terça-feira , 16 setembro 2025
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STF não deve abrir mão de protagonismo político após julgamento de Bolsonaro

A condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe tem sido apresentada pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) como um passo necessário para “pacificar o país” e, assim, retomar a normalidade institucional. Observadores da Corte, no entanto, duvidam desse prognóstico otimista.

Para eles, o fim do processo não deve fazer o STF reduzir os poderes excepcionais que assumiu nos últimos anos. Ao contrário, o tribunal tende a ampliar sua influência sobre os demais Poderes e sobre o cenário político, inclusive nas eleições de 2026.

No último dia 2 de setembro, quando o julgamento começou, o relator, Alexandre de Moraes, discursou contra a anistia, dizendo que a “história nos ensina que a impunidade, a omissão e a covardia não são opções para a pacificação”.

Após a condenação de Bolsonaro, no dia 11, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, se pronunciou manifestando o desejo de que o julgamento seja uma página virada “da vida brasileira”. “Que possamos reconstruir relações, pacificar o país e trabalharmos por uma agenda comum, verdadeiramente patriótica”, disse, apostando que “algumas incompreensões de hoje irão se transformar em reconhecimento futuro”, numa referência implícita às críticas sobre a condução do caso por Moraes, marcada por censura, restrições à defesa e sinais de perseguição política.

Para advogados e analistas críticos do STF, as medidas heterodoxas adotadas pelo tribunal nos últimos anos – como inquéritos sigilosos prolongados, restrições à liberdade de expressão e decisões monocráticas de grande impacto – foram e devem continuar sendo justificadas pelo contexto de ameaça ao Estado Democrático de Direito e para a manutenção da uma “normalidade democrática”.

Para o constitucionalista André Marsiglia, o STF não vai recuar, porque o processo de acumulação de poder é anterior ao processo de Bolsonaro. “É muito difícil o gênio voltar para a lâmpada, muito difícil as roupas caberem na mala na volta da viagem. Os ministros assumiram um papel que ultrapassou a legalidade e não é de hoje, isso ocorre há pelo menos seis anos, e agora será complicado retomar os limites constitucionais”, afirma.

Doutor em Direito e comentarista político, Luiz Augusto Módolo diz que o STF dificilmente voltará à função estritamente técnica e constitucional que deveria exercer, especialmente após as sanções dos Estados Unidos aos ministros – a suspensão de vistos à maioria deles e a aplicação da Lei Magnitsky a Alexandre de Moraes. Para ele, a Corte tende a se manter rígida em suas posições para não ceder à pressão americana.

“O barco deles, em mar revolto e numa tempestade, precisa chegar ao porto de destino — só eles sabem qual —, e não há como voltar atrás”. Ele vê um efeito de inércia na aquisição de poder pelo STF. “A narrativa do ‘golpe’ foi exaustivamente repetida. Os erros [no julgamento] foram cometidos, o custo já foi alto e, agora, só podem seguir em frente”, diz o analista.

Para a doutora em Direito Público Clarisse Andrade, a própria composição do STF impede que haja uma mudança de postura. As próximas mudanças só ocorrerão a partir de 2028. Para ela, ministros se acostumaram a tomar conta da pauta política e jurídica. “Além de ficar cômodo e ter protagonismo, isso gera holofotes que são difíceis de serem deixados para trás depois que se acostuma com eles”, opina.

Outro a não acreditar num retorno à normalidade institucional é o constitucionalista Alessandro Chiarottino. Para ele, a Corte assumiu para si um papel de “poder moderador”, acima dos demais Poderes com a anuência de parte da classe política. Por causa desse apoio, dificilmente abrirá mão dessa posição. “Quando um órgão ou uma pessoa passa a exercer poderes excepcionais, é muito difícil que volte espontaneamente a um ponto em que tinha menos poder”, afirma.

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Tarcísio de Freitas está no radar do STF

Os analistas entrevistados pela reportagem dizem que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, pode entrar na mira dos ministros a depender da escalada de seu tom contra o STF, sobretudo após sua fala durante manifestação em defesa da anistia e de Bolsonaro na Avenida Paulista em São Paulo no dia 7 de setembro.

Em julho, reportagem da Gazeta do Povo mostrou como partidos, entidades de esquerda e corporações do funcionalismo público têm recorrido ao STF para travar as políticas públicas de Tarcísio em São Paulo, dando poder imediato aos ministros para interferirem em sua gestão. O governador é o preferido do Centrão para suceder o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a partir de 2027.

“Tarcísio certamente já está na mira do Supremo, assim como os principais nomes da oposição que sofrem bombardeio de lawfare [guerra jurídica] muito intensa [dos ministros]”, destaca Luiz Augusto Módolo. “Bolsonaro ou quem for apoiado por ele em 2026 vai ganhar a alcunha de extremista, de antidemocrático, vai sofrer um processo de demonização e o STF certamente vai agir sob esse discurso e na defesa da democracia”, completa.

