O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), marcou para esta quarta-feira (1.º) a votação do Projeto de Lei (PL) 1087/2025. A proposta isenta do Imposto de Renda (IR) quem recebe até R$ 5 mil por mês. Apesar da aprovação dada como certa por integrantes do governo e do Congresso, ainda há resistências quanto às medidas compensatórias para a perda de arrecadação, que visam ampliar a taxação da alta renda.
O próprio relator do projeto, deputado Arthur Lira (PP-AL), confirma a dificuldade. À Agência Câmara, Lira afirmou que há unanimidade para a aprovação da proposta. No entanto, também disse que o desafio do texto está em encontrar equilíbrio na compensação para garantir que cerca de 16 milhões de brasileiros tenham isenção parcial ou total do IR.
O governo parece mais otimista. Na segunda-feira (29), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao participar de evento promovido pelo banco Itaú, afirmou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionará o projeto já em outubro. Segundo o ministro, há um clima “raro” entre governo e Congresso em relação à proposta.
Apesar do entusiasmo de Haddad, há críticas contundentes em relação à efetividade do projeto. Roberto Castello Branco, economista e presidente da Petrobras durante a gestão de Jair Bolsonaro, afirma que a proposta envolve um “mero populismo tributário” e que “o futuro de uma economia não se constrói com transferências”.
Segundo Guilherme Hakme, advogado e coordenador do Conselho Temático de Assuntos Tributários da Federação das Indústrias do Paraná (Fiep), ainda que a entidade reconheça o mérito da ampliação da faixa de isenção do IR, mais uma vez a conta deve recair sobre o setor produtivo, que já arca com altos impostos.
“Se mantidas, as medidas compensatórias podem trazer insegurança jurídica e desestimular investimentos no país”, afirma o jurista. Além de defender a adoção de medidas compensatórias alternativas, a Fiep também cobra que o governo federal faça sua parte com a redução de despesas e uso eficiente dos recursos públicos.
O presidente do Comitê de Transação Tributária da Associação Brasileira da Advocacia Tributária (Abat), Eduardo Natal, avalia que, em vez de simplificar e trazer segurança, o projeto acentua distorções, amplia a carga tributária global e evidencia a prevalência do poder de tributar sobre o equilíbrio e a justiça fiscal.
“É um movimento que reforça a percepção de que o contribuinte serve como fonte de financiamento do Estado, sem que haja a devida preocupação com os impactos econômicos, sociais e empresariais de longo prazo”, disse.
Taxação do lucro empresarial será a maior do mundo, diz indústria
Segundo projeções da Fiep, caso seja aprovado como está, o PL 1087/2025 cria a maior alíquota sobre lucro empresarial do mundo, chegando a 40,6%. O projeto original previa um redutor para evitar bitributação entre pessoa física e jurídica. Lira chegou a retirar esse mecanismo de seu relatório, mas voltou atrás e o manteve no texto final.
“Atualmente, o país já possui uma das mais elevadas cargas tributárias nesse quesito, com 34%, valor significativamente superior à média dos países da OCDE, que é de 23%”, afirmou a entidade em nota.
PL 1087/2025 carece de clareza e técnica legislativa
Eduardo Natal, da Abat, afirma que as preocupações apontadas pela Fiep são pertinentes. Na visão do advogado, a redação da proposta é pouco clara e não indica como a regulamentação será feita, o que aumenta o grau de insegurança jurídica.
“Além disso, não observam mecanismos mínimos de integração entre a tributação da pessoa jurídica e a tributação mínima da pessoa física, abrindo espaço para situações em que a carga global da renda pode se aproximar de 40%”, afirma.
Reforma tributária pode ampliar impactos negativos
Natal ainda chama a atenção para o impacto da proposta associado à entrada em vigor da reforma tributária. A previsão para a alíquota padrão sobre o consumo, que inclui o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), é de 28%.
