segunda-feira , 29 setembro 2025
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Espionagem e livre comércio da energia de Itaipu arrastam novo acordo entre Brasil e Paraguai

As negociações para a renovação do Tratado de Itaipu entre Brasil e Paraguai têm um enredo lento e obscuro na diplomacia e com tons dramáticos para o consumidor brasileiro de energia elétrica. Há mais de dois anos, a empresa binacional comemorou o fim do financiamento bilionário de 50 anos para a construção da usina hidrelétrica na fronteira, em Foz do Iguaçu (PR), com a expectativa de que a economia fosse incorporada ao custo da energia.

No entanto, o Brasil passou a gastar mais a partir de 2024, em decorrência de um acordo diplomático criticado pelo setor energético. Além disso, o custo brasileiro teve um acréscimo na gestão petista, que criou os “gastos socioambientais” para justificar investimentos com fins político-partidários, em áreas sem relação direta com a energia gerada por Itaipu.

Assim, a discussão do Anexo C do Tratado de Itaipu se arrasta há mais de um ano e a promessa é que a decisão fique para o apagar das luzes do atual mandato do presidente Lula, no final de 2026. Para aumentar ainda mais a dificuldade de um consenso, o governo federal foi acusado de utilizar a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para espionar o país vizinho durante as negociações da tarifa.

Um dos capítulos mais controversos da negociação ocorreu em abril de 2024, quando o governo brasileiro aceitou a pressão do Paraguai, assinou um novo acordo temporário e aumentou o Custo Unitário dos Serviços de Eletricidade (Cuse) de Itaipu de US$ 16,71 por kW para US$ 19,28 por kW até o final do próximo ano.

Negociações do governo brasileiro com o Paraguai sobre o Tratado de Itaipu estão atrasadas.

Segundo estudo da Consultoria Legislativo, encomendado pela deputada federal Adriana Ventura (Novo-SP), levantamentos da própria Itaipu indicam que a tarifa poderia ser até 50% inferior ao atual nível, após a quitação da dívida e sem a política de custos socioambientais da gestão petista. “A tarifa de Itaipu, preservando todos os demais componentes do custo do serviço de eletricidade, seria de US$ 10,77 por kW em 2023. Como em 2023 foi paga a última parcela da dívida, a tarifa poderia ser de US$ 9 por kW a partir de 2024”, aponta a análise da Consultoria Legislativo.

A deputada Adriana Ventura reforça que o Brasil assumiu o compromisso de concluir o novo Anexo C e precisa cumpri-lo. “Itaipu não pode ser refém de bastidores. O atraso na revisão do Anexo C e as denúncias de espionagem corroem a confiança entre Brasil e Paraguai e penalizam quem paga a conta de luz”. A parlamentar cobra “transparência total, apuração independente e cronograma público para encerrar as negociações, com tarifa baseada apenas no custo do serviço, como bem determina o tratado”.

Uma audiência pública foi marcada por ela no Congresso para o dia 28 de outubro, com o objetivo de esclarecer a composição tarifária da energia de Itaipu e os impactos da inclusão de despesas socioambientais.

Em resposta à Gazeta do Povo, a Itaipu afirma que a usina realiza aportes extraordinários na Conta de Comercialização, totalizando US$ 300 milhões em 2024, para manter a tarifa 26% menor do que em relação ao ano de 2021. “Os aportes estão previstos até 2026, enquanto a tarifa está ‘congelada’ em US$ 16,71/kW. É a menor tarifa das distribuidoras do Sul, Sudeste e Centro-Oeste”, argumenta a binacional.

Em fevereiro deste ano, um novo encontro definiu que o novo Anexo C do Tratado de Itaipu – com base no acordo temporário batizado de “Entendimento entre Brasil e Paraguai sobre Diretrizes Relacionadas à Energia de Itaipu Binacional” – seria concluído até o dia 30 de maio deste ano, conforme o anúncio do Ministério das Relações Exteriores. O Itamaraty não respondeu ao pedido de esclarecimento da Gazeta do Povo sobre o atraso nas negociações. O espaço segue aberto.

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Peña cobra explicação de Lula sobre espionagem para retomar negociações sobre Tratado de Itaipu 

A negociação entre Brasil e Paraguai foi contaminada pela crise diplomática gerada pela revelação de que a Abin espionou o governo paraguaio para obter informações privilegiadas sobre tratativas do novo acordo binacional para gestão de Itaipu. Segundo informações publicadas pelo UOL, no mês de março, o sistema do país vizinho teria sido hackeado para acesso aos dados sigilosos.

