Júnior, falou sobre mobilizar as associações filiadas nos estados para fortalecer o diálogo com os congressistas sobre a reforma administrativa.

“Não ocorreu o devido diálogo com a sociedade. Essa batalha será travada nos próximos meses. A AMB organiza os trabalhos, mas precisamos de todas as associações regionais para termos força na defesa dos interesses da magistratura”, afirmou.

Proposta reduz benefícios do Judiciário e do Ministério Público

Dentre as medidas que integram a atual proposta da reforma administrativa, há pontos que mexem diretamente com benefícios de algumas carreiras públicas, incluindo a magistratura e o Ministério Público:

  • proibição de férias superiores a 30 dias no período de um ano;
  • veto a qualquer verba remuneratória ou indenizatória que não passe pela deliberação do Legislativo;
  • extinção de aumentos de remuneração ou parcelas indenizatórias retroativas, a não ser por decisão judicial transitada em julgado;
  • veto à concessão de folgas, licenças ou outras verbas para compensar a acumulação de funções administrativas ou processuais extraordinárias;
  • determinação de que verbas indenizatórias devem ter natureza reparatória, episódica, eventual e transitória;
  • proibição ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) de instituírem qualquer verba remuneratória ou indenizatória ou concederem aumento de remuneração ou de parcela indenizatória, inclusive com efeitos retroativos; e
  • limite a auxílios e indenizações a até 10% da remuneração ou subsídio mensal para servidores com salário igual ou superior a 90% do teto constitucional.

Nove em cada dez membros da magistratura recebem acima do teto constitucional

De acordo com o Movimento Pessoas à Frente, um think tank voltado à melhoria do serviço público, enquanto o teto constitucional do funcionalismo em 2025 é de R$ 46.366,19 mensais, 80% da população brasileira apresenta rendimento per capita inferior a R$ 2.361 por mês.

Em 2023, 70% dos servidores públicos ganhavam até R$ 5 mil por mês, enquanto nove em cada dez membros da magistratura recebiam acima do teto constitucional. O ganho médio mensal líquido de juízes naquele ano foi de aproximadamente R$ 60,5 mil. Ao todo, R$ 11,1 bilhões dos cofres públicos foram destinados ao pagamento de salários acima do teto.

Verbas indenizatórias ampliam remuneração

A burla ao teto tem origem na interpretação e classificação de certas verbas como “indenizatórias”. Ao serem classificadas dessa forma, esses benefícios passam a ser isentos do teto constitucional e não sofrem incidência de Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF).

O economista Bruno Carazza, professor da Fundação Dom Cabral e autor do livro O País dos Privilégios, elencou algumas das verbas indenizatórias recebidas por juízes e integrantes do Ministério Público:

  • auxílio-moradia;
  • auxílio-alimentação;
  • auxílio-saúde;
  • verbas de representação;
  • conversão de licença-prêmio em pecúnia;
  • gratificações por acúmulo de função ou de processos;
  • indenizações pelo uso de celular pessoal;
  • ajuda de custo para capacitação;
  • custeio da educação privada de filhos e dependentes.

Atualmente, muitas das decisões sobre o que são verbas remuneratórias ou indenizatórias vêm do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

Mesmo que suas decisões sejam administrativas, elas acabam tendo status de lei ordinária, conforme entendimento corrente no Judiciário. A proposta original da reforma administrativa visa limitar essas decisões, que passariam a ser de competência do Legislativo.

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Reforma prevê fim da aposentadoria compulsória

A reforma administrativa também extingue a aposentadoria compulsória, substituindo-a pela perda do cargo. O mecanismo é utilizado como sanção disciplinar para magistrados e membros do Ministério Público que praticam faltas graves.

Embora não tenha se referido diretamente ao mecanismo, durante sua fala no Congresso da Magistratura, Fachin defendeu a aposentadoria dos juízes, dizendo que é uma “recompensa” pelos serviços prestados.

“Ao final da vida profissional, nós queremos paz, tranquilidade e bem-estar com a família, além da serenidade de que a nossa aposentadoria seja uma recompensa de anos de dedicação e de estradas de chão que cada um de nós pisou na magistratura”, disse.

Reforma tem ponto de fricção com a Constituição

Segundo João Amadeus, advogado especialista em Direito Tributário do Martorelli Advogados, a preocupação de Fachin com a independência do Judiciário é legítima, mas a interpretação da autonomia como uma barreira intransponível para a redução de despesas — como a revisão dos supersalários — é um ponto de fricção.