“Assim, além da elevação da carga sobre a renda, haverá um impacto acumulado no consumo, o que leva a um resultado especialmente oneroso para as famílias, que passarão a enfrentar um sistema concentrando carga elevada tanto sobre a renda quanto sobre o consumo, sem mecanismos compensatórios eficazes”, afirma.
Não há consenso sobre aumentar tributação de dividendos
Em sua análise sobre o PL 1087/2025, a Tendências Consultoria aponta que não há consenso sobre os impactos do aumento da tributação sobre dividendos distribuídos às pessoas físicas.
“Os efeitos são altamente dependentes das características institucionais e estruturais do país em questão. Países com menor desenvolvimento institucional e mercados financeiros menos robustos podem apresentar perdas mais pronunciadas no crescimento econômico”, afirma em nota.
Projeto pode prejudicar arrecadação de estados e municípios
A análise da Tendências Consultoria ainda aponta que as compensações previstas no projeto são suficientes para cobrir a perda de arrecadação causada pela ampliação na isenção do IR.
No entanto, alerta que isso não ocorre com estados e municípios, que apresentam perdas significativas em todos os cenários testados. O projeto original do governo não trazia mecanismos de restituição para os entes subnacionais, mas Lira incluiu uma alternativa em seu relatório (veja a seguir).
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Entenda a proposta do governo e de Lira para aumentar faixa de isenção do IR
Anunciada pelo governo em novembro do ano passado, quando todos esperavam o pacote de ajuste fiscal, a proposta de ampliar a faixa isenta de IR foi encaminhada ao Congresso em março deste ano. É a principal aposta de Lula para a reeleição.
Após aprovação do regime de urgência para tramitação da proposta, Hugo Motta criou uma comissão especial para tratar do tema, que ficou sob a relatoria de Lira. Em julho deste ano, após a apresentação do parecer do relator, a comissão aprovou o novo texto, com expectativas de ser votado em plenário ainda em agosto. A apreciação do projeto, porém, foi adiada.
Em seu relatório, Lira propôs algumas mudanças em relação ao texto original apresentado pelo governo. Veja a seguir os principais pontos da proposta e as modificações feitas por Lira em seu relatório:
Isenção e descontos na alíquota do IR para pessoas físicas
O relator manteve a isenção do IR para quem recebe até R$ 5 mil a partir de 1.º de janeiro de 2026. Na proposta inicial, enviada pelo governo Lula, as pessoas que recebessem entre R$ 5.001 e R$ 7 mil teriam um desconto na alíquota. Em seu relatório, Lira propõe que a redução da alíquota seja aplicada até R$ 7.350 – a partir desse valor, será mantida a tabela progressiva atualmente adotada.
Taxação de altas rendas
No projeto original do governo, quem recebesse entre R$ 600 mil anuais e R$ 1,2 milhão teria uma alíquota progressiva de até 10%, chamada de Imposto de Renda da Pessoa Física Mínimo (IRPFM). Na atual redação da proposta, não precisam ser inseridos no cálculo do IR:
- os rendimentos de poupança;
- as indenizações ou aposentadorias por acidente ou doenças graves; e
- os dividendos recebidos de governos estrangeiros (quando houver reciprocidade), de fundos soberanos e de entidades previdenciárias no exterior.
Tributação de dividendos acima de R$ 50 mil
Para evitar que a arrecadação do imposto mínimo se desse somente em 2027, a proposta original do governo também previu que os dividendos (a parte do lucro empresarial distribuída entre os acionistas) fossem taxados em 10% na fonte já em 2026.
A retenção seria feita apenas sobre os valores que ultrapassassem os R$ 50 mil em dividendos pagos a acionistas residentes no Brasil e em qualquer valor a residentes no exterior.
No relatório de Lira, os dividendos de 2025, mesmo que sejam distribuídos em 2026 ou 2027, apenas serão isentos caso as empresas aprovem sua distribuição até o dia 31 de dezembro deste ano.