Para Alessandro Chiarottino, quando o STF começou a legislar, criando tipos penais inexistentes no ordenamento jurídico, abriu uma caixa de Pandora. “Atualmente são capazes de enquadrar qualquer um por qualquer conduta que vejam como ameaça aos superpoderes do tribunal e Tarcísio pode sim estar ou entrar na mira”.

Tarcísio de Freitas defendeu de forma enfática a anistia ampla, geral e irrestrita aos réus do 8 de Janeiro, criticou duramente o STF e o ministro Alexandre de Moraes.

Diante de milhares de manifestantes, o governador afirmou que “ninguém aguenta mais a tirania de um ministro como Moraes” e pediu que o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), coloque a anistia em votação imediata.

A postura de Tarcísio foi vista pela direita como um “divisor de águas”. O governador também contestou as provas contra Jair Bolsonaro e classificou como “mentirosa” a delação do ex-ajudante de ordens Mauro Cid. Tarcísio de Freitas acusou o Supremo de promover uma “ditadura de toga” e afirmou que não vai aceitar que um “poder se sobreponha aos outros, nem que “um ditador paute o que devemos fazer”.

Por falas semelhantes, o pastor Silas Malafaia passou a ser investigado por Alexandre de Moraes.

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STF extrapolou suas funções e tem criado precedentes, avaliam juristas

Para André Marsiglia, o STF tem extrapolado suas funções em diversas ocasiões e criou um precedente que deverá se repetir. “No momento em que a legalidade se submete à conveniência, é quase impossível acreditar que, em outra oportunidade, os ministros não façam o mesmo ou não se sintam autorizados a agir novamente fora das regras. Sobretudo porque nada os detém: estão acima de tudo e de todos na posição de ministros”.

Clarisse Andrade enfatiza que o único freio disponível é o Congresso. “Se não há uma autorregulação, o Senado pode conter ministros por meio de processos de impeachment, previstos no artigo 52 da Constituição, além de convocações para prestar esclarecimentos, aprovação de leis que limitem poderes e instalação de CPIs para investigar eventuais abusos, mas não há disposição para isso e assim fica difícil parar um trem desgovernado.”

Luiz Augusto Módolo diz que o STF consolidou um protagonismo sem precedentes desde a abertura dos inquéritos das fake news, em 2019, o chamado inquérito do fim do mundo. Segundo ele, não há indícios de que isso mude em um futuro próximo e, principalmente, focado no poder político. “Já tivemos as eleições de 2020, 2022 e 2024 sob a égide desses inquéritos, e não há sinais de que 2026 será diferente. O STF manterá seus poderes. Nenhum ministro vai abrir mão da influência conquistada”.

Chiarottino ressalta que seria necessário que os ministros tivessem consciência histórica para promover um recuo institucional, mas considera pouco provável que isso ocorra. “Esperar desse atual STF um movimento de self-restraint [autocontenção ou autolimitação] é pedir muito”.

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Recuo pode ser momentâneo, mas não efetivo

Para Marsiglia é possível que ocorra um recuo momentâneo do STF por causa de sanções dos Estados Unidos ou de pressão do Congresso. Ainda assim, não seria algo efetivo. “Pode ser que haja uma contenção estratégica, mas não vejo que isso se sustente. Esses ministros estão há seis anos agindo assim, desde o início dos inquéritos das fake news. Não foi algo que começou agora, com o julgamento do Bolsonaro e certamente não acaba por aí”.

Para Módolo, muito disso tem a ver com a composição da Corte, que deve permanecer praticamente inalterada ainda em 2026, ano eleitoral, o que reforça a tendência de continuidade das ações de ministros, mesmo que ocorra uma suavização momentânea. “A formação do Supremo estará praticamente igual em 2026. Mesmo que surja uma eventual vaga, será preenchida por Lula. Ou seja, seria mais do mesmo, ou pior”.

Marsiglia acredita que qualquer mudança estrutural no STF dependerá de pressões externas, não apenas internacionais, mas vindas de outros poderes. “É difícil acreditar que, depois de seis anos, o STF simplesmente risque o chão e vire a página. Creio que eles terão de ser contidos pelos demais Poderes, porque já deram demonstrações de que não irão se conter sozinhos. Não vejo sequer maturidade institucional para esse recuo necessário”.

Clarisse Andrade vê possibilidade de mudança a partir do fim deste mês, quando Edson Fachin assume a presidência do STF no lugar de Luís Roberto Barroso. “O tribunal pode entrar em uma fase de maior discrição e distanciamento político, em contraste com o estilo mais ativo do atual presidente [Luís Roberto Barroso], mas ainda acho que os ministros seguirão escalando”.

Alessandro Chiarottino avalia a tendência de a Corte seguir exercendo um papel que, segundo ele, vai além da defesa da democracia: “O STF passou a se apresentar como um ‘recivilizador do Brasil’, nas palavras do ministro Barroso, assumindo um papel antiliberal de pedagogo da moral e dos costumes, quando deveria se limitar a ser guardião da Constituição”, diz.

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