Daniel Conde Barros, especialista em Direito Administrativo do mesmo escritório, afirma que, de acordo com o artigo 93 da Constituição Federal, a competência para propor leis complementares que disponham sobre o Estatuto da Magistratura é exclusiva do STF.

Propostas que violem essa prerrogativa podem ser reconhecidas como “vício de iniciativa” e, desse modo, passíveis de serem declaradas inconstitucionais pelo STF. Barros avalia que as falas de Fachin podem ser interpretadas como um alerta ao Legislativo sobre a necessidade de respeitar essa divisão de competências.

Briga pela manutenção dos penduricalhos é antiga

Mesmo diante das expectativas do relator por uma “autoavaliação dos Poderes”, as tentativas anteriores de extinguir privilégios não foram adiante. Na mais recente, em dezembro de 2024, o governo Lula tentou limitar os penduricalhos no pacote de ajuste de gastos enviado ao Congresso.

O texto original da proposta de emenda à Constituição (PEC) 45/2024 estabelecia que só poderiam superar o teto do funcionalismo as parcelas “expressamente previstas em lei complementar”. A medida, no entanto, foi substituída na versão final da PEC.

Como uma lei complementar é hierarquicamente superior a uma lei ordinária, se a PEC fosse aprovada em sua redação original, estaria garantido que caberia ao Congresso a decisão sobre quais verbas são remuneratórias ou indenizatórias, pondo fim às interpretações e decisões do CNJ e do CNMP.

Mas a versão aprovada pelo Congresso, que se transformou na Emenda Constitucional 135, permite que sejam pagas as indenizações “expressamente previstas em lei ordinária”.

Dessa forma, o novo texto constitucional abre brecha para a manutenção das decisões tomadas por ambos os Conselhos – uma vez que, no entendimento do Judiciário, elas têm peso de lei ordinária, ainda que não tenham passado por deliberação do Legislativo. O texto da EC, além disso, mantém essas despesas fora da meta de gastos do governo.

Sindicatos e associações de servidores se mobilizam contra a reforma administrativa

Diversas entidades e associações sindicais vinculadas ao Judiciário e ao Ministério Público, entre outros setores, já se posicionaram de forma contrária à proposta. Veja algumas delas:

Sindjus

Antes mesmo da divulgação da proposta, o Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário e do Ministério Público da União no Distrito Federal (Sindjus) organizou uma mobilização no auditório Nereu Ramos, na Câmara dos Deputados. Segundo a entidade, a reforma administrativa representa “uma ameaça direta aos direitos dos servidores públicos e ao funcionamento dos serviços essenciais para a coletividade”.

Frentas

A Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público (Frentas) acompanhou a elaboração e as discussões da proposta no grupo de trabalho da Câmara. Um de seus integrantes, o presidente da Associação Cearense de Magistrados (ACM), Hercy Alencar, manifestou posicionamento similar ao de Fachin.

“Algumas propostas que afetam diretamente as carreiras jurídicas, especialmente a magistratura, são de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal e não poderiam partir de iniciativa parlamentar. Por isso, a Frentas, ao lado de outras categorias do serviço público, mantém posição contrária à aprovação da reforma administrativa”, disse ainda em setembro, quando já eram conhecidos os principais pontos da reforma administrativa.

Sintrajud

O Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal no Estado de São Paulo (Sintrajud) aprovou urgência para a “luta contra a reforma administrativa”. A entidade pede a “rejeição integral da proposta que ameaça destruir os direitos dos servidores e servidoras, os serviços públicos e os direitos sociais da população”.

Sinprofaz

O Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz) se manifestou contra a transformação dos honorários de sucumbência em receita pública, outra medida da reforma. Esses honorários são valores que a parte perdedora de um processo paga aos advogados da parte vencedora, como forma de cobrir os custos da defesa jurídica.

Com a mudança, os valores passariam a ser destinados aos cofres públicos, em vez de serem repassados aos integrantes da Advocacia-Geral da União, aos procuradores federais e aos procuradores da Fazenda Nacional.

O Sinprofaz afirmou que os honorários têm natureza privada, uma vez que são pagos pela parte vencida nas ações contra o Estado, e não pelo Tesouro. “Não configuram despesa para os cofres públicos e não violam o teto constitucional”, disse a entidade.

Colaborou Renan Ramalho

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