O governo Lula culpou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pelo episódio, que é apurado pela Polícia Federal (PL) no âmbito das investigações da “Abin paralela”. Neste mês de setembro, segundo a imprensa paraguaia, o presidente paraguaio, Santiago Peña, voltou a cobrar uma explicação do governo Lula sobre o ocorrido.

Peña afirmou que a retomada da negociação sobre o Tratado de Itaipu depende de um esclarecimento sobre a espionagem do lado brasileiro. “Nós consideramos que é um tema muito grave. Durante a Cúpula do Mercosul, em julho, conversamos com o presidente Lula, que nos disse que estava trabalhando nisso. Estamos esperando”, declarou.

O presidente do Paraguai ainda rebateu a justificativa do petista de que o caso ocorreu no governo Bolsonaro. “A bola está com eles. Não podemos colocar em risco a soberania do Paraguai. Não importa quem era presidente naquele momento. Há o reconhecimento do governo brasileiro de que houve espionagem e merecemos uma explicação”, cobrou o presidente paraguaio durante a entrega de ambulâncias financiadas por Itaipu.

Presidente do Paraguai afirmou que a retomada da negociação sobre o Tratado de Itaipu depende de um esclarecimento sobre a espionagem do lado brasileiro.

De acordo com ele, o acordo com o Brasil que prevê a manutenção da tarifa cobrada para cessão da energia por três anos possibilita os investimentos públicos no Paraguai. “Isso nos dá tranquilidade e permite avançar em grandes investimentos, como hospitais, infraestrutura e educação. Antes a tarifa era negociada todo ano e agora conseguimos um acordo de três anos, o que nos traz previsibilidade.”       

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Livre comércio de energia com países terceiros fere Tratado de Itaipu

Em entrevista à Agência Brasil — órgão de imprensa oficial do governo federal — o diretor-geral de Itaipu, Enio Verri, afirmou que a partir de 2027 existe a previsão de que cada país possa vender livremente a fatia de energia não consumida para terceiros. Isso inclui a possibilidade de negociação com o mercado livre brasileiro – além do mercado regulado – e novos países como parceiros comerciais.

“Cada um pode fazer o que quiser com essa energia no seu país”, adiantou Verri. O presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales, lembra que o Tratado de Itaipu prevê que Brasil e Paraguai têm direito de consumo de 50% da energia gerada pela usina e que a venda do excedente é feita exclusivamente entre os parceiros responsáveis pela usina binacional.

Historicamente, o Brasil compra a energia não consumida pelo país vizinho, mas a expectativa é que o Paraguai passe a utilizar toda a fatia até 2035, por causa do crescimento econômico. “O Anexo C define como é feita a remuneração do capital, os pagamentos de royalties e a tarifa praticada para ambos os países. Essa revisão, que ocorre agora, é de suma importância para os dois lados porque define a sustentabilidade e a competitividade do uso da energia no novo cenário energético”, comenta Sales.

Na avaliação dele, o Paraguai reivindica maior liberdade para dispor da energia e buscar preços mais vantajosos, enquanto o Brasil deveria defender a prioridade de compra, cláusula histórica e central do Tratado de Itaipu. “A venda direta para outros países, que não o Brasil, enfrenta restrições legais importantes. Seria necessário renegociar o tratado ou criar dispositivos bilaterais para permitir isso. Há interesses econômicos evidentes, mas também implicações de segurança energética”, afirma.

O diretor de Assuntos Econômicos e Regulatórios do Acende Brasil, Richard Lee Hochstetler, ressalta que esse tipo de alteração precisa ser aprovado pelo Congresso Nacional, o que não ocorreu em 2005, no primeiro mandato de Lula, quando uma nota reversal incluiu as questões socioambientais na “missão” da usina hidrelétrica. “Uma eventual abertura do mercado, permitindo ao Paraguai negociar energia com terceiros, precisa ser feita com regras claras e que não prejudiquem a estabilidade do suprimento nacional”, alerta.

Há interesses econômicos evidentes, mas também implicações de segurança energética.

Presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales

Procurado pela Gazeta do Povo, o Ministério de Minas e Energia confirmou que o livre comércio é previsto desde o entendimento firmado pelos parceiros no ano passado. “A revisão do Anexo C do Tratado de Itaipu, em tratativa pelas Altas Partes dos dois países, prevê a livre destinação da energia gerada, podendo Brasil e Paraguai vender para qualquer país que tenha interesse.” A Itaipu Binacional respondeu que não se manifesta sobre a negociação, que é uma prerrogativa dos Ministérios de Relações Exteriores dos países sócios.

*Com colaboração de Natália Peres, especial de Foz do Iguaçu para a Gazeta do Povo.

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