sexta-feira , 11 julho 2025
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Atuação do governo em defesa jurídica de Moraes nos EUA expõe falhas na separação de poderes

A decisão da Advocacia-Geral da União (AGU) de acompanhar e preparar minutas de defesa para o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), em um processo aberto nos Estados Unidos reacendeu discussões sobre os limites institucionais e jurídicos da atuação do órgão. Advogados ouvidos pela reportagem divergem sobre a legalidade, pertinência e implicações políticas da medida.

A questão ganha ainda mais relevância diante da decisão do governo de Donald Trump, dos Estados Unidos, de aplicar uma tarifa extra de 50% aos produtos importados do Brasil. Um dos motivos apontados pelo republicano é o processo judicial contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), aliado de Trump, que tramita na Suprema Corte brasileira. Ao anunciar a taxação nesta quarta-feira (9), o governo dos Estados Unidos disse que a forma como o Brasil tratou Bolsonaro “é uma vergonha internacional” e que o “julgamento não deveria estar acontecendo”.

Além disso, Trump mencionou decisões do STF contra empresas de mídia dos EUA. De acordo com o presidente dos EUA, a Suprema Corte brasileira “emitiu centenas de ordens de censura SECRETAS e ILEGAIS a plataformas de mídia social dos EUA, ameaçando-as com milhões de dólares em multas e expulsão do mercado brasileiro de mídia social”.

E foram justamente essas decisões de Moraes que motivaram a ação da Trump Media e da plataforma de vídeos Rumble contra o ministro na Justiça americana. É nesse processo que a AGU atuará na defesa do magistrado. As empresas, alinhadas a Trump, acusam Moraes de censura e alegam que ele impõe ordens de remoção de conteúdos e perfis em redes sociais que afetam cidadãos e residentes nos EUA.

AGU acompanha o caso envolvendo Moraes nos EUA e prepara minuta

Antes da decisão de Trump, na última terça-feira (8), a AGU divulgou nota em que afirmou que, até o momento, não há decisão da Justiça americana determinando a intimação formal do ministro. Apesar disso, a AGU informou que já acompanha o andamento do processo e prepara minutas relacionadas ao caso. “Estão sendo preparadas minutas de intervenção processual, que poderão ser protocoladas se necessário”. O órgão também destacou que o acompanhamento se dá “a pedido da Corte Constitucional”, ou seja, do STF.

A Gazeta do Povo teve acesso à ordem de intimação já expedida pelo Tribunal Federal do Distrito Médio da Flórida, nos EUA, onde o caso tramita. O documento estabelece que, assim que for oficialmente intimado, Moraes terá 21 dias para apresentar defesa, contestar as acusações ou pedir o arquivamento da ação. Caso contrário, poderá ser proferida sentença à revelia, concedendo os pedidos feitos pelas empresas autoras do processo.

Diante do caso, os advogados ouvidos pela reportagem destacam que a atuação da AGU para defender integrantes de outro Poder em processos internacionais evidencia uma fragilidade no sistema de freios e contrapesos previsto pela Constituição. Para eles, embora justificada por argumentos de interesse institucional e defesa da soberania, essa prática opera à margem da legalidade estrita e revela o predomínio de conveniências políticas sobre o rigor jurídico. 

Advogados e parlamentares criticaram a atuação da Advocacia-Geral da União (AGU) na defesa do ministro Alexandre de Moraes. Para os juristas, a medida representa um desvio de finalidade e compromete a separação entre os poderes. Já entre os deputados, o questionamento recai sobre a legalidade e a conveniência institucional da iniciativa, vista como arriscada e politicamente parcial. 

O advogado André Marsiglia, especialista em liberdade de expressão, classifica a atuação da AGU como irregular e afirma que se trata de desvio de finalidade. Ele argumenta que o órgão existe para defender os interesses da União e não pessoas físicas, mesmo quando essas estejam no exercício de função pública. “Se a ação é contra Moraes como pessoa física, não faz sentido a AGU atuar como seu advogado particular. É um precedente perigoso e um uso indevido de recursos públicos”, criticou.