Redutores para a distribuição de dividendos
O projeto original do governo previa que a retenção dos dividendos fosse feita apenas por empresas que tivessem algum benefício tributário, a fim de evitar que o imposto mínimo da Pessoa Física incidisse em dupla tributação. Também foi previsto um redutor que seria aplicado quando a soma dos impostos pagos pela empresa (IRPJ e CSLL) superasse:
- 34% para empresas em geral;
- 40% para seguradoras;
- 45% para instituições financeiras.<br>
Ou seja, se a empresa já tivesse uma alta carga tributária incidente, não seria necessário reter os 10% sobre os dividendos a fim de evitar a dupla tributação. Inicialmente, Lira havia retirado o redutor, mas retomou a medida após cálculos da Receita Federal.
LCI, LCA, CRI e CRA
A proposta original do governo excluía da renda considerada para a fixação da alíquota mínima os ganhos de capital, herança ou doação e rendimentos recebidos acumuladamente, bem como títulos e valores mobiliários isentos, poupança, aposentadoria e pensão por moléstia grave, e indenizações.
Em seu relatório, Lira especificou que os títulos incentivados, como LCIs, LCAs, CRIs, CRAs, FIIs, Fiagros e outros, também ficarão de fora da base de cálculo do imposto mínimo para altas rendas.
Compensação para estados e municípios
A isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil por mês poderia gerar perdas na arrecadação para estados e municípios, e o projeto original não deixava claro se haveria alguma forma de compensação. Lira estipulou que a compensação para estados e municípios seja feita por meio do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE) e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS)
Outra mudança acrescentada por Lira é a autorização para que a União use qualquer excedente de receita obtido com o IRPFM como fonte de compensação para o cálculo da alíquota de referência da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Criada pela reforma tributária do consumo, a CBS substituirá cinco tributos federais a partir de 2027.
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Isenção de alíquota para dividendos em 2025 é inviável
Além de questionar a taxação do lucro empresarial, a Fiep ainda afirma que a isenção para dividendos das empresas que aprovarem sua distribuição até 31 de dezembro deste ano é inviável, já que os balanços não estarão fechados até esta data.
A Federação também aponta que a retenção na fonte para valores mensais superiores a R$ 50 mil servirá como uma espécie de “empréstimo compulsório ao governo”. Em grande parte, no cômputo final do imposto anual, esses valores não serão devidos e a restituição levará, em alguns casos, até 17 meses.
Segundo a entidade, a medida “penaliza pessoas físicas com a única finalidade de gerar impacto fiscal nas contas do governo”.
Corte de gastos e tributação de bets são alternativas
Como alternativas para as compensações, a Fiep propõe adotar uma tributação seletiva de 15% sobre a receita bruta das apostas virtuais de cota fixa, as bets. De acordo com a entidade, a alta lucratividade e baixa carga tributária do setor representam um campo adequado para aplicação de medidas fiscais com viés de justiça e seletividade.
A entidade ainda sugere que sejam feitas modificações no mecanismo redutor, incluindo compensação de prejuízos fiscais; exclusão de créditos presumidos de ICMS; depreciação acelerada do IRPJ; Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT); e incentivos previstos na Lei do Bem.
Senado pressiona Câmara para aprovar isenção
A suposta demora na tramitação do projeto do governo na Câmara fez com que uma proposta alternativa ganhasse destaque no Senado Federal: o PL 1952/2019, apresentado pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM).
Aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE) no dia 24 de setembro, com relatoria do senador Renan Calheiros (MDB-AL), a proposta foi enviada à Câmara.
A movimentação foi vista como uma forma de o Senado pressionar a Câmara para que avance na aprovação do PL 1087/2025.
Além da votação prevista para esta quarta-feira (1.º) no Plenário da Câmara, o PL 1087/2025 também precisa ser apreciado pelo Senado Federal. Caso os senadores façam mudanças, ele volta para deliberação da Câmara e, somente após aprovação em ambas as Casas, segue para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.