Leonardo Corrêa, também advogado, compartilha da mesma preocupação. Para ele, a separação de poderes é comprometida quando o Executivo, por meio da AGU, assume a defesa de um integrante do Judiciário em âmbito internacional. “A regra é clara: a Suprema Corte é independente, e seus membros não são representados pelo Executivo. Eventualmente, a Corte pode autorizar a contratação de um advogado particular pago com recursos públicos, mas isso depende de autorização legislativa ou de uma previsão orçamentária própria”, afirmou.

Corrêa aponta ainda que, embora a prática tenha se tornado recorrente, ela carece de previsão legal expressa e contraria o modelo republicano. “A AGU não deve atuar como advogada pessoal de autoridades, mesmo quando atacadas por sua atuação funcional. Em respeito à separação dos Poderes, essa defesa deveria partir do próprio Judiciário, por seus meios e órgãos.”, resumiu. 

Jurista defende a legitimidade da atuação da AGU na defesa de Moraes e cita proteção da soberania

Por outro lado, o professor da USP Solano de Camargo, doutor em Direito Internacional Privado, defende a legitimidade da atuação da AGU nesse caso. Essa alegação se baseia no fato de que Moraes é uma autoridade que compõe a administração pública brasileira e seus atos foram praticados na posição de ministro da Suprema Corte, ou seja, uma função pública.

Para ele, a defesa do ministro Alexandre de Moraes se justifica porque envolve o exercício de função oficial de Estado e a proteção da imunidade de jurisdição brasileira frente a cortes estrangeiras. Segundo Camargo, a medida busca resguardar não apenas o ministro, mas a própria soberania institucional do país.  

O jurista destaca que a Advocacia-Geral da União (AGU) provavelmente usará como base principal da argumentação a imunidade de jurisdição na defesa de Moraes. “O princípio da imunidade de jurisdição impede que autoridades de um país sejam julgadas em tribunais de outro. A defesa da AGU deverá sustentar que Moraes atuou dentro da legalidade brasileira, com respaldo jurídico no inquérito das fake news, e que, portanto, suas decisões são resguardadas desse tipo de questionamento externo”, explicou.

Camargo ainda reforça que a iniciativa visa proteger não apenas a figura do ministro, mas a soberania institucional do Brasil, evitando que decisões judiciais tomadas no país sejam invalidadas ou revistas por tribunais estrangeiros.

Tendo em vista as formalidades que precisam ser cumpridas no processo, como a emissão da carta rogatória, o advogado Leonardo Corrêa também avalia que o argumento da imunidade de jurisdição pode ser um “obstáculo considerável” para a própria admissibilidade da ação. “Mesmo que esse trâmite venha a ser iniciado, o Brasil poderá invocar a imunidade de jurisdição de autoridades estrangeiras no exercício de funções soberanas”, disse Corrêa.

Oposição questiona legalidade da atuação da AGU; esquerda critica “interferência na soberania brasileira”

Parlamentares da oposição também criticaram a atuação da Advocacia-Geral da União (AGU) na defesa do ministro Alexandre de Moraes nos Estados Unidos. Eles citaram falta de amparo legal, desvio de finalidade e risco de partidarização do órgão. Para eles, a medida seria indevida por tratar de um processo que envolve o ministro como pessoa física e não o Estado brasileiro. Já entre a base governista, a iniciativa da Justiça americana foi interpretada como uma afronta à soberania brasileira, sendo vista como uma tentativa de interferência externa.

O deputado Marcel van Hattem (Novo-RS) foi um dos que questionaram a legalidade da medida da AGU. Para ele, o processo nos Estados Unidos envolve Moraes como pessoa física, e não a República Federativa do Brasil, o que tornaria irregular a defesa pela AGU. Van Hattem ressaltou que “não há justificativa legal” para a atuação do órgão, e que isso configuraria um desvio de finalidade, que, na visão do parlamentar, seria passível de responsabilização administrativa e penal.

Ele também reafirmou que, na sua avaliação, Moraes “violou leis brasileiras, a Constituição brasileira e a americana” ao tentar impor decisões a cidadãos e empresas estrangeiras.

Já o deputado Zé Trovão (PL-SC) classificou a atuação como um “claro desvio de finalidade” e defendeu a convocação do chefe da AGU, ministro Jorge Messias, ao Congresso para prestar esclarecimentos. Segundo ele, o povo brasileiro precisa saber se o Estado está sendo usado “para proteger indivíduos poderosos ou para garantir justiça de verdade”. 

O deputado Maurício Marcon (Podemos-RS), no entanto, entende que há previsão legal para a AGU defender autoridades de outros poderes quando elas atuam no exercício da função, mas considerou a iniciativa “arriscada”. Na avaliação do parlamentar, a AGU deveria manter uma postura técnica e imparcial.

“Quando age assim, parece que está tomando partido, o que é inaceitável”, afirmou. Marcon pontuou ainda que estuda apresentar uma proposta sobre o tema. “Estamos sempre avaliando medidas em busca de um verdadeiro sistema democrático – o aperfeiçoamento da AGU é, com certeza, uma delas”, afirmou o parlamentar.

Opinião diferente foi apresentada pela deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ). Para ela, a ação da Justiça americana configura interferência na soberania brasileira. “A intimação da Justiça da Flórida ao ministro Alexandre de Moraes seria apenas ridícula se não fosse uma interferência clara na soberania brasileira. Quem fica do [lado do] imperialismo truculento de Donald Trump, como Eduardo Bolsonaro e o governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas, se posiciona contra o Brasil”, disse a parlamentar na rede social X.

Embora não mencione diretamente a ação contra Moraes nos EUA, o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), líder do partido na Câmara, também criticou o que chamou de “ataque à democracia”. “Transformar o Supremo em inimigo político, para escolher o próprio julgador, em violação ao princípio do juiz natural, como se decisões judiciais não decorressem de fatos e provas, mas de alianças partidárias. Essa lógica perversa busca corroer a legitimidade da Justiça e justificar, perante o público, ataques sistemáticos à democracia”, escreveu Farias em publicação nas redes sociais.

Processo contra Moraes exigirá tramitação diplomática 

O processo contra o ministro do STF Alexandre de Moraes está em fase inicial e o documento emitido nesta semana se refere à determinação para citação. Trata-se, portanto, da expedição da citação, não da efetiva notificação do ministro. “O conteúdo é claro: a Justiça americana comunica a intenção de citar Moraes e estipula o prazo de 21 dias para resposta — mas esse prazo só se inicia após o recebimento formal da citação, o que até o momento não ocorreu”, avaliou o advogado Leonardo Côrrea. 

Além disso, como o ministro não reside nos Estados Unidos, a citação válida depende de um trâmite específico de cooperação internacional — a chamada carta rogatória, que precisa ser enviada pelo tribunal americano, analisada pelo STJ no Brasil e, se deferida, cumprida pelas autoridades judiciais brasileiras. “Sem isso, a citação é juridicamente ineficaz”, complementou Corrêa. 

A carta rogatória é uma medida em que uma jurisdição, como a americana, pede apoio para a jurisdição de destino, para que ela cumpra aquela ordem dentro do devido processo legal. 

O que dizem as empresas

As empresas Trump Media e Rumble alegam que as decisões de Alexandre de Moraes censuram o discurso político legítimo e violam a Constituição americana. Entre as contas cuja censura foi determinada por Moraes está a do jornalista brasileiro Allan dos Santos.

A rede Rumble está suspensa no Brasil desde fevereiro deste ano. Moraes decidiu pela suspensão do Rumble após a plataforma não remover perfis do jornalista Allan dos Santos. Também determinou bloqueio de repasses financeiros oriundos de publicidade e doações de apoiadores, na rede e destinados a ele. Segundo o ministro, a rede social também não indicou ou comprovou ter um representante legal no Brasil.

Com essa suspensão, a empresa alega que é obrigada a censurar também o conteúdo para os usuários nos Estados Unidos e não apenas no Brasil.

As duas empresas solicitam que a Justiça dos EUA declare as ordens de Moraes nulas ou inexequíveis. Pedem também a responsabilização do ministro pela violação da soberania americana, da liberdade de expressão e possível indenização